É assim a América de Bruce Springsteen
Quando The Boss leu o texto de Dale Maharidge, professor de Jornalismo na Universidade de Columbia, e viu as imagens de Michael S. Williamson, fotógrafo do Washington Post, compôs as canções Youngstown e The New Timer. Isso foi há 15 anos, o livro chama-se Journey to Nowhere e é a história da indústria norte-americana, dos homens e mulheres que construíram o país. Trinta anos depois, professor e fotógrafo publicam Someplace Like America: Tales From the New Great Depression. E Springsteen aceita escrever o prefácio. São suas estas palavras.
Eu tinha acabado a maioria do disco [The Ghost of] Tom Joad quando uma noite, aí há uns 15 anos, não estava a conseguir dormir, e tirei um livro da estante da minha sala de estar. Li-o todo de seguida, e fiquei toda a noite acordado, deitado na cama, perturbado pelo seu poder e assustado com as suas implicações. Na semana seguinte, escrevi Youngstown e The New Timer. Esse livro -Journey to Nowhere, de Dale Maharidge e Michael S. Williamson - coloca vidas, nomes e faces reais nas estatísticas que todos tínhamos ouvido ao longo dos anos 80. Pessoas que ao longo de toda a sua vida tinham obedecido às leis, tinham feito o que era certo e tinham acabado sem nada, homens e mulheres cujo trabalho e sacrifício tinham construído este país, que tinham dado os seus filhos para as suas guerras e cujas vidas afinal acabavam por ser marginalizadas ou descartadas.
Nessa noite fiquei acordado a pensar: "E se a profissão que aprendi de repente ficasse obsoleta, já não a considerassem necessária? Que faria para cuidar da minha família? E que é que eu recusaria fazer?" Sem se porem em bicos dos pés ou tentarem evangelizar, Maharidge e Williamson colocavam-nos estas questões, com as suas palavras e fotografias. Homens e mulheres lutando para conseguirem cuidar dos seus nas condições mais adversas, e mesmo assim sobrevivendo, seguindo em frente. Quando à noite aconchegamos os nossos filhos nas suas camas, esta é uma América que muitos de nós não conseguimos ver, mas que é uma parte do país em que vivemos, uma parte cada vez mais significativa. Eu acredito que um lugar e um povo não são definidos e julgados apenas pelos seus feitos e conquistas, mas também pela sua compaixão e pelo seu sentido de justiça.
No futuro, será nessa fronteira que todos nós seremos postos à prova. O que aí conseguirmos será a América que deixaremos para os nossos filhos e os nossos netos. Agora, o novo livro deles, Someplace Like America, mede e avalia a vaga que 30 anos depois nos está a atingir, uma vaga que Journey pela primeira vez viu a erguer-se, escura e violenta, na linha do horizonte. É a história da demolição do sonho americano, pedaço por pedaço, literalmente viga de aço por viga de aço, desmontada e enviada de barco para sul, para leste, para locais desconhecidos, contada através da voz daqueles que a viveram. Aqui está o preço, em sangue, riqueza e espírito, que a pós-industrialização dos Estados Unidos impôs aos seus cidadãos mais leais e esquecidos, os homens e as mulheres que edificaram os prédios em que vivemos, construíram as auto-estradas em que viajamos, fizeram coisas e em troca não pediram mais do que um bom dia de trabalho e uma vida condigna.
Fala do fracasso dos nossos políticos, que não conseguiram parar esta vaga (ou quando mesmo claramente não a apoiaram), do seu falhanço ao não conseguirem levar a nossa economia numa direcção que servisse a maioria dos cidadãos norte-americanos que tanto trabalham, e de terem permitido que todo um sistema social fosse desviado para servir uma elite. Estas histórias permitem-nos sentir a esmagadora destruição do sentido, identidade e objectivo da vida americana, sugada por uma plutocracia determinada a extrair as últimas gotas de ganhos, qualquer que seja o custo humano envolvido.
Mas, mesmo assim, não é uma história de derrota. Também detalha os laços familiares, a força interior, a fé e a resistência que se recusa a desaparecer que empurra o nosso povo para a frente quando tudo se conjuga contra ele. Actualmente, quando lemos acerca de trabalhadores, vemos que eles são tratados essencialmente sob a forma de estatísticas (os desempregados) e sindicatos (normalmente apenas descritos como um peso negativo para a economia). Na realidade, as vidas dos trabalhadores norte-americanos, bem como as dos desempregados e sem-abrigo, constituem uma parte definitiva e criticamente importante da história do nosso país, presente e passada, e nessa história existe imensa honra.
Maharidge e Williamson fizeram do contar dessa história o trabalho das suas vidas. Eles apresentam estes homens, estas mulheres e estas crianças em toda a sua humanidade. Dão voz ao seu humor, frustração, raiva, perseverança e amor. Convidam-nos a entrar nestas histórias para as percebermos e permitir-nos sentir os tempos difíceis e a experiência comunitária que ainda pode ser notada por baixo da superfície do meio ambiente noticioso actual. Ao dar-nos de volta esse sentimento de ligação universal, eles criam espaço para algum optimismo, no sentido de que ainda poderemos conseguir reencontrar o nosso caminho para um lugar melhor, enquanto país e enquanto povo. Como nos dizem as pessoas cujas vozes cantam nas páginas do livro, é o único caminho em frente.
Exclusivo PÚBLICO/The Washington Post
Nessa noite fiquei acordado a pensar: "E se a profissão que aprendi de repente ficasse obsoleta, já não a considerassem necessária? Que faria para cuidar da minha família? E que é que eu recusaria fazer?" Sem se porem em bicos dos pés ou tentarem evangelizar, Maharidge e Williamson colocavam-nos estas questões, com as suas palavras e fotografias. Homens e mulheres lutando para conseguirem cuidar dos seus nas condições mais adversas, e mesmo assim sobrevivendo, seguindo em frente. Quando à noite aconchegamos os nossos filhos nas suas camas, esta é uma América que muitos de nós não conseguimos ver, mas que é uma parte do país em que vivemos, uma parte cada vez mais significativa. Eu acredito que um lugar e um povo não são definidos e julgados apenas pelos seus feitos e conquistas, mas também pela sua compaixão e pelo seu sentido de justiça.
No futuro, será nessa fronteira que todos nós seremos postos à prova. O que aí conseguirmos será a América que deixaremos para os nossos filhos e os nossos netos. Agora, o novo livro deles, Someplace Like America, mede e avalia a vaga que 30 anos depois nos está a atingir, uma vaga que Journey pela primeira vez viu a erguer-se, escura e violenta, na linha do horizonte. É a história da demolição do sonho americano, pedaço por pedaço, literalmente viga de aço por viga de aço, desmontada e enviada de barco para sul, para leste, para locais desconhecidos, contada através da voz daqueles que a viveram. Aqui está o preço, em sangue, riqueza e espírito, que a pós-industrialização dos Estados Unidos impôs aos seus cidadãos mais leais e esquecidos, os homens e as mulheres que edificaram os prédios em que vivemos, construíram as auto-estradas em que viajamos, fizeram coisas e em troca não pediram mais do que um bom dia de trabalho e uma vida condigna.
Fala do fracasso dos nossos políticos, que não conseguiram parar esta vaga (ou quando mesmo claramente não a apoiaram), do seu falhanço ao não conseguirem levar a nossa economia numa direcção que servisse a maioria dos cidadãos norte-americanos que tanto trabalham, e de terem permitido que todo um sistema social fosse desviado para servir uma elite. Estas histórias permitem-nos sentir a esmagadora destruição do sentido, identidade e objectivo da vida americana, sugada por uma plutocracia determinada a extrair as últimas gotas de ganhos, qualquer que seja o custo humano envolvido.
Mas, mesmo assim, não é uma história de derrota. Também detalha os laços familiares, a força interior, a fé e a resistência que se recusa a desaparecer que empurra o nosso povo para a frente quando tudo se conjuga contra ele. Actualmente, quando lemos acerca de trabalhadores, vemos que eles são tratados essencialmente sob a forma de estatísticas (os desempregados) e sindicatos (normalmente apenas descritos como um peso negativo para a economia). Na realidade, as vidas dos trabalhadores norte-americanos, bem como as dos desempregados e sem-abrigo, constituem uma parte definitiva e criticamente importante da história do nosso país, presente e passada, e nessa história existe imensa honra.
Maharidge e Williamson fizeram do contar dessa história o trabalho das suas vidas. Eles apresentam estes homens, estas mulheres e estas crianças em toda a sua humanidade. Dão voz ao seu humor, frustração, raiva, perseverança e amor. Convidam-nos a entrar nestas histórias para as percebermos e permitir-nos sentir os tempos difíceis e a experiência comunitária que ainda pode ser notada por baixo da superfície do meio ambiente noticioso actual. Ao dar-nos de volta esse sentimento de ligação universal, eles criam espaço para algum optimismo, no sentido de que ainda poderemos conseguir reencontrar o nosso caminho para um lugar melhor, enquanto país e enquanto povo. Como nos dizem as pessoas cujas vozes cantam nas páginas do livro, é o único caminho em frente.
Exclusivo PÚBLICO/The Washington Post