17 de dezembro de 2014
5 de dezembro de 2014
20 de novembro de 2014
30 de outubro de 2014
22 de outubro de 2014
17 de julho de 2014
30 de maio de 2014
No 90º aniversário de J.M. Varela Gomes
Intervenção de sua filha
Geninha Varela Gomes
Geninha Varela Gomes
Ao
meu Pai, João Varela Gomes, no seu 90.º aniversário
Desta
vez, coube-me a mim falar em nome dos filhos. É uma imensa
responsabilidade que não enjeitei e um sentimento de orgulho
impossível de medir.
Começo
por agradecer à Casa do Alentejo, nomeadamente ao seu presidente,
João Proença, pelo pronto acolhimento dado a este almoço de
aniversário e por todas as facilidades concedidas, sem qualquer
hesitação. Agradeço igualmente a todos os que contribuíram para a
organização desta festa: ao meu Tio João Sequeira, ao Manuel Duran
Clemente e ao Raul Zagalo, indispensáveis e incansáveis na
concretização dos convites e na sua confirmação. À Maria
Adelaide devo todo o socorro e apoio no quotidiano da organização
de uma festa desta envergadura.
Por
fim, agradeço a presença de todos. Como sabem, esta celebração
não é pública. Todos os que aqui estão foram pessoalmente
convidados. São por ele, pelo meu Pai, reconhecidos como amigos,
companheiros, camaradas de armas. São por ele respeitados e
acarinhados. Fazem parte da vida do meu Pai. O nosso obrigado a
todos.
Apesar
de gostar mais de falar de improviso, optei por escrever e ler este
papel. Tive medo de não aguentar. E mesmo assim… vamos lá ver! Os
tempos não estão fáceis e tenho a emoção e a sensibilidade à
flor da pele. É uma das heranças do meu Pai. Como ele costuma dizer
quando se refere às crianças, a qualquer criança, tive medo de
ficar “com as pernas partidas”, isto é, sem defesas.
Muito
do que aqui vou dizer sobre o meu Pai, é igualmente extensível à
minha Mãe. Somos uma família unida por laços absolutamente
indestrutíveis pelo amor, pela adversidade, pela luta e pela
tragédia. Provavelmente, quando a minha Mãe fizer 90 anos, irei
repetir grande parte do que hoje, aqui, vos vou dizer.
Esta
festa de aniversário do meu Pai é-lhe devida há 46 anos. 1968 foi
o ano em que o meu Pai completou 44 anos de idade. Foi o ano em que
foi libertado. Às 6 horas da manhã do dia 1 de Janeiro desse ano,
numa madrugada escura e gelada, abriu-se o portão do Forte de
Peniche e saiu um homem ainda jovem, mas aparentemente envelhecido,
silencioso e de boca crispada. Galgou o lambril inferior da porta e
de imediato se ouviu o som forte do seu encerramento brusco. Cá
fora, a minha Mãe e 4 miúdos ansiosos e nervosos.
Nesse
ano, para festejar a sua saída da cadeia e o seu aniversário, os
meus pais quiseram organizar uma festa com os amigos, no dia 24 de
Maio, na Casa da Horta, a casa grande do meu avô. A PIDE proibiu a
realização da festa. Era uma reunião perigosa e subversiva. A
alegria da recém-readquirida liberdade esbarrou logo na ingenuidade
“telefónica” dos organizadores e no medo enorme que a PIDE tinha
do meu Pai e do que ele representava ou podia representar.
Este
almoço de aniversário em que nos encontramos, por circunstâncias
diversas e adversas da vida, levou 46 anos a preparar. Mas para nós,
nunca ninguém tanto o mereceu.
Meu
Querido Pai João:
Era
assim que nós os quatro, seus filhos miúdos, iniciávamos as cartas
que lhe escrevíamos durante os seus 6 longos anos de cadeia. Não
era um qualquer “querido pai”. Era o Pai João, o nosso Pai e de
mais ninguém.
E
essa sim, apesar de o Pai ser completamente avesso à propriedade
material, é uma propriedade verdadeiramente inalienável e
intransmissível.
Nem
sempre foi fácil sermos filhos dos nossos pais. Em Janeiro de 1962,
eramos todos muito pequenos, fomos literalmente despertados, a meio
da noite, para a luta antifascista. Desde muito cedo que a linha
divisória entre o BEM e o MAL ficou traçada na nossa matriz.
Quero
aproveitar esta oportunidade, a celebração dos 90 anos do meu Pai
para, em público, agradecer em nosso nome, em nome da família
Varela Gomes, a todos os que nesses anos de dificuldades nos deitaram
a mão, nos aguentaram, nos deram guarida, comida, solidariedade e,
principalmente, amor. Especialmente a todos os nossos TIOS, com
particular destaque para o Tio Fernando. Quero também lembrar os
Tios já falecidos, que nunca nos falharam: Ticha, Luís, Francisca e
Cândida. Acima de todos, queremos agradecer ao nosso Avô Joaquim,
para a minha geração o verdadeiro patriarca e senhor do castelo
encantado que era a Casa da Horta. Temos para com todos uma dívida
que nunca poderá ser saldada.
Ser
filho de alguém que é reconhecido por Herói por muita gente… e
por inimigo figadal por outra tanta (felizmente, em número menor),
provocou sentimentos e reacções contraditórias em todos nós.
Durante muito tempo, antes de pronunciarem o nosso nome, fomos sempre
apresentados como sendo filhos de… e de…E se caíamos na asneira
de dizer primeiro o nosso nome, vinha logo a pergunta certa: “É
filho ou filha de…?”. Tivemos de percorrer a vida e o caminho da
maturidade para encarar esse facto com serenidade.
O
meu Pai, para nós, é perfeito… apesar de todos os seus defeitos,
que me escuso de enumerar por não ser isso que aqui nos trouxe! Nós
os quatro sempre tivemos por ele um imenso e profundo respeito,
admiração e amor. Para o meu irmão Chapi, que lembro com uma
enorme saudade que nunca se apaga, estes sentimentos eram
absolutamente incondicionais e inabaláveis.
O
meu Pai e a minha Mãe ensinaram-nos a coragem e a gramática; a
lealdade e a matemática; a frontalidade e a geografia; a honestidade
e a filosofia; a solidariedade e a história; a responsabilidade e a
literatura; a generosidade e a físico-química. Alimentaram-nos,
vestiram-nos, educaram-nos, acarinharam-nos. Proporcionaram-nos
livros, filmes, conversas, reflexões, teatro, dança, viagens.
Ensinaram-nos a fazer pela vida e a ser pessoas úteis e activas,
quase desconhecedoras do significado do verbo “desistir”. Onde
até a escolha da morte pode ser e foi uma forma de afirmação e de
resistência.
Ensinaram-nos
a lutar! Mostraram-nos o lado certo da barricada! Num instante
passámos do mundo dos índios e dos cow-boys,
para o mundo dos explorados e oprimidos, de um lado, e dos
exploradores e opressores do outro. E nunca, em nossa casa, houve um
momento, um instante sequer, de hesitação sobre o lado certo da
vida, o caminho que devia ser percorrido. A vida foi mais pesada, é
certo, mas foi e é uma vida que merece ser vivida.
PAI:
a sua vida e a sua luta foram e são, por inteiro, merecedoras de
todo o nosso apoio e respeito.
É
certo que provocaram ódios irracionais e perseguições arbitrárias
e injustas.
É
certo que o ter estado às portas da morte, a prisão (antes e depois
do 25 de Abril) e os diversos exílios (antes e depois do 25 de
Abril), nos roubaram muitos anos de convívio e de aprendizagem, de
amor e de vida familiar.
Mas
o seu legado de coragem, de coerência, de honestidade e de luta é
incomensuravelmente mais importante e muitíssimo maior do que as
adversidades e revezes passados.
E
sem nunca querer nada em troca. Sem nunca querer benesses ou
reconhecimentos hipócritas. Sem nunca querer tirar dividendos ou
vantagens. Antes pelo contrário!
PAI:
O seu exemplo está marcado bem fundo nas nossas vidas e no nosso
carácter. Nas nossas, seus filhos, e na dos seus netos. Os seus
netos tiveram o privilégio de poder contar sempre consigo. De poder
passar consigo uma infância de que nós, seus filhos, fomos
espoliados. E o amor, a atenção, a disponibilidade, a brincadeira
educativa e o apoio constante dispensado aos seus netos foram para os
seus filhos a compensação dos anos que nos roubaram. E para os seus
netos, algo que será, para sempre, insubstituível.
Passados
90 anos de vida e 52 anos sobre a sua prisão, infelizmente não
podemos dizer que o mundo e o país são aquilo por que lutou toda a
vida. Mas dizemos com toda a firmeza que empenhou toda a sua vida
para os tornar melhor e mais justos. Que arriscou a sua vida para
conquistar a liberdade e para acabar com os parasitas e com a
exploração de quem trabalha.
Termino
com alguns curtos excertos da defesa por si apresentada na barra do
tribunal fascista, o Tribunal Plenário da Boa-Hora, no julgamento da
Revolta de Beja. Continuam actuais, são o espelho do seu carácter e
marcaram decisivamente as escolhas e a vida de todos nós:
(e
cito) “…Mas se a caminhada tem sido penosa, se numerosas têm
sido as baixas e pesados os sacrifícios, algo de extremamente
precioso se conquistou para cada um de nós e para a colectividade:
uma nova fraternidade que foi forjada na luta comum travada sem
tibiezas nem renúncias….”
(e
mais à frente) “…E é esse laço fraterno que me fica unindo a
Vocês, meus companheiros em Beja na madrugada do primeiro dia de
1962 e que através de 30 meses de prisão aqui trouxeram uma
inalterada fé e inquebrantável ânimo, que nos liga a todos que em
Portugal não temem e que aqui ergueram uma voz firme e não
ambígua…”
(segue
mais abaixo) “…E se na primeira fila de resistência tem sempre
havido representantes de todos os quadrantes doutrinários, é justo
destacar os comunistas portugueses pela sua indefectível presença e
avultado quinhão de sofrimento. O que faço à vontade, pois que nem
a PIDE, com todo o seu fanatismo inquisitorial, me conseguiu vestir
esse sambenito…”
(e
finaliza) “…Ao abandonar esta barra, o meu mais fervoroso voto, o
meu apelo, é que, quanto antes, outros triunfem onde nós fomos
vencidos, pela salvação da nossa Pátria bem amada.”
Casa
do Alentejo, Lisboa, 24 de Maio de 2014
Geninha
Varela Gomes
27 de janeiro de 2014
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