28 de novembro de 2024

Mais América em três cartons

 

- Hei Margarida ! Temos outro que
quer hibernar até 2028 !


- Deportação em massa é possível
sem separação das famílias...
- ... se as próprias famílias  forem
deportadas juntas !


26 de novembro de 2024

Sobre bandeiras do PCP na manifestação pela paz em 15 de Fevereiro

Verbo no presente

Vítor Diasin «Avante!» de 27.2.2003

Não vale a pena fin­girmos que não per­ce­bemos, através de múl­ti­plos si­nais, que certos qua­drantes não fi­zeram uma boa di­gestão da sig­ni­fi­ca­tiva pre­sença de ban­deiras do PCP na ma­ni­fes­tação pela paz de 15 de Fe­ve­reiro.

 A este res­peito, há al­gumas coisas que tem de ser ditas sem tardar.

A pri­meira é, desde logo, que os úl­timos a po­derem dis­cutir as ban­deiras dos ou­tros são aqueles mesmos que são lar­ga­mente co­ nhe­cidos por, até em ini­ci­a­tivas de que não são en­ti­dade con­vo­cante e até no 1º de Maio (que é con­vo­cado pela CGTP-IN), des­fi­larem os­ten­si­va­mente com as suas ban­deiras e or­ga­ni­zados em bloco.

A se­gunda é que, neste con­texto, é com­ple­ta­mente ca­reca que só a pro­pó­sito da ma­ni­fes­tação do dia 15 al­guns te­nham des­co­berto as «guer­ri­nhas de ban­deiras nas ma­ni­fes­ta­ções», coisa que cer­ta­mente lhes teria pas­sado des­per­ce­bido se as ban­deiras do PCP ti­vessem fi­cado em casa mas na ma­ni­fes­tação não fal­tassem, como não fal­taram, as ban­deiras das or­ga­ni­za­ções, es­tru­turas ou par­tidos com que eles se iden­ti­ficam.

A ter­ceira é que foi in­tei­ra­mente justo e na­tural que muitos co­mu­nistas (mas nem de perto nem de longe todos os que lá foram) des­fi­lassem no dia 15 com a ban­deira do seu par­tido que, além do mais, era uma das en­ti­dades pro­mo­toras da ma­ni­fes­tação e tão de pleno di­reito como as de­mais.

A quarta é que, como as ban­deiras não andam só­zi­nhas, os in­co­mo­dados de­viam ser mais francos e ter a co­ragem de dizer ou que pre­fe­riam que quem as le­vava não ti­vesse ido à ma­ni­fes­tação ou que en­tendem le­gí­timo e de­mo­crá­tico proibir ma­ni­fes­tantes de exi­birem os sím­bolos da suas con­vic­ções e da sua es­pe­cí­fica con­tri­buição para a luta pela paz.

A quinta é que os que pro­testam contra ale­gadas «he­ge­mo­ni­za­ções e ins­tru­men­ta­li­za­ções par­ti­dá­rias» ou contra «a do­mi­nação dos mo­vi­mentos so­ciais pelos apa­re­lhos par­ti­dá­rios» por al­guma razão se es­quecem sempre de se pro­nun­ciar com igual vigor contra a do­mi­nação e ins­tru­men­ta­li­zação dos par­tidos – ou de ini­ci­a­tivas uni­tá­rias - por ou­tras es­tru­turas, or­ga­ni­za­ções e per­so­na­li­dades.

A sexta é que é ab­so­lu­ta­mente in­to­le­rável que al­guns que tanto falam contra as «par­ti­da­ri­za­ções» e tanto pro­clamam a justa plu­ra­li­dade e di­ver­si­dade do mo­vi­mento de opi­nião contra a guerra, são os que não he­sitam em apre­sentar ini­ci­a­tivas que são na prá­tica do seu par­tido como ini­ci­a­tivas do «mo­vi­mento contra a guerra», como se al­guma parte - pe­quena ou grande - pu­desse falar pelo todo.

A sé­tima é que, ca­re­cido de tomar chá de tília, bem pode Mi­guel Portas («DN» de 20/​2) iden­ti­ficar os co­mu­nistas como «as ge­ra­ções que lu­taram» (verbo no pre­té­rito per­feito) porque a re­a­li­dade da luta contra a guerra e todas as ou­tras lutas aí estão a mos­trar que a única forma de iden­ti­ficar hoje os co­mu­nistas é como as ge­ra­ções que mais lutam (verbo no in­di­ca­tivo pre­sente).

23 de novembro de 2024

Ainda e sempre sobre o famoso e inventado «cerco à Constituinte»



Em 2.4.2016 em
«o tempo das cerejas» 


Semanário de 17.11.2000

Sabemos que esta crónica  nos vai colocar na situação de alguém que decidiu enfrentar a marcha de um comboio de alta velocidade.
Mas não importa. Ela explica-se porque, desde 1975,  raramente se terá passado um ano sem que, tal como a generalidade dos cidadãos, não fossemos bombardeados com a história e as imagens (que não contam toda a verdade !) do alegado “Cerco à Constituinte” ocorrido em 12/13 de Novembro de 1975 e não sentíssemos uma viva indignação face a uma pérfida mentira que, por milhares de vezes repetida, terá sido absorvida por sucessivas gerações de portugueses como  uma sólida e cristalina verdade.

De tal modo assim é, que nem nos choca especialmente ver num trabalho no “Público” de 13/11 antigos deputados à Constituinte     (do PS, do PSD e do CDS) a tratarem os acontecimentos de 12.11.75 ou como um “ensaio de golpe” ou como uma acção inspirada pelo PCP com vista a paralisar ou acabar com os trabalhos da elaboração da Constituição. Ao fim e ao cabo, há tantos e tantos anos que repetem o mesmo que já não devem conseguir distinguir a verdade histórica da  sua útil conveniência em terem baptizado de “cerco da Constituinte” aquilo que, quando muito mas com menos lucro, podiam ter chamado “cerco do Governo”.

A peça do “Público” exemplifica aliás exuberantemente toda a viciação capital que sempre foi feita daqueles acontecimentos. De facto, nela a manifestação e concentração dos trabalhadores da construção civil frente ao Palácio de S. Bento é um pormenor acessório porque todo a centralidade e destaque vai para o  “cerco da Constituinte” e são até escamoteados aos leitores quais eram as razões daquela imensa manifestação de trabalhadores.

Desde há 25 anos, o principal  truque mistificatório  sempre esteve em escamotear que, após três dias de greve nacional, a manifestação dos trabalhadores da construção civil só foi dirigida para o Palácio de S. Bento ( onde, aspecto crucial a recordar, também funcionava o VI Governo Provisório) porque o Ministério do Trabalho se recusou  a responder às reivindicações formuladas e, na esperança de desmobilizar a manifestação, encerrou as próprias instalações do Ministério na Praça de Londres.

Saiba-se portanto que a concentração em S. Bento não visava a Assembleia Constituinte mas o Primeiro-Ministro e o Governo para quem o comportamento irresponsável do Ministro do Trabalho acabara por endossar a questão.

Não se trata obviamente  de negar nem a inserção da manifestação na aguda confrontação social e política da época nem muito menos de ignorar que, na decorrência deste conflito entre trabalhadores e política do Governo, por efeito do radicalismo e da imponderação, quer o Primeiro-Ministro quer os deputados à Constituinte ficaram na prática impossibilitados de sair do Palácio de S. Bento, facto de que o PCP discordou (cf. comunicado de 13.11.75).

Mas esse facto real não pode transformar aquela concentração de trabalhadores nem num suposto “cerco à Constituinte” nem numa acção deliberadamente dirigida contra os trabalhos a que aquela Assembleia estava vinculada por mandato popular, ou seja elaborar uma Constituição para o Portugal libertado do fascismo.

E se não é assim, então que dêem um passo em frente todos os que, com recurso à ampliação das fotografias da concentração, forem capazes de provar que no mar de cartazes e panos, em vez de reivindicações socio-laborais ou de política geral, se encontra sim um oceano de invectivas contra a Assembleia Constituinte e de gritos de ódio contra a elaboração da Constituição.

Que dêem um passo em frente todos quantos forem capazes de contar (só inventando) quais foram então as tenebrosas reivindicações políticas que os manifestantes tenham dirigido aos deputados à Constituinte  ou ao seu Presidente.E já agora, como nestas evocações do falso “cerco à Constituinte” sobra sempre que se farta para o PCP, que dêem um passo em frente todos os que forem capazes de demonstrar que o dr. Vital Moreira e os restantes deputados comunistas de então, em vez de andarem a contribuir qualificadamente para a elaboração da Lei Fundamental, andavam sim por S. Bento a incendiar reposteiros, a colocar petardos nas comissões e a fazer quotidianas arruaças no plenário.  »

P.S.:E quando esta crónica foi uns anos mais tarde republicada em «o tempo das cerejas», na respectiva caixa de comentários escreveu então o dr. José António Barreiros :

«Na altura eu era Secretário do Conselho de Ministros, sendo primeiro-Ministro o almirante Pinheiro de Azevedo. Fiquei «cercado».É uma história longa, dará um «post» em qualquer ocasião. Assisti ao ir e vir da comissão negociadora, vi a betoneira que vedada a saída pela Rua da Imprensa, testemunhei por isso, que o alvo era o Governo não a Assembleia, a questão sindical não constitucional. Mais, quando da descida do helicóptero, devemos aos que ainda controlavam o «cerco» do lado dos manifestantes, terem conseguido suster o que poderia ter sido uma tragédia.
Tem pois razão o Vítor Dias. Esta é a verdade. »

21 de novembro de 2024

Mais três cartoons sobre as nomeações de Trump


 Trump escolhe o seu gabinete
-sim, senhor ! nunca errado.
génio, grande ideia !
o melhor Presidente de sempre

- Departamento de educação do Texas
- escolas públicas

- Justamente Trump escolheu o apresentador
 das regras de transito na MTV
para secretário dos transportes
- Trump prepara-se para anunciar
«Octomom»* como secretária do
trabalho.
* Referência a Nadia Suleiman
que, depois de ter tido seis gêmeos,
 num novo parto teve oito.


19 de novembro de 2024

Três cartoons em torno da desgraça

- Então, você não  tem absolutamente
nenhuma experiência neste campo e
nenhum particular interesse 
neste assunto ?
- Muito obrigado, eu vou notificar o presidente
eleito Trump da sua disponibilidade !

Trump - Se pensa que isto é alguma coisa
 espere até ver o que eu tenho planeado
para a Constituição...


- A única qualificação de Matt Gaetz
(indicado por Trump para Procurador Geral)-

27 de outubro de 2024

30 anos depois, VIAGEM A UM TEMPO DE ANTENA DO CAVAQUISMO

Os cavalos a correr...
no Avante! de 30.4.1994

Beneficiando obviamente de facilidades concedidas pelo PSD no âmbito do que se costuma chamar a «propaganda da propaganda», logo na manhã de segunda-feira o «JN» podia anunciar que  «o puro sangue lusitano, generoso e temperamental»  seria  «o elemento audiovisual dominante em todo o tempo de antena do PSD »  que a RTP transmitiria na noite desse dia, numa escolha destinada a exprimir a «impetuosidade triunfante»  da mensagem televisiva do PSD.

De facto, assim foi. Com o «Bolero» de Ravel sempre em fundo, lá tivémos os cavalos a correr ao serviço da esfalfante missão de fazer os portugueses aprender quanto do prestigio mundial de Portugal, do progresso e modernização do país e da vida boa e feliz do seu povo se deve ao PSD e a Cavaco Silva.

Sejamos compreensivos com o PSD: quem não tem cão, caça com gato.

Não há agora uma selecção nacional de juniores campeã mundial cujas imagens possam ser instrumentalizadas pela propaganda do PSD.E o « novo homem português », que Cavaco Silva em tempos anunciou pretender criar, ainda não começou a sair da linha de montagem e, por isso, também não pode ser exibido em tempos de antena de televisão. 

Sem os juniores campeões e sem exemplares decentes e credíveis do «novo»  português, compreende-se, a muitos títulos, que o recurso aos cavalos lusitanos - impetuosos mas domados, fortes mas irracionais, correndo em manada na direcção imposta pelo susto causado pelo helicóptero por conta das filmagens do PSD - tenha agradado aos responsaveis do PSD.

O resto do tempo de antena não tinha nem história nem novidade. Porque, tirando os miserabilistas e catastrofistas do costume, todos sabemos que nós, portuguesinhos valentes comandados pelo Prof. Cavaco,  « estamos a vencer a crise internacional que nos bateu à porta »  e « aproximamo-nos a passos largos dos países mais desenvolvidos da Europa » , que Portugal é o máximo para estrangeiros. Porque, tirando os pessimistas e derrotistas do costume, todos sabemos  que « Portugal deu a volta e está a vencer » e que , tal como aquele inesquecível casal « descoberto» pelo PSD, tivémos mais dinheiro este ano e até já não precisámos dessas misturas de apartamentos de férias alugados a meias.

Mas então - perguntará algum leitor mais desejoso de equilibrio e imparcialidade - não se salvou nada no tempo de antena do PSD ?

Claro que sim. Nem mais nem menos que os cavalos lusitanos - bonitos e simpáticos animais - e o «Bolero» de Ravel.

Naquela peça de mistificação e ilusionismo, eram os únicos inocentes. Ninguém lhes pediu opinião e, por sinal, até já existiam antes de Cavaco Silva ter empreendido esse pesadelo que cinicamente baptizou de  «democracia de sucesso».

9 de outubro de 2024

Uma realidade menos falada

 « Grandezas» da Europa


Um milhão de escoceses
vivendo na pobreza
-manchete do "Daily Record"

7 de outubro de 2024

A sabedoria de cada um


          Ele : «Peço desculpa mas não sei o suficiente sobre Kamala».

           Ela; « Peço desculpa mas eu sei demasiado sobre Trump»

1 de novembro de 2023

Na revista «O Militante» de Nov. / Dez. de 2023

Há 50 anos. 
aquele 1973 

Vítor Dias

A realização com notavel êxito do 3º Congresso da Oposição Democrática (Aveiro, Abril de 1973) e a intervenção dos democratas na farsa eleitoral de Outubro de 1973 constituiram duas combativas jornadas de luta antifascista em que o recurso à repressão por parte das autoridades não conseguiu evitar a evidência da crise e isolamento do regime.

Não se pense porém que o ano de 1973 tenha sido uma excepção singularmente brilhante num conjunto temporalmente mais vasto da vida nacional.

Na verdade, os acontecimentos de 1973 são parte integrante e indissociável da criatividade e dinamismo político que caracterizaram a luta antifascista no periodo que vai desde a posse de Marcelo Caetano como Presidente do Conselho em Setembro de 1968 até 25 de Abril de 1974.

E, em imensa medida, essa criatividade e dinamismo são inseparaveis do papel dos comunistas e do PCP e da orientacao por si assumida. Com efeito, o PCP, contra certas ilusões e benévolas expectativas de outras correntes da oposição, advertiu que não seriam os fascistas a acabar com o fascismo e que se entrava na fase do «salazarismo sem Salazar ». Mas o PCP não se limitou a dizer isso, antes atento às mudanças, salientou a necessidade de se explorarem em profundidade todas as concessões demagógicas que o regime viesse a fazer por forma a abrir um “novo curso politico” na vida nacional.

E o ”novo curso político” viria a traduzir-se nomeadamente na intervenção democrática na farsa eleitoral de Outubro de 1969 com as CDE; na criação em 1969 do Movimento Democrático das Mulheres: na criação da Comissão Nacional de Socorros aos Presos Políticos em 1969: na crise académica em Coimbra em 1969; na criação do Movimento da Juventude Trabalhadora e da União dos Estudantes Comunistas; nas acções da ARA contra o aparelho da guerra colonial; na conquista das direcões de numerosos sindicatos por listas da confiança dos trabalhadores e na fundação da Intersindical Nacional em Outubro de 1970; a formação de varias c cooperativas  livreiras que, até serem extintas pelo fascismo, representaram importantes pontos de apoio âactividade antifascista; as greves operárias dos primeiros meses de 1974.

Ponto alto da unidade antifascista

O 3º Congresso representou um assinalável progresso nas relações entre as correntes antifascistas e destas com numerosas personalidades que não tendo uma expressa vnculação partidária deram um muito valioso contributo para o sucesso da iniciativa. Viviam-se já tempos políticos em que estavam desfeitas as esperanças de alguns no consulado marcelista e em que caracterizações essenciais do PCP sobre o regime a sua natureza obtinham muito maior consenso. O relevo dado em teses e comunicaçóes aos problemas dos trabalhadores, a inclusão como tarefas fundamentais da oposição democrática a luta contra o poder absoluto dos monopólios e a luta contra a guerra colonial e pela independência dos povos coloniais (objectivos  á formulados pelas CDE em 1969) deram prova de uma oposição enraizada nos grandes problemas nacionais.

Por outro lado, a repressão desencadeada pelo governo contra o congresso (estabelecimento de um autêntico cerco à cidade, multiplas acçoes de intimidação) e com especial brutalidade a carga da  policia de choque sobre os participantes numa projectada romagem à campa de Mário Sacramento fizeram desabar ainda mais o sonho do goverrno de, com a autorização do Congresso, melhorar a sua imagem internacional. Com a sua corajosa decisão de manter a romagem apesar da sua proibição, a Comissão Nacional do Congresso mostrou ao país que em Portugaln havia uma oposição firmemente empenhada em conquistar tudo e não apenas o que o fascismo estava disposto a dar.

Equívocos sobre uma tese

Nos balanços sobre o Congresso aparece por vezes a critica de que as suas conclusões não tiveram em devida conta aspectos fundamentais da tese apresentada por José Medeiros Ferreira e intitulada «Da necessidade de um plano para a Nação» nem o seu carácter «premonitório» em relação ao que viria a acontecer em 25 de Abril do ano seguinte. Ora quanto a isto é necessário ter em conta que a tese de Medeiros Ferreira, cujo valor e interesse era real, do que tratava era nem mais nem menos, a questão da via para o derrubamento do fascismo, tema dificilmente compaginável com o Congresso de uma força que se pretendia legal.

Acresce sobretudo que para ser realmente «premonitória» a tese de M.F. teria de incluir a ideia de que a iniciativa do derrubamento do fascismo devia pertencer às Forças Armadas. Ora, M. F. sublinhou enfaticamente que «Portugal encontra nas suas classes trabalhadoras o melhor veículo para a sua continuação como Estado independente e é desta força social que pode resultar um projecto global para a Nação ou pelo menos nela apoiado. (...) As classes trabalhadoras aparecem pois como a força social do futuro ». Mais, na tese de M.F. explicita-se que «da situação óptima que seria as classes trabalhadoras inspirarem e fortalecerem o Exército, chega-se à possibilidade de se assistir a fenómeno contrário. O do enquadramento das classes trabalhadoras pelo Exército. E a experiência dos aldeamentos estratégicos, por si só, não é a melhor garantia de democracia...»

Sempre sem negar a importância da reflexão de M.F., cumpre anotar que a importância das Forças Armadas para a solução do problema político português já tinha sido abordado muitos anos antes. Com efeito, já em 1961 escrevia Álvaro Cunhal: «Um levantamento nacional vitorioso terá  de adquirir a forma de poderosas manifestações de massas, incluindo eventualmente uma greve geral política, terá de contar com o apoio duma parte das forças armadas ou pelo menos da neutralidade de importantes sectores dessas forças e deverá ter como objectivo derrubar a ditadura pela força caso ela resista pela força. Para um levantamento nacional vitorioso, o problema das forças armadas adquire especial importância. É perigosa fantasia pensar que um movimento popular, por muito vasto e poderoso que seja, pode provocar o derrubamento da ditadura fascista se as forças armadas mantém a sua coesão, unidade e combatividade ao serviço do governo fascista

Outubro de 1973:
uma campanha cheia de violência

Prolongando a repressão já exibida no Congresso de Aveiro, também a campanha «eleitoral» de Outubro desse ano se revestiu de graves e numerosas arbitrariedades, desde logo e em primeiro lugar um ambiente geral de intimidação que dificultou a obtenção de sedes e espaços para sessões e comícios, a interrupção e cancelamento de comícios pela PSP sempre que um orador se referia à guerra colonial, uma brutal carga da policia d e choque sobre uma multidão que não conseguiu aceder ao comício na Sociedade Nacional de Belas Artes, a sistemática prisão pela PSP de activistas que afixavam no espaço público materiais de propaganda, a censura a cartazes por parte dos Governos Civis e a proibição de acções de propaganda fora de recintos fechados, o silenciamento da oposição na televisão e na rádio.

E, como tudo isso não bastasse, a 10 dias do início da campanha eleitoral, o Governo que já tinha tentado proibir as Comissões Eleitorais no Verão publicou um decreto-lei que sujeitava a julgamento todos os candidatos e membros de comissões eleitorais que desistissem de ir às urnas ou apelassem à abstenção com a consequência da perda de direitos políticos por cinco anos.

E foi este decreto-lei que explica porque razão a oposição não concorreu em 11 distritos.Na verdade o que se passou foi que nesses distritos um conjunto de advogados que eram candidatos entenderam muito discutivelmente que aquele decreto, por via da perda de direitos politicos, podia vir a comprometer o exercicio da sua profissão.

Como é evidente, este arsenal repressivo prejudicou, com variações distritais, a campanha da oposição na farsa eleitoral de Outubro de 1973. Mas não pôde apagar a fundada convicção de que crescia no país o isolamento e descrédito do regime e se acumulavam forças dispostas a bater-se corajosamente até à conquista da liberdade.

E muito menos pôde evitar a considerável influência  quer do 3º Congresso quer da intervenção na farsa eleitoral de Outubro de 1973 no processo de consciencialização política de participantes no movimento dos capitães que viria a ter uma significativa expressão em linhas fundamentais do Programa do MFA.

5o anos é muito tempo e estas linhas mais não quiseram do que recordar quanto caminho andámos para aqui chegar.

25 de abril de 2023

Intervenção no 25 de Abril de 2023 em Vila Franca de Xira no desfile da URAP

Passaram 49 anos mas..

Em nome da URAP sejam todos bem vindos a este desfile que honra as poderosas tradições antifascistas desta nossa terra e celebra condignamente o 25 de Abril, essa data maior da nossa história como povo e como nação, esse inesquecivel acontecimento que semeou alegria e esperança no coração dos portugueses, essa revolução democrática que, graças ao corajoso impulso inicial dos militares do MFA, abriu horizontes de liberdade, paz, justiça e progresso social para a nossa então sofrida pátria.

49 anos é muito tempo e nesse tempo, bem o sabemos, cabem desilusões, derrotas, conflitos e esperanças traídas mas queremos crer que, pelo menos nos mais velhos de nós, permanece viva a memória de um tempo apaixonante de transformações e conquistas que modificaram para melhor a face do pais, que fizeram irromper nas ruas e praças de Portugal uma generosa vontade colectiva de combater as injustiças sociais, de afirmar direitos e liberdades e de assegurar a vitória sobre o atraso, a exploração desenfreada e o poder absoluto dos que tinham sido os principais apoios e sustentáculos do regime fascista.


Vivemos hoje um tempo português onde não faltam casos de corrupção, abusos de poder, negociatas e trapalhadas. Mas é justo lembrar que em 1974 e 1975 nada disso aconteceu. E não aconteceu porque viviamos então uma época em que o interesse público e o bem comum eram sagrados, em que a desonestidade e o roubo não eram tolerados, em que predominava uma moral colectiva que era intransigente em relação a todos esses fenómenos.

49 anos é muito tempo e por isso é adequado relembrar que a revolução de Abril, traduzindo magnificamente as aspirações do povo português como se viu na histórica e impressionante jornada do 1º de Maio de 1974, não nos trouxe apenas esse bem maior que é liberdade porque nos trouxe também uma patente melhoria das condições de vida ,(o salário minimo nacional nasceu aí), a generalização da segurança social e dos subsidios de férias e de natal,a liberdade sindical, a nacionalização dos grupos monopolistas, a terra a quem a trabalhareforma nos latifundios da fome nos campos do sul, as comissões de moradores e de trabalhadores, os primeiros passos para a democratização das autarquia e ainda,como conquista do mais alto valor,o fim de uma guerra colonial que já tinha ceifado a vida de dez mil jovens portugueses e de um número maior de africanos.

Como hoje voltaremos a ver logo à tarde na Avenida da Liberdade em Lisboa, o 25 de Abril continua ter um lugar incomparável na nossa memória colectiva e também nos sentimentos e imaginário das gerações mais novas. Diversos paises europeus também tiveram o seu «25 de Abril» no fim da segunda guerra mundial. Mas não houve nenhum que, passados 49 anos, ainda celebrasse, com uma expressão de massas semelhante à nossa, a sua libertação do nazi-fascismo.


É verdade que já passaram 49 anos mas não temos medo de afirmar que os grandes ideais e valores do 25 de Abril continuam a ser válidos e necessários para enfrentarmos os maiores problemas e desafios da vida nacional, do aumento do custo de vida aos salários e pensões baixos, da degradação do SNS à guerra na Europa.

E neste sentido é justo afirmar que eles são tanto mais necessários quanto é certo e sabido que há hoje em Portugal uma força política que escolheu como lema o «Deus, Pátria, Familia» do fascismo, que é financiada pelso empresários mais retrógados, que é campeã do racismo e da xenofobia, que é admiradora de Trump e de Bolsonaro e dos franquistas do Vox espanhol e que só cavalga problemas e insatisfações reais não para lhes dar solução mas para espalhar a provocação, a arruaça, o ódio, o preconceito e a intolerância.

Fascistas nunca mais !

25 de Abril sempre !

29 de fevereiro de 2020

Tarrafal - memória e exempo

Intervenção de Vítor Dias
no acto público promovido pela URAP
junto ao Mausoléu aos Mortos do Tarrafal
29.2.2020


Aqui estamos, mais uma vez e como todos os anos por iniciativa da URAP, para prestar a nossa sentida homenagem aos combatentes da liberdade que morreram no Tarrafal sem nunca esquecer também todos aqueles homens nossos irmãos que estiveram longos anos aprisionados naquele inferno e a ele conseguiram sobreviver para voltarem à luta de cara levantada.
É imperioso começar por dizer que aqui estamos a cumprir uma tradição  mas é necessário acrescentar que se trata de uma boa tradição porque é uma tradição que é filha de um dever de memória, de um dever de consciência, de um dever de gratidão por todos aqueles que, assassinados no Tarrafal ou lá tendo sofrido o que hoje custa a imaginar, inscreveram a letras de sangue e sacrifício na nossa história colectiva os valores perenes  da coerência, da coragem e da firmeza de convicções democráticas.

E cremos ser adequado sublinhar nesta ocasião o profundo significado de há dis ter sido anunciado em Cabo Verde  o projecto de transformação do Tarrafal num verdadeiro museu da Resistência.
Sobretudo a pensar nas novas gerações, justifica-se lembrar sempre que se não bastassem os assassinatos de antifascistas cometidos em Portugal pelas diversas forças repressivas do fascismo, se não bastassem as bárbaras torturas infligidas a  centenas e centenas de homens e mulheres cujo único crime era o de lutarem por tudo aquilo que hoje é quase tão natural como o ar que respiramos, se não bastassem os milhares de anos passados pelos democratas nas cadeias políticas do regime,então aí estaria o campo de concentração do Tarrafal – que foi concebido, criado e dirigido para ser um campo de extermínio físico e humilhação – para mostrar que, ao contrário do que alguns de vez em quando proclamam, a ditadura fascista não foi nem branda nem suave mas antes, à sua escala, cruel, hedionda, desumana e bárbara.
Num momento de recolhimento, importa recordar que o Tarrafal, onde a partir do inicio da década 60 também sofreram os combatentes de países colonizados cuja memória também honramos, significou para mais de uma centena de antifascistas portugueses não um qualquer degredo relativamente confortável mas uma imensa distância em paragens inóspitas de familiares e amigos, a péssima alimentação, as mortíferas doenças tropicais e a flagrante e absoluta falta de assistência médica (ficou para a história amarga desse tempo a declaração de que o médico só estava lá para passar certidões de óbito), os brutais castigos como o da “frigideira”, a terrível incerteza da data de libertação e uma indescritível vivência da monótona mas angustiante passagem dos dias, das semanas, dos meses e dos anos.
Os 32 assassinados no Tarrafal não puderam conhecer o vendaval  poderoso,    alegre, feliz e entusiasmante da conquista da liberdade em 25 de Abril de 1974 mas, no nosso imaginário e no nosso coração,eles figuram ao lado dos vivos como vencedores nesse longo, áspero e sacrificado combate contra a ditadura fascista.
E bem podemos dizer que,  nestes tempos carregados de  perigos de avanço de ideias reaccionárias, racistas, xenófobas e populistas que, em muitos casos, são afinal as roupagens actuais e circunstanciais de um fascismo antigo e de fascistas que só os impactos poderosos da revolução de Abril obrigaram durante tanto tempo ao disfarce e à discrição,  importa ainda mais honraro legado histórico  de todos os resistentes que sofreram no Tarrafal.

E esse legado chama-se nenhuma tolerância com reaccionários e neo-fascistas, chama-se sólidos compromissos de vida com  os ideais da liberdade, da democracia, da paz e do progresso social, chama-se visão humanista da sociedade, do país e do mundo, chama-se capacidade de olhar as batalhas do presente com confiança e de mirar o futuro com uma esperança ancorada na luta e acção transformadora dos homens.
Até outro ano, mártires da nossa liberdade, podeis estar certos de que o vosso exemplo viverá sempre nos nossos gritos de revolta, nas nossas atitudes de insubmissão, no nosso caminho de construção e de conquista, na nossa resposta às interpelações do presente e aos desafios do futuro.








27 de outubro de 2019

Algumas palavras sobre o livro «Forte de Peniche, memória, resistência e luta»

Intervenção de Vítor Dias
no Encontro-Convívio realizado no
Forte de Peniche em 26.10.2019


Estimados amigos,
companheiros e camaradas :

Permitam-me que traga a este nosso encontro tão marcado pela fraternidade e pela nossa colectiva vinculação aos valores da resistência antifascista e da liberdade algumas breves palavras sobre a 5ª edição do livro em boa hora organizado e editado pela URAP e significativamente intitulado «Forte de Peniche, memória, resistência e luta».

Com esta 5ª edição, este livro atingirá os 11.000 exemplares, o que, no panorama editorial português, constitui um notável êxito, bem demonstrativo do interesse que despertou e que tem sido também patente nas dezenas de sessões da sua apresentação que a URAP tem organizado por todo o país envolvendo muitas centenas de democratas.

Mas o que definitivamente marca este livro, para além do valor intrínseco do seu conteúdo, é sem dúvida o ter sido um valioso instrumento da luta que, por imperativo de consciência, travámos contra o projecto de transformação do Forte de Peniche num hotel de luxo e pela edificação, agora em vias de plena concretização, neste mesmo Forte de um Museu Nacional da Resistência e da Liberdade.

Com efeito, parte importante deste livro é ela própria a história densamente documentada da movimentação democrática em torno de objectivo que atrás referi, desde a petição lançada em Outubro de 2016 e subscrita por 9635 cidadãos e entregue na AR em 26 de Janeiro de 2017 até à jornada popular da inauguração da 1ª fase do Museu em 27 de Abril de 2019, passando pelo dois anteriores encontros-convívios em 29 de Outubro de 2016 e de 2 de Outubro de 2018 e ainda pela jornada de inauguração do monumento aos presos políticos em 9 de Setembro de 2017.

Olhando para trás, talvez possamos dizer, com modéstia mas também uma ponta de orgulho, que esse foi o caminho de pedras que juntos percorremos mas também que por esse caminho de pedras construímos todos uma grande vitória na preservação dos valores da memória histórica e na pujante afirmação do valor supremo da liberdade e que valeu a pena a persistência, a tenacidade, a firmeza de convicções e a unidade dos que souberam reclamar e lutar.

Tempo agora para vos dizer que um importante capítulo deste nosso livro é aquele onde, ao longo de 25 páginas se relatam as condições e o regime prisionais vigentes no Forte de Peniche ao longo de diversas épocas. E bem se pode dizer que esse texto tem o superior valor de ser o único existente que, embora de forma necessariamente resumida, permite uma visão de conjunto de como era a vida encarcerada dos 2510 presos que, por lutarem pela liberdade, aqui estiveram presos.

Com efeito, nesse texto lá encontramos as regras absurdas e desumanas das visitas de familiares dos presos ao parlatório,  a referência às longas distâncias que eram obrigadas a percorrer, as dezenas de estridentes apitos que em cada dia comandavam a vida prisional, a crueldade e atitudes provocatórias dos carcereiros, o estúpido e cruel «regime de observação», o isolamento, toda a série de castigos, o segredo, a proibição de conversar, a censura às cartas, o não poder ver ao menos o mar.

Como a maior parte dos que aqui estão certamente sabem, o livro inclui também um interessante capítulo sobre seis fugas ( duas não concretizadas) de Peniche, parte que bem pode ser lida como se de um livro de aventuras se tratasse, sendo apenas de lembrar que nelas os perigos eram terrivelmente reais e que esses relatos se revelam espírito de aventura põem sobretudo em destaque a persistência, a imaginação, uma vontade férrea de tornar possível o que parecia impossível e, mais do que tudo, uma determinação admirável em conquistar a liberdade para prosseguir a luta pela liberdade de todo o nosso povo.

Neste livro há igualmente um capítulo e um texto que não se encontra em mais parte nenhuma. Como se lembrarão, no dia 26 de Abril de 1974 e na madrugada de 27 as atenções estiveram sobretudo concentradas em Caxias (os órgãos de informação estavam em Lisboa) e por isso é daí que há mais fotos e imagens tendo Peniche e a libertação dos seus presos ficado um pouco na penumbra mediática. Mas este nosso livro preenche essa lacuna com uma cronologia minuciosa do processo de libertação dos presos de Peniche da autoria do Comandante Machado dos Santos que, com o Major Moreira de Azevedo, constituiu a delegação da JSN encarregada dessa libertação. E se é certo que devemos estar gratos aos membros da Comissão Nacional de Socorro aos Presos Políticos que em Lisboa travaram a batalha contra Spínola para que fossem libertados todos mas todos os presos políticos, também temos  uma dívida de gratidão com o Cdte. Machado dos Santos e o Major Moreira de Azevedo que, aqui em Peniche, do primeiro ao último minuto,sempre actuaram no sentido de alcançar esse justíssimo objectivo.

E, por fim, o nosso livro inclui a lista, agora actualizada e acrescentada com a naturalidade dos presos, dos 2510 antifascistas que cumpriram penas em Peniche entre 1934 e 1974, lista essa que deu origem ao digno e comovente memorial que podemos ver lá fora. E o melhor, mais luminoso e mais profundo que se pode dizer sobre essa lista já foi dito pelo nosso querido António Borges Coelho : « Nomeai uma um todos os nomes. Lutaram e resistiram. A liberdade guarda a sua memória nas muralhas desta Fortaleza».

E, por nós, só acrescentaremos modestamente que, mais do que uma lista de nomes, nunca nos esqueçamos que se trata mais de uma lista de 2510 vidas, vidas sofridas e vidas aprisionadas mas sobretudo vidas que são exemplo de coragem e firmeza, vidas que se sacrificaram para que, entre tantas outras conquistas passadas, hoje possamos estar aqui não a celebrar saudades que não temos desse passado de sufoco, terror e negrume que foi o fascismo mas a levantar sempre e sempre a bandeira dos grandes valores e ideais progressistas que são essenciais à construção do nosso futuro colectivo.

E anima-nos a confiança e quase certeza de que este livro não só já fez um útil e bom caminho como o continuará a fazer no futuro como passagem de testemunho às novas gerações e também como elemento complementar de apoio aos numerosos visitantes  portugueses e de outras nacionalidades que, como já hoje acontece, acorrerem ao nosso Museu Nacional da Resistencia e da Liberdade.

Muito obrigado.








10 de setembro de 2019

As"eleições" de 1969 no caminho para a vitória


(Vítor Dias em «O Militante»
de Set- Out. de 2019)



Completam-se no próximo mês de Outubro 50 anos sobre a penúltima farsa eleitoral organizada pela ditadura fascista e que constituiu um relevante acontecimento no processo da prolongada  luta democrática pela liberdade e contra a opressão, não apenas pela dinamismo, audácia, energia criadora e grande combatividade demonstrada pelos comunistas e outros democratas nesse preciso período mas sobretudo porque teve decisivas  projecções para os quase cinco anos que se seguiram até à histórica madrugada de 25 de Abril de 1974.


O período  que vai de Setembro de 1968 a Outubro de 1969 caracterizou-se por uma intensíssima actividade política, por muitas dezenas de importantes episódios, por vivas polémicas e debates dentro do próprio campo democrático, tudo matéria que, apesar do seu inegável interesse, não é possível referir detalhadamente num texto desta natureza. Compreenda-se pois que, de forma sempre discutível, prefiramos dar aqui relevo a algumas questões que, a nosso ver, iluminam melhor o essencial do que esteve em causa e se passou naquela época já tão distante. Assim:

1.Realizando-se cerca de um ano após a tomada de posse de Marcelo Caetano, na sequência da incapacitação de Salazar, e do consequente arranque daquilo a que o PCP chamaria acertadamente de «demagogia liberalizante» e outros chamaram erroneamente de «primavera marcelista», a farsa eleitoral para as legislativas desse ano encerrava em si mesma para as forças democráticas um desafio crucial.

Desafio que, em termos gerais, consistia em ou escolher o caminho de um combate firme e determinado de oposição frontal ao regime (às suas estruturas fundamentais, à sua natureza de classe e à devastadora guerra colonial que prosseguia há oito anos) e de conquistar novos espaços de intervenção ou fazer uma campanha eleitoral naturalmente recheada de críticas ao regime (com muita moderação no que toca ao tema da guerra colonial) mas em termos que não contrariassem  benévolas expectativas face às alterações cosméticas desencadeadas pelo novo Presidente do Conselho e não comprometessem os seus anseios de obter uma legalização preferencial sustentada na marginalização e isolamento político da força mais consequente da resistência antifascista, o PCP. Como aliás se inferia claramente do manifesto “À Nação” subscrito por membros da ASP (Acção Socialista Portuguesa) no princípio de 1969.
Por outras palavras, na orientação, comportamentos e atitudes das diversas componentes da oposição democrática, mais do que as divergências concretas que publicamente afirmavam (embora várias delas tivessem grande significado e importância), o que pesava era sobretudo a análise de fundo que faziam do momento político nacional inaugurado com o “marcelismo” .

2. Na verdade, enquanto Mário Soares e os outros membros da ASP alimentavam sérias ilusões sobre os reais objectivos do «marcelismo» (a ponto de se realizarem contactos entre M. Soares e Melo e Castro, o novo presidente da União Nacional (em Fevereiro de 1970 rebaptizada de ANP – Acção Nacional Popular) e enquanto opinadores esquerdistas nele viam e continuaram muito tempo a ver « um ensaio de transição controlada para as democracias parlamentares», já o PCP, em comunicado de Setembro de 1968 (depois desenvolvido em numerosas tomadas de posição), sublinhava que « o que desde já o distingue [ao governo de Marcelo Caetano] é continuar o salazarismo  a coberto de uma demagogia liberalizante».  O PCP alertava também que «o fim do fascismo não pode resultar da acção daqueles mesmos que o querem salvar e que só o povo português, só a unidade e organização dos democratas, só a luta das massas populares podem conduzir finalmente ao derrubamento da ditadura e à instauração de um regime democrático».

Entretanto, a nosso ver, o maior rasgo da posição assumida pelo PCP não esteve tanto nestas caracterizações mas sim no facto de, ao mesmo tempo, ter tido a sensibilidade e a sabedoria políticas de salientar que «para uma justa apreciação da situação não se deve perder de vista a natureza de classe do novo governo nem se deve perder de vista as dificuldades actuais do regime que abrem novas perspectivas ao movimento democrático nacional». E ter destacado vigorosa e lucidamente «a necessidade de aproveitar audaciosamente a nova situação para quebrar o imobilismo político, exigir o cumprimento de quaisquer promessas demagógicas do governo, imprimir um novo curso à vida política e a luta popular de massas» em torno de objectivos próprios que o comunicado naturalmente enunciava.

E, de facto, representando um estimulo decisivo para a própria acção explicitamente política, a primeira e mais forte resposta à operação demagógica do novo governo veio de poderosas lutas sociais nas fábricas e em outras empresas, com a classe operária e outros trabalhadores a lutarem corajosamente pelas suas reivindicações concretas de carácter económico e social e bem assim, mas com especial ressonância nacional, da chamada «crise académica» de Coimbra, em Abril-Maio desse ano e que constituiu uma extraordinária afirmação de combatividade estudantil.
3. Apesar de o espectro da divisão entre sectores democráticos pairar praticamente desde o inicio de 1969, graças ao apego dos comunistas e de outros democratas de esquerda aos valores da unidade, ainda foi possível aprovar, em 26 de Junho numa reunião em S. Pedro de Muel em que participaram cerca de 100 delegados vindos de todo o país,  uma Plataforma programática que, ainda com uma formulação  moderada sobre a questão colonial (aí ainda se falava em «guerras do Ultramar»), correspondia em linhas gerais a objectivos justos do movimento democrático.

No entanto, pouco tempo depois, a divisão consumou-se sem apelo nem agravo quando Mário Soares e os membros da ASP declararam unilateralmente encerradas as negociações com as CDE de Lisboa, Porto e Braga (no Porto chamava-se CDP – Comissão Democrática do Porto) e anunciaram o propósito de apresentarem candidaturas próprias, sob a sigla CEUD, naqueles distritos. Sem prejuízo do que se salienta no ponto 1. deste artigo, de forma pública as divergências centravam-se em que os democratas da ASP reclamavam a paridade na lista de candidatos (ou seja metade para eles e outra metade para as restantes correntes (que eram várias dado que, por exemplo na CDE de Lisboa e em alguns outros distritos participavam também, ao lado dos comunistas o grupo de companheiros e amigos de Jorge Sampaio, católicos progressistas e personalidades com os Prof. Pereira de Moura e Lindley Cintra não classificáveis em nenhum grupo. E centravam-se também, e sobretudo, na firme oposição de Mario Soares e dos seus companheiros ao tipo de funcionamento democrático adoptado pelas CDE´s, com comissões de base geográficas e sócio-profissionais reunidas em comissões distritais a quem era atribuído um importante papel na aprovação das listas de candidatos.

Dito por palavras mais directas, o que os democratas já reunidos na CEUD pretendiam era manter a intervenção eleitoral oposicionista nos mesmos moldes que, em determinadas conjunturas históricas anteriores (em 1965, nos 12 candidatos por Lisboa, 10 eram do grupo de Mário Soares !) tinham conseguido  impor, ou seja,  um grupo de personalidades reunia-se, mormente no escritório de algum advogado, escreviam um manifesto e elaboravam e decidiam sobre uma lista de candidatos, cabendo a todos os outros democratas serem «carregadores de pianos» sem nenhuma palavra a dizer sobre os candidatos e a orientação da campanha.

4. A respeito do tipo de estruturação das CDE, ao longo dos anos, quer personalidades do «grupo» de Jorge Sampaio quer outras que vieram mais tarde a fundar o PRP  chamaram a si o mérito político da sua organização democrática interna  (comissões de base, comissões distritais e seus poderes, etc.) mas tal reivindicação não tem o mais pequeno fundamento.

Com efeito, segundo o testemunho absolutamente credível do médico comunista Souto Teixeira (em entrevista à “Seara Nova” que não veio a ser publicada), ainda no Inverno de 1968 e em Lisboa, o PCP criou um grupo de trabalho encarregado de preparar as “eleições” de 1969 e que foi acompanhado pelo então funcionário clandestino Pedro Ramos de Almeida (devendo algo similar ter acontecido pelo menos no Porto e Setúbal). Esse grupo de trabalho era constituído por José Tengarrinha, José Gouveia,, Souto Teixeira e José Lopes de Almeida e a divisão de tarefas a que procedeu, para além do estabelecimento de contactos políticos, incluía precisamente a criação e dinamização de comissões de freguesia e concelhias em diversas localidades do distrito, trabalho que foi realizado com pleno êxito.  

Terminando estas referências às divergências sobre a forma de organização da intervenção democrática na farsa eleitoral, diga-se entretanto que não sendo acidentais ou de pouco significado estas divergências dos que se vieram agrupar nas três CEUD, a verdade é que, nos restantes distritos em que as CDE concorreram , diversos membros ou apoiantes da ASP foram candidatos e  conviveram sem qualquer ruptura com a estruturação democrática, com os  critérios de formação de listas e com as críticas frontais à guerra colonial que não suportaram compartilhar em Lisboa, Porto e Braga !.

5.                         Se é verdade que bastava a existência de uma polícia política e de presos políticos (que não terminariam no fim da campanha eleitoral) para, só por si, se poder concluir que não podia haver eleições livres em ditadura, também é verdade que uma vasta panóplia de outros instrumentos limitativos favorecia a burla eleitoral.

Nesse sentido,  basta referir brevemente que, excepção feita a pequenos retoques na lei eleitoral, o novo governo do ex-comissário Nacional da Mocidade Portuguesa, ex-ministro da Presidência e destacado doutrinador do corporativismo manteve todas orientações e comportamentos antidemocráticos do passado. A PIDE mudou para DGS mas nem por isso deixou de prender, provocar, reprimir e intimidar (entre tantos outros exemplo, lembre-se a dissolução da reunião no Palácio do Marquês de Fronteira em Junho e o assalto por trinta rufias à sede da CDE de Lisboa no Campo Pequeno). A Censura mudou para Exame Prévio mas nem por isso deixou de impedir a livre circulação de ideias e o acesso da oposição à rádio e
à televisão.  E a União Nacional continuou a ser o partido único com as correspondentes vantagens e benefícios face a uma oposição que só intermitentemente se podia organizar a actuar à luz do dia.

Na verdade, quem tenha chegado à vida activa já depois do 25 de Abril dificilmente poderá imaginar na sua plenitude e emaranhado as dificuldades que o regime colocava à oposição.  A título meramente indicativo, talvez baste lembrar que o ministério do Interior conservava o direito de recusar candidatos da oposição (como aconteceu com Humberto Soeiro e Victor de Sá em Braga, Alberto Costa em Leiria, Blasco Hugo Fernandes em Santarém e Firmino Martins em Lisboa).A rádio e a televisão estavam vedadas à oposição e o noticiário na imprensa da campanha continuava a ir à censura. O recenseamento era muito limitado (havia apenas 1.784.000 recenseados) e a inscrição nele podia ser administrativamente recusada. A fiscalização democrática da contagem de votos não estava plenamente assegurada em todas as assembleias, dando origem a vastas «chapeladas» em favor da UN. Ao contrário do que acontece em democracia, nas secções de voto não havia boletins para entregar aos cidadãos nem portanto cabines de voto, sendo os boletins da UN distribuídos pela polícia e tendo a oposição de os passar de mão em mão. Além disso, os boletins da oposição era algo translúcidos o que, a olho nu, os diferenciava dos da UN. E, por fim, acrescente-se ainda que evidentemente não havia representação proporcional pelo que, ficando fraudulentamente a UN «à frente», conquistaria sempre todos os lugares na Assembleia Nacional.

6. A  campanha das CDE em todos os  distritos do país, por motivos vários apenas com a excepção de Bragança, Portalegre e Ponta Delgada, traduziu-se numa notável acção de esclarecimento em torno dos grandes problemas nacionais e uma massiva jornada de luta contra o fascismo que foi assegurada pela dedicação e coragem de muitos milhares de democratas, com significativa participação de mulheres e jovens.

Nem as proibições de reuniões e conferências de imprensa, nem as agressões e prisões de democratas que distribuíam propaganda nem a presença provocatória das autoridades e da polícia nas sessões, nem as intimidações e ameaças de represálias a quem alugasse salas à oposição ou imprimisse os seus documentos conseguiram evitar uma denúncia frontal dos verdadeiros problemas do país e das responsabilidades do fascismo no seu agravamento. Em comícios, sessões, manifestos e comunicados, a par da reclamação da liberdade de imprensa, de reunião, de formação de partidos e de sindicatos não tutelados pelo governo e de exigência de libertação dos presos políticos ganharam um novo e central central relevo as reivindicações mais sentidas pelas massas populares em torno do aumento dos salários e do direito à greve, do custo de vida e, facto saliente, do fim da guerra colonial com a explicita menção à necessidade de negociações com os movimentos de libertação de Angola, Moçambique e Guiné-Bissau com vista à independência dos seus povos.

7.                         Apesar do dramatizado apelo ao voto  na UN feito por Marcelo Caetano nas vésperas das “eleições” através da Emissora Nacional e da RTP, os números oficiais vieram a revelar um abstenção a nível nacional de 35% (mas que atingiu cerca de 50% em Lisboa e Setúbal), Uma vez que a oposição decidiu ir às urnas, o que tem de ser considerado  e avaliado no quadro do ambiente político daquela época, as autoridades “generosamente” atribuíram às CDE 10,29% e às três CEUD 1,51%.

Pelo seu significado, refira-se que nem a forma como a campanha decorreu nem os seus resultados geraram qualquer, ainda que ténue, rectificação da orientação da ASP/CEUD (isso só se verificaria para as “eleições de 1973). Na verdade, em comentário aos resultados oficiais, a CEUD vangloriava-se de ter «firmado uma posição (…) porque, repudiando o aventureirismo político representa a viabilidade de uma solução pacífica do problema português» e porque «ultrapassando as fórmulas vagas de uma oposição sistemática, rasga perspectivas válidas de um alternativa».

8.  Os resultados oficiais não representaram de facto nenhum vitória do fascismo e da demagogia marcelista pois toda a campanha democrática conseguiu aumentar o isolamento do regime, desmascarar as suas operações de cosmética,favorecer uma maior consciencialização da necessidade do seu derrubamento e criar as bases, em determinação, em novos quadros e em uma agora determinante influência da orientação do PCP no quadro da oposição legal ou semi-legal, para as lutas seguintes que abriram caminho à conquista da liberdade, da democracia, da paz e do progresso social.