Vítor Dias
Na revista «O Militante» de Nov. / Dez. de 2023
A realização com notável êxito do 3º Congresso da Oposição Democrática (Aveiro, Abril de 1973) e a intervenção dos democratas na farsa eleitoral de Outubro de 1973 constituíram duas combativas jornadas de luta antifascista em que o recurso à repressão por parte das autoridades não conseguiu evitar a evidência da crise e isolamento do regime.
Não se pense porém que o ano de 1973 tenha sido uma excepção singularmente brilhante num conjunto temporalmente mais vasto da vida nacional.
Na verdade, os acontecimentos de 1973 são parte integrante e indissociável da criatividade e dinamismo político que caracterizaram a luta antifascista no periodo que vai desde a posse de Marcelo Caetano como Presidente do Conselho em Setembro de 1968 até 25 de Abril de 1974.
E, em imensa medida, essa criatividade e dinamismo são inseparaveis do papel dos comunistas e do PCP e da orientacao por si assumida. Com efeito, o PCP, contra certas ilusões e benévolas expectativas de outras correntes da oposição, advertiu que não seriam os fascistas a acabar com o fascismo e que se entrava na fase do «salazarismo sem Salazar ». Mas o PCP não se limitou a dizer isso, antes atento às mudanças, salientou a necessidade de se explorarem em profundidade todas as concessões demagógicas que o regime viesse a fazer por forma a abrir um “novo curso politico” na vida nacional.
E o ”novo curso político” viria a traduzir-se nomeadamente na intervenção democrática na farsa eleitoral de Outubro de 1969 com as CDE; na criação em 1969 do Movimento Democrático das Mulheres: na criação da Comissão Nacional de Socorros aos Presos Políticos em 1969: na crise académica em Coimbra em 1969; na criação do Movimento da Juventude Trabalhadora e da União dos Estudantes Comunistas; nas acções da ARA contra o aparelho da guerra colonial; na conquista das direcões de numerosos sindicatos por listas da confiança dos trabalhadores e na fundação da Intersindical Nacional em Outubro de 1970; a formação de varias c cooperativas livreiras que, até serem extintas pelo fascismo, representaram importantes pontos de apoio âactividade antifascista; as greves operárias dos primeiros meses de 1974.
Ponto alto da unidade antifascista
O 3º Congresso representou um assinalável progresso nas relações entre as correntes antifascistas e destas com numerosas personalidades que não tendo uma expressa vnculação partidária deram um muito valioso contributo para o sucesso da iniciativa. Viviam-se já tempos políticos em que estavam desfeitas as esperanças de alguns no consulado marcelista e em que caracterizações essenciais do PCP sobre o regime a sua natureza obtinham muito maior consenso. O relevo dado em teses e comunicaçóes aos problemas dos trabalhadores, a inclusão como tarefas fundamentais da oposição democrática a luta contra o poder absoluto dos monopólios e a luta contra a guerra colonial e pela independência dos povos coloniais (objectivos á formulados pelas CDE em 1969) deram prova de uma oposição enraizada nos grandes problemas nacionais.
Por outro lado, a repressão desencadeada pelo governo contra o congresso (estabelecimento de um autêntico cerco à cidade, multiplas acçoes de intimidação) e com especial brutalidade a carga da policia de choque sobre os participantes numa projectada romagem à campa de Mário Sacramento fizeram desabar ainda mais o sonho do goverrno de, com a autorização do Congresso, melhorar a sua imagem internacional. Com a sua corajosa decisão de manter a romagem apesar da sua proibição, a Comissão Nacional do Congresso mostrou ao país que em Portugaln havia uma oposição firmemente empenhada em conquistar tudo e não apenas o que o fascismo estava disposto a dar.
Equívocos sobre uma tese
Nos balanços sobre o Congresso aparece por vezes a critica de que as suas conclusões não tiveram em devida conta aspectos fundamentais da tese apresentada por José Medeiros Ferreira e intitulada «Da necessidade de um plano para a Nação» nem o seu carácter «premonitório» em relação ao que viria a acontecer em 25 de Abril do ano seguinte. Ora quanto a isto é necessário ter em conta que a tese de Medeiros Ferreira, cujo valor e interesse era real, do que tratava era nem mais nem menos, a questão da via para o derrubamento do fascismo, tema dificilmente compaginável com o Congresso de uma força que se pretendia legal.
Acresce sobretudo que para ser realmente «premonitória» a tese de M.F. teria de incluir a ideia de que a iniciativa do derrubamento do fascismo devia pertencer às Forças Armadas. Ora, M. F. sublinhou enfaticamente que «Portugal encontra nas suas classes trabalhadoras o melhor veículo para a sua continuação como Estado independente e é desta força social que pode resultar um projecto global para a Nação ou pelo menos nela apoiado. (...) As classes trabalhadoras aparecem pois como a força social do futuro ». Mais, na tese de M.F. explicita-se que «da situação óptima que seria as classes trabalhadoras inspirarem e fortalecerem o Exército, chega-se à possibilidade de se assistir a fenómeno contrário. O do enquadramento das classes trabalhadoras pelo Exército. E a experiência dos aldeamentos estratégicos, por si só, não é a melhor garantia de democracia...»
Sempre sem negar a importância da reflexão de M.F., cumpre anotar que a importância das Forças Armadas para a solução do problema político português já tinha sido abordado muitos anos antes. Com efeito, já em 1961 escrevia Álvaro Cunhal: «Um levantamento nacional vitorioso terá de adquirir a forma de poderosas manifestações de massas, incluindo eventualmente uma greve geral política, terá de contar com o apoio duma parte das forças armadas ou pelo menos da neutralidade de importantes sectores dessas forças e deverá ter como objectivo derrubar a ditadura pela força caso ela resista pela força. Para um levantamento nacional vitorioso, o problema das forças armadas adquire especial importância. É perigosa fantasia pensar que um movimento popular, por muito vasto e poderoso que seja, pode provocar o derrubamento da ditadura fascista se as forças armadas mantém a sua coesão, unidade e combatividade ao serviço do governo fascista.»
Outubro de 1973:
uma campanha cheia de violência
Prolongando a repressão já exibida no Congresso de Aveiro, também a campanha «eleitoral» de Outubro desse ano se revestiu de graves e numerosas arbitrariedades, desde logo e em primeiro lugar um ambiente geral de intimidação que dificultou a obtenção de sedes e espaços para sessões e comícios, a interrupção e cancelamento de comícios pela PSP sempre que um orador se referia à guerra colonial, uma brutal carga da policia d e choque sobre uma multidão que não conseguiu aceder ao comício na Sociedade Nacional de Belas Artes, a sistemática prisão pela PSP de activistas que afixavam no espaço público materiais de propaganda, a censura a cartazes por parte dos Governos Civis e a proibição de acções de propaganda fora de recintos fechados, o silenciamento da oposição na televisão e na rádio.
E, como tudo isso não bastasse, a 10 dias do início da campanha eleitoral, o Governo que já tinha tentado proibir as Comissões Eleitorais no Verão publicou um decreto-lei que sujeitava a julgamento todos os candidatos e membros de comissões eleitorais que desistissem de ir às urnas ou apelassem à abstenção com a consequência da perda de direitos políticos por cinco anos.
E foi este decreto-lei que explica porque razão a oposição não concorreu em 11 distritos.Na verdade o que se passou foi que nesses distritos um conjunto de advogados que eram candidatos entenderam muito discutivelmente que aquele decreto, por via da perda de direitos politicos, podia vir a comprometer o exercicio da sua profissão.
Como é evidente, este arsenal repressivo prejudicou, com variações distritais, a campanha da oposição na farsa eleitoral de Outubro de 1973. Mas não pôde apagar a fundada convicção de que crescia no país o isolamento e descrédito do regime e se acumulavam forças dispostas a bater-se corajosamente até à conquista da liberdade.
E muito menos pôde evitar a considerável influência quer do 3º Congresso quer da intervenção na farsa eleitoral de Outubro de 1973 no processo de consciencialização política de participantes no movimento dos capitães que viria a ter uma significativa expressão em linhas fundamentais do Programa do MFA.
5o anos é muito tempo e estas linhas mais não quiseram do que recordar quanto caminho andámos para aqui chegar.
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