16 de abril de 2019

A minha comunicação na Conferência Parlamentar sobre



Boa tarde a todos. Queria naturalmente começar agradecendo à Comissão de Cultura na figura da sua  Presidente o convite para participar nesta oportuna e importante iniciativa.

Manda a verdade das coisas que diga que, ao contrário de oradores antecedentes, quem vos fala agora não tem quaisquer pergaminhos académicos nesta ou em qualquer outra matéria, tratando-se apenas de um cidadão que, com vossa benevolência, apenas se pode apresentar como acompanhando há quatro décadas com interesse e com projeções no papel impresso  e num blogue as questões e práticas da comunicação social portuguesa.

Assim sendo, com pedido de desculpas por prováveis repetições em relação ao que hoje já outros disseram melhor, aqui ficam quatro modestos apontamentos:

O primeiro destina-se a afirmar que os dados resultantes de um meritório trabalho do jornalista Paulo Pena no DN (mais de 20 páginas online dedicadas à desinformação com 2 milhões de seguidores) são profundamente inquietantes e não deixam nenhuma margem para dúvidas quanto à sua potencial e provável influência nas eleições nacionais deste ano.

Por outro lado, temo seriamente  que até cidadãos muito informados e dotados de um elevado espírito critico face às operações de desinformação sejam atingidos por um sentimento de impotência ( a Cambridge Analytica obtevem do Facebook dados de 80 milhões de pessoas e julgo que ninguém foi preso ou condenado). E que esse cidadão se sintam um pouco como se estivessem a lutar contra um dragão tendo apenas como única arma um canivete. Mas, por isso mesmo, sempre longe de quaisquer obcessões securitárias e no intransigente respeito pelas liberdades democráticas, creio que tudo o que puder ser feito para contrariar ou atenuar este perverso fenómeno é bem-vindo, é necessário e é urgente.

Creio entretanto que não nos devemos deixar hipnotizar apenas pelo que é novo e, nesse sentido, permito-me observar que nada nos deve distrair dos princípios e regras (isenção das entidades públicas, pluralismo, proibição da publicidade comercial dos partidos e tudo o mais que sabe) que já estão instituídos na legislação sobre campanhas eleitorais. E, nesse domínio, de um ponto de vista pessoal, permito-me formular o voto de que «os critérios editoriais» a que a lei se refere não sirvam de biombo para encobrir práticas discriminatórias ou preconceituosas e também o voto de que, nas próximas eleições legislativas, colhendo a devida e cristalina lição do desfecho das eleições de 4 de Outubro de 2015, os meios de comunicação social tradicionais resistam melhor ao velhíssimo sofisma das «eleições para primeiro-ministro».

 para ilustrar a importância das regras já assentes, permitam-me um pequeno exemplo :  há três semanas, consultando a página que o Parlamento Europeu criou especificamente para eleições europeias de Maio próximo ( e onde há uma agregação de sondagens) encontrei uma secção intituilada «Os desafios da Europa» com um conteúdo perfeitamente alinhado pela ideologia mainstream do P.E. Era como se a AR criasse uma páginas especifica sobre as próximas legislativas e lá pusesse uma secção denominada «Os desafios de Portugal».  Essa secção foi entretanto felizmente retirada mas ficou lá outrs intitulada « O que a Europa faz por mim» com o conteúdo que se pode calcular.

Ao mesmo tempo, sublinho com sinceridade a importância do papel que podem desempenhar as acções e iniciativas de «fact cheking»  tanto em sites especializados como nos próprios órgãos de informação tradicionais.

A par disto, partilho da ideia, certamente não consensual, de que seria vantajoso para o enriquecimento do debate democrático que existissem variados sites de reflexão e crítica sobre os meios de comunicação tradicionais (como, por exemplo o ACRIMED francês) e que nas direcções e chefias desses órgãos se evitassem reacções de perfil corporativo ou pretensões de intocabilidade perante os exercícios de crítica aos media.

Mas se falamos de combate à manipulação, à desinformação e às «fake news», a para da contribuição indispernsável dos órgãos de serviço público,  então entendo salientar que como ponto nodal desse combate tem de estar a justa ideia de que cabe aos profissionais da informação um papel essencial na defesa dos melhores valores da  profissão, o que a meu ver é inseparável de mudanças significativas nas suas ásperas e inseguras condições de trabalho e do pleno respeito pelos seus direitos, tudo acompanhado da rejeição de uma visão puramente mercantilista da informação e da notória pulsão para o sensacionalismo e tudo tendo em vista a reabilitação e reafirmação da noção, hoje em dia muito posta na obscuridade, da «responsabilidade social dos jornalistas e dos órgão de informação».

Um segundo apontamento destina-se a sublinhar um óbvio que, apesar de o ser, por vezes parece bastante  esquecido embora hoje já aqui tenha sido lembrado várias vezes : é que as «fake news» que hoje defrontamos (exceptuando a capacidade de penetração que as novas tecnologias lhe ofereceram) não nasceram com a internet e o facebook.

Num exercício de memória histórica obviamente selectiva que viaja ao de leve por acontecimentos do século passado, lembraria que mentiras ou«fake news» houve:

    em Fevereiro de 1898 quando os EUA responsabilizaram a Espanha pela explosão ( que depois se veio a considerar ter sido interna e  espontânea) do seu cargueiro Maine no Porto de Havana, largamente explorada pela imprensa de Randolph Hearts e criando um fervor patriótico que que levou à guerra hispano-americana;
    em Fevereiro de 1933, quando Hitler e os nazis acusaram G. Dimitrov de estar ligado ao incêncio do Reichstag;

- em Agosto de 1964 quando os EUA acusaram a marinha norte-vietnamita de ter disparado sobre o destroyer Maddox e que a National Secuirity Agence veio a declarar depois que não houve qualquer ataque mas que serviu a
L. Johnson para desencadear a intervenção no Vietname do Sul.

Em Fevereiro de 2003 quando Colin Powell exibiu na ONU as supostas provas da existência no Iraque de armas de destruição maciças;

E num plano distinto e à nossa pequenina escala escala, falando de notícias falsas, alarmistas e irresponsáveis em Portugal, talvez não seja de esquecer quantos milhões de euros custou ao Estado português uma célebre noticia da TVI sobre o BANIF.

É certo que talvez possa haver quem argumente que, no caso destas operações de desinformação que estiveram ligadas a sangrentos conflitos militares e alcançaram uma escala planetária, como há autores e responsáveis bem identificados, isso permite um maior debate escrutínio. Ainda que assim fosse, creio que as suas consequências sobre o curso da história e em termos de danos humanos são muito superiores às operações de desinformação que hoje nascem em alfurjas subterrâneas com rostos falsos.



Um terceiro apontamento visa sublinhar que, como todos sabemos, um dos casos mais falados da influência das fake news veiculadas por redes sociais nos processos eleitorais é última eleição presidencial nos EUA.

Creio não existirem dúvidas de que as campanhas de desinformação movidas pela candidatura de Trump ou por outros em seu favor atingiram muitas dezenas de milhões de norte- americanos.

Mas já sobre os seus reais efeitos sobre os resultados eleitorais parece haver opiniões diferentes.

Ponderando a diversidade dessas opiniões, por mim tendo a pensar que, no caso de essas campanhas se terem especialmente concentrado nos chamados Estados
«oscilantes», então é bem provável que tenham contribuído para a inesperada vitória de Trump nesses três Estados e, por essa via, assegurado a sua maioria no Colégio Eleitoral.

Mas observo ao mesmo tempo que essas campanhas não impediram Hilary Clinton de ter mais 3 milhões de votos do que Trump.

Ora acontece que esta diferença é igual ou mesmo superior às registadas em outras eleições presidenciais nos EUA no decurso do Século XXI, sobretudo quando se trata de uma primeira eleição. Na verdade, em 2000 Gore perde mas obtem mais 300 mil votos que Bush, em 2004 Bush ganha a John Kerry com mais 300 mil votos e em 2008 Obama ganha a Mitt Romney com mais 3 milhões de votos.



Nestes tempos incertos e inquietantes, em jeito de consolação talvez possamos concluir que, ao menos por enquanto, as fake news não são omnipotentes.

E, por fim com diz o nome, um último apontamento para vos dizer que tenho a ideia de que o pós-guerra do século passado foi uma época em que o grau de sindicalização era incomparavelmente maior do que é hoje, em que as correntes, forças ou famílias políticas tinham um grau de coesão e de base social de apoio muito mais nítidas e sólidas, tudo conduzindo, com outros elementos, para laços de solidariedade e sociabilidade social mais fortes.

Digo isto mas sei que isso não impediu que logo em 1946 tivesse surgido na Itália o  «qualunquismo»  (protagonizado pela Frente do Homem Comum) que logo obetve 5,3% dos votos para a Assembleia Constituinte, recebendo 1.200.000 votos. E que, em 1956, na França surgiu o «poujadismo» que obteve 12% dos votos e 2 milhões de votos.

Ainda assim, mas sem prejuizo de um intrincado complexo de outras causas e factores ( em que entram problemas económicos e sociais, as migrações e a erosão das soberanias nacionais), não consigo deixar de pensar que a preocupante e inusitada vaga de  populismos fascizantes que varre a Europa e não só é  inseparável der um processo social e político em que cresceu o individualismo, em que se construiu uma cultura do efémero e em que se esbateram os laços de solidariedade social e de pertença política, o que encaixa também na crise e anestesia da noção de processo histórico e numa avassaladora perda de memória colectiva favorecida pelo sensacionalismo e pela extrema volatilidade de opiniões humores no corpo social.

E, por maiores que sejam as dificuldades, não vejo outro caminho digno se não o dee continuar a lutar contra estes factores que vejo como elementos de de degenerescência da vida democrática.

Obrigado pela atenção e desculpem qualquer coisinha.

15.4.2019