10 de fevereiro de 2018

A. Avelãs Nunes na abertura do Fórum Social Mundial (28.1.2018)

 Vivemos em tempo de globalização. E não falta quem queria convencer-nos de que os males do mundo, sendo males da globalização, são males inevitáveis, tão inevitáveis como a própria globalização, consequência necessária da revolução científica  e tecnológica do nosso tempo. Não faria sentido, por isso, ser contra a globalização, porque, tal como o sol nasce todos os dias, o progresso científico e tecnológico é algo inerente às sociedades humanas, e a globalização é filha dele.
É, em última análise, o pseudo-argumento de que não há alternativa ao capitalismo e ao neoliberalismo, que está por detrás das políticas de globalização neoliberal. Argumento utilizado mesmo por alguns que, dizendo-se de esquerda, se comportam como uma espécie de “esquerda choramingas”, uma ‘esquerda’ que lamenta, com uma lágrima ao canto do olho, o desemprego, a precariedade, as desigualdades e a exclusão social, mas que se recusa a identificar as suas causas estruturais, para não ter de
as combater, levando tudo à conta da globalização incontornável, para a qual diz que não há alternativa.
Esta é uma ‘leitura’ amiga do grande capital financeiro, que é o grande impulsionador (e o único aproveitador) da política de globalização neoliberal e o autor e difusor desta visão ideológica (distorcida) sobre a natureza e o significado da globalização. Carregando nas tintas para sublinhar bem a minha ideia, direi que
acreditar’ na autenticidade deste retrato da globalização é o mesmo que acreditar que o lançamento das bombas atómicas sobre Hiroshima e Nagasaqui foi uma consequência inevitável do desenvolvimento científico na área da Física Nuclear e que a utilização maciça de armas químicas contra o povo vietnamita durante a Guerra do Vietnam foi uma consequência incontornável do desenvolvimento científico na área da química.
Estes crimes de guerra (verdadeiros crimes contra a humanidade) foram decisões
políticas tomadas no quadro da política imperialista dos EUA. Pois bem. A política de globalização neoliberal é isto mesmo: uma ‘guerra’ contra os trabalhadores, que não tem dispensado o recurso a “armas de destruição maciça” (Warren Buffet), à especulação
criminosa (sobre ‘produtos financeiros derivados’, sobre matérias-primas, sobre combustíveis, sobre alimentos, enfim, à especulação sobre a vida de milhões de pessoas) e não dispensa o recurso a toda a espécie de práticas criminosas que caraterizam o capitalismo do crime sistémico do nosso tempo.
As políticas de globalização neoliberal são políticas ao serviço do objetivo do grande capital financeiro de dominar o mundo, políticas inspiradas nos princípios da contra-revolução monetarista (Hayek, Milton Friedman...) e nos dogmas da ideologia neoliberal, políticas impostas pelo grande capital financeiro, que vêm condenando povos
inteiros ao empobrecimento acelerado, cortando os direitos e os rendimentos dos trabalhadores, condenando ao desemprego e à precariedade quase metade dos jovens, aumentando o número dos pobres que trabalham, agravando a exclusão social, traduzindo-se numa autêntica guerra civil (uma guerra de classes à escala mundial) que, neste mundo antropofágico, produz todos os anos (num tempo em que os ganhos da produtividade permitem a criação de riqueza a níveis até há pouco insuspeitados) tantas vítimas da fome ou de doenças causadas pela fome quantos os mortos da 2ª Guerra Mundial.
Nos primeiros tempos da revolução industrial os operários viram nas máquinas o seu ‘inimigo’ e por isso as destruíram e sabotaram. Cedo compreenderam, porém, que o seu inimigo de classe nunca poderiam ser as máquinas, mas uma outra classe social.
Ninguém de bom senso e de boa fé pode cometer hoje o mesmo erro, considerando que a origem dos nossos males está na revolução científica e tecnológica. Seria imperdoável que o fizéssemos: a revolução científica e tecnológica não pode ser confundida com a globalização nem pode ver-se nesta o resultado inevitável daquela.
O que está mal na globalização atual não é a revolução científica e tecnológica que torna possíveis alguns dos instrumentos da política de globalização neoliberal, mas o neoliberalismo que a alimenta, a estrutura dos poderes em que ela se apoia, os interesses que serve, cada vez mais os interesses da pequena elite do grande capital financeiro especulador.
A crítica da globalização neoliberal não pode, pois, confundir-se com a defesado regresso a um qualquer ‘paraíso perdido’, negador da ciência e do progresso. Como a História tem demonstrado, o desenvolvimento científico e tecnológico é o caminho da
libertação do homem.
A partir de 1967, as crises sucederam-se nas economias capitalistas. Mas os primeiros sinais da crise estrutural do capitalismo foram a rotura unilateral dos Acordos de Bretton Woods por parte dos EUA (1971) e as chamadas crises do petróleo (1973-1975 e 1978-1980). Estes dois episódios (que colocaram as políticas keynesianas perante o enigma da estagflação e trouxeram para o primeiro plano a tendência no sentido da baixa da taxa média de lucro) mostraram os limites do estado keynesiano e das políticas keynesianas e colocaram o keynesianismo em grandes dificuldades.
Destas crises resultou a vitória da contra-revolução monetarista e a substituição do consenso keynesiano pelo chamado Consenso de Washington, que procurou codificar’ os dogmas inscritos no catecismo monetarista e neoliberal, na tentativa de travar aquela perigosa tendência.
Inspirado no velho dogma liberal segundo o qual o desenvolvimento dos povos só pode resultar do livre funcionamento da economia, os ‘mandamentos’ fundamentais deste dito ‘consenso’ são, em síntese, os seguintes: plena liberdade de comércio; liberdade absoluta de circulação de capitais à escala mundial (a ‘mãe’ de todas as liberdades do capital); um mercado único de capitais à escala mundial; desregulação completa de todos os mercados, em especial os mercados financeiros; privatização, por puros preconceitos
ideológicos, do setor público empresarial, incluindo as empresas que produzem e fornecem serviços públicos (até a água!) e as empresas e os setores estratégicos que constituem o alicerce da soberania e da independência nacional; o ‘dogma’ da independência dos bancos centrais, com a consequente ‘privatização’ dos próprios estados, que, como qualquer cidadão, dependem dos ‘mercados financeiros’ para o financiamento das suas políticas; princípio da banca universal, que permite aos bancos fazer todo o tipo de ‘negócios’ com dinheiro, abrindo o caminho ao capitalismo de casino; plena liberdade de ‘produção’ em série de complexos produtos financeiros derivados (as
tais armas de destruição maciça), capital puramente fictício que serve apenas para alimentar os jogos de casino; regra de ouro do equilíbrio orçamental; aplicação de sistemas fiscais que favorecem os ricos e sufocam os pobres; combate prioritário à
inflação e desvalorização das políticas de promoção do emprego e de combate ao desemprego, porque este é sempre desemprego voluntário, pelo qual são responsáveis os sindicatos (que não aceitam a baixa dos salários) e as ‘imperfeições’ introduzidas no
mercado de trabalho (salário mínimo garantido, subsídio de desempego, segurança dos postos de trabalho, em suma, os direitos decorrentes do estado social, os direitos fundamentais dos trabalhadores); esvaziamento da contratação coletiva (talvez por se
saber, graças à OIT, que ela tem sido, ao longo das últimas décadas, um instrumento mais efetivo de redistribuição do rendimento em sentido favorável aos trabalhadores do que as
próprias políticas de redistribuição do rendimento de inspiração keynesiana); flexibilização’ da legislação laboral (precarização do emprego, facilitação dos despedimentos, aumento do número de horas de trabalho não pago); desmantelamento do estado social, ‘confiscando’ os direitos económicos, sociais e culturais dos trabalhadores (que muitas constituições consagram como direitos fundamentais dos trabalhadores), sacrificando os salários, os direitos e a dignidade dos trabalhadores e pondo em causa a
própria democracia, na tentativa de compensar a subida dos custos financeiros, contrariar a baixa tendencial da taxa média de lucro e entregar ao capital os ganhos da produtividade.
Após o desmoronamento da União Soviética e da comunidade socialista, os neoliberais de todos os matizes convenceram-se, mais uma vez, de que o capitalismo tinha garantida a eternidade, podendo regressar impunemente ao ‘modelo’ puro e duro do
século XVIII. As políticas neoliberais vieram acentuar a exploração dos trabalhadores, assumindo sem disfarce o genes do capitalismo como a civilização das desigualdades.
O neoliberalismo consolidou-se como ideologia dominante. E o neoliberalismo não é o produto inventado por uns quantos ‘filósofos’ que não têm mais nada em que pensar. O neoliberalismo não existe fora do capitalismo, antes corresponde a uma nova
fase na evolução do capitalismo. O neoliberalismo é o reencontro do capitalismo consigo mesmo, depois de limpar os cremes das máscaras que foi construindo para se disfarçar.
O neoliberalismo é o capitalismo puro e duro do século XVIII, mais uma vez convencido da sua eternidade, e convencido de que pode permitir ao capital todas as liberdades, incluindo as que matam as liberdades dos que vivem do rendimento do seu trabalho. O
neoliberalismo é o capitalismo na sua essência de sistema assente na exploração do trabalho assalariado, na maximização do lucro, no agravamento das desigualdades. O neoliberalismo é a expressão ideológica da hegemonia do capital financeiro sobre o
capital produtivo, hegemonia construída e consolidada com base na ação do estado capitalista, que é hoje, visivelmente, a ditadura do grande capital financeiro.
Ao longo da década de 1990, a aplicação do Consenso de Washington permitiu ao grande capital financeiro recuperar a liberdade de movimentos de que gozara nos anos 1920 e que conduziu à Grande Depressão. Graças às políticas neoliberais, o proclamado capitalismo sem crises deu lugar ao capitalismo de casino, ao capitalismo do risco sistémico, ao capitalismo sem risco e sem falências para os bancos, ao capitalismo do
crime sistémico.

 A globalização neoliberal é, antes de tudo e acima de tudo, um projeto político, levado a cabo de forma sistemática pelos grandes senhores do mundo, apoiados, como nunca antes na História, pelo poderoso arsenal dos aparelhos produtores e difusores da ideologia dominante, responsáveis pelo totalitarismo do pensamento único.
Todo o edifício da globalização neoliberal (o império do capitalismo neoliberal) foi obra construída por políticas ativas orientadas para alcançar os resultados que nos querem apresentar como consequências inevitáveis do progresso científico e tecnológico.
Foram as instituições do poder político (os estados nacionais e as organizações internacionais dominadas pelo capital financeiro e pelos seus estados) que desmantelaram todas as estruturas e mecanismos de regulação e de controlo da atividade financeira que
vinham dos tempos do combate à Grande Depressão dos anos 1930, contando com a cumplicidade ativa de uma regulação amiga do mercado.
Os EUA abriram o caminho, abolindo em 1974 o controlo sobre os movimentos de capitais. Em 1979, foi a vez do Reino Unido, seguido pelo Japão em 1980. Na Europa, o Tratado de Maastricht (1992) veio impor aos estados-membros da UE o princípio da
livre circulação de capitais, não só dentro do espaço comunitário, mas também nas relações com países terceiros.
Em geral, os membros do chamado G7 desempenharam neste processo um papel decisivo, ao imporem a todo o mundo a lógica ‘libertária’ no que toca aos movimentos de capitais. O FMI (controlado, de facto, desde há muito, pelas grandes potências
capitalistas, e, em particular, pelos EUA) foi o instrumento escolhido para, em nome da chamada ‘comunidade internacional’, executar esta missão. A partir da década de 1970,sempre que um país recorre aos serviços do FMI, este condiciona o apoio pretendido à aceitação, pelo país em dificuldades, dos princípios da livre convertibilidade da moeda e da livre circulação internacional de capitais. A OMC, que em 1995 substituiu o GATT, passou a aplicar os princípios do livrecambismo não apenas aos produtos industriais e agrícolas, mas também aos serviços, aos investimentos e à propriedade intelectual, acentuando o peso do livrecambismo enquanto ideologia das potências dominantes, ao
proclamar que o caminho do desenvolvimento exige a plena liberdade de comércio e a liberdade absoluta de circulação de capitais.
A concretização do programa neoliberal inscrito no Consenso de Washington tem sido facilitada pela emergência de um verdadeiro mercado mundial de força de trabalho, um elemento novo na caraterização do capitalismo global, que muitos consideram “a
principal consequência social da mundialização”, e que não existia em 1916, quando Lenine publicou o estudo clássico sobre O Imperialismo: um enorme exército de reserva de mão-de-obra foi colocado à disposição do grande capital, sujeitando os trabalhadores
a uma concorrência dramática e constituindo um estímulo poderoso à deslocalização de empresas, em busca de mão-de-obra mais barata e sem direitos.
Invocando enganosamente o velho estado mínimo de Adam Smith, os ideólogos do neoliberalismo mudaram mais uma vez a máscara do estado capitalista, munindo-o de outras armas (estado regulador ou estado garantidor), para que ele pudesse cumprir o seu papel nas condições históricas das últimas três ou quatro décadas.
Mas o estado capitalista não desapareceu, nem sequer enfraqueceu, porque, ao contrário de uma certa leitura que dele se faz, o neoliberalismo, como a presente crise tornou evidente, exige um estado de classe cada vez mais forte.
Só um estado forte poderia ter criado as condições que permitiram levar à prática os comandos do Consenso de Washington, dispensando o compromisso dos tempos do estado social keynesiano, substituindo-o pela violência do estado neoliberal, que se vem abatendo sobre os trabalhadores.
Há mais de cinquenta anos o argentino Raúl Prebisch (o primeiro Presidente da CEPAL) avisou que as soluções liberais só poderiam concretizar-se pela força das armas.
As ditaduras militares que o imperialismo semeou em vários países da América Latina comprovaram a razão deste diagnóstico.
No início dos anos 1980 foi o insuspeito Paul Samuelson quem chamou a atenção (numa Conferência no México) para os perigos do “fascismo de mercado”. E em 1981 Beltram Gross escreveu um livro sobre o “fascismo amigável”.
Nestes últimos anos, foi a vez de autores como Amartya Sen e Paul Krugman avisarem o mundo de que “a concentração extrema do rendimento” significa “uma democracia somente de nome”, “incompatível com a democracia real”, chamando a nossa
atenção para “os perigos que uma recessão prolongada coloca aos valores e às instituições da democracia.” O combate contra as políticas neoliberais é, por isso mesmo, um combate pela dignidade e pelos direitos dos trabalhadores, mas é também um combate pela
democracia.

 Está-se a construir um novo Leviathan, que vem substituindo a política pelo mercado, governando segundo as ‘leis do mercado’ como se estas fossem a constituição das constituições, negando a política e a cidadania, matando a democracia.

Um Leviathan que, enquadrado pela ideologia neoliberal, se identifica com o poder económico e, sobretudo, com o poder financeiro, colocando acima de tudo as liberdades do capital e assumindo-se, sem disfarce, como a ditadura do grande capital financeiro.
Muitos dos mais destacados sociólogos vêm insistindo na tese – que a análise do que se tem passado nos últimos trinta ou quarenta anos confirma inteiramente – de que o projeto político da Nova Direita consiste em uma economia livre e um estado forte, um estado capaz de “restaurar a autoridade a todos os níveis da sociedade” e de dar combate aos inimigos externos e aos inimigos internos (A. Gamble).
Wolfgang Streeck fala de um processo de esvaziamento da democracia cujo objetivo é o de conseguir a “imunização do capitalismo contra intervenções da «democracia de massas”, libertando o mercado das exigências da vida democrática e
assegurando o “primado duradouro do mercado sobre a política.”
Este processo – sublinha Streeck – vem sendo prosseguido “através de uma reeducação neoliberal dos cidadãos”, porque não está disponível atualmente a hipótese de “abolição da democracia segundo o modelo chileno dos anos 1970.” Mas fica o aviso.
As soluções ’brandas’ que têm sido adotadas só serão prosseguidas se “o modelo chileno dos anos 1970” não ficar disponível para o grande capital financeiro. Se as condições o permitirem (ou o impuserem, por não ser possível continuar o aprofundamento da
exploração dos trabalhadores através dos métodos ‘sofisticados’ atualmente utilizados), o estado capitalista pode vestir-se e armar-se de novo como estado fascista, sem as máscaras que atualmente utiliza.
Costuma atribuir-se a Roosevelt a afirmação segundo a qual permitir o domínio da política pelo “dinheiro organizado” é mais perigoso do que confiar o governo do mundo ao “crime organizado”. Seja quem for o autor deste diagnóstico, ele traduz bem a realidade atual e encontra nela plena confirmação: a coberto da sacrossanta liberdade de circulação do capital e da livre criação de produtos financeiros derivados, o dinheiro organizado vem cometendo toda a espécie de crimes, crimes que afetam a vida e a dignidade de milhões pessoas, humilhando povos inteiros, empobrecidos à força para satisfazer as exigências dos grandes ‘padrinhos’ do crime organizado. Estes crimes, cometidos pelas instituições financeiras e pelos seus administradores, em vez de ficarem impunes (porque, como lembra The Economist, os bancos não são apenas too big to fail, são também too big to jail), deveriam ser considerados crimes imprescritíveis, porque eles são, verdadeiramente, crimes contra a humanidade.

A vida mostra que o homem não deixou de ser o lobo do homem. Mas os ganhos de produtividade resultantes da revolução científica e tecnológica que tem caraterizado os últimos duzentos anos de vida da humanidade dão-nos razões para acreditar que podemos construir um mundo de cooperação e de solidariedade, um mundo capaz de responder satisfatoriamente às necessidades fundamentais de todos os habitantes do planeta.
Este é um tempo de grandes contradições e de grande desespero. Pablo Neruda deixou-nos esta mensagem: “Dai-me toda a dor do mundo./ Vou transformá-la em esperança.” Pois bem. A nossa obrigação é fazer como Neruda, transformando este tempo
de desesperança num tempo de esperança.
Sendo a globalização neoliberal um projeto político, os adversários da globalização, empenhados em evitar uma nova era de barbárie, temos de ser capazes de pôr de pé um projeto político alternativo, que assente na confiança no homem e nas suas capacidades, um projeto inspirado em valores e empenhado em objetivos que “os
mercados” não reconhecem nem são capazes de prosseguir, um projeto que rejeite a lógica determinista que nos quer impor, como inevitável, sem alternativa possível, a atual globalização neoliberal, uma das marcas desta civilização-fim-da-história.
Esta é a equação correta para compreender o capitalismo dos nossos tempos, as  suas forças e as suas fraquezas.
Já em 23.9.2000 The Economist escrevia em editorial: “Os que protestam contra a globalização têm razão quando dizem que a questão moral, política e económica mais urgente do nosso tempo é a pobreza do Terceiro Mundo. E têm razão quando dizem que
a onda de globalização, por muito potentes que sejam os seus motores, pode ser travada.
É o facto de ambas as coisas serem verdadeiras que torna os que protestam contra a globalização tão terrivelmente perigosos.” Num momento de lucidez, um dos faróis do neoliberalismo veio dizer o que nós já sabíamos: os motores da globalização neoliberal
podem ser parados ou mesmo postos a andar em marcha atrás; a inevitabilidade da globalização neoliberal é um mito; a tese de que não há alternativa é um embuste.
O capitalismo globalizado pelo grande capital financeiro ganhou força, por um lado. Mas as suas contradições e as suas debilidades estão sujeitas aos efeitos tão bem traduzidos na velha máxima segundo a qual maior a nau, maior a tormenta.
Perante as contradições desencadeadas pela própria globalização neoliberal, temos razões para acreditar que a globalização “aciona forças que colocam em relevo não somente a incontrolabilidade do sistema por qualquer processo racional, mas também, eao mesmo tempo, a sua própria incapacidade de cumprir as funções de controlo que se definem como sua condição de existência e legitimidade.” (I. Mészáros).
Como salientava, há já vinte anos, Eric Hobsbawm, “o nosso mundo corre o risco de explosão e de implosão. (…) Há sinais, tanto externamente como internamente, de que chegámos a um ponto de crise histórica. (…) O mundo tem de mudar (…) e o futuro não pode ser uma continuação do passado.”
Tem inteira razão o grande historiador inglês. Neste tempo de crise estrutural do capitalismo (o capitalismo do crime sistémico), os trabalhadores do Brasil, da América Latina, da Europa, dos EUA e de todos os continentes hão-de compreender a urgência de
transformar o mundo, começando por mudar as políticas levadas a cabo nas últimas três ou quatro décadas pelo estado capitalista, cuja natureza de classe talvez em nenhum outro período da história do capitalismo tenha sido tão evidente como hoje.
Para sairmos desta caminhada vertiginosa para o abismo, é necessário evitar que o mercado substitua a política, que as ‘leis do mercado’ se sobreponham aos normativos constitucionais e que o estado democrático ceda o lugar a um qualquer estado tecnocrático.
Cabe-nos a todos uma responsabilidade enorme nas lutas a travar, tanto no que se refere ao trabalho teórico (que nos ajuda a compreender a realidade para melhor intervir sobre ela) como no que respeita à luta ideológica (que nos ajuda a combater os interesses estabelecidos e as ideias feitas), porque a luta ideológica é, hoje mais do que nunca, um fator essencial da luta política e da luta social (da luta de classes).
É um trabalho longo e difícil. Vale a pena fazê-lo acompanhados da música de Chico Buarque, que, em tempos de ditadura, sonhava e cantava o seu “sonho impossível”, porque acreditava nele e nos apontava o caminho: “Lutar, quando é fácil ceder / (…)
Negar, quando a regra é vender / (…) E o mundo vai ver uma flor / Brotar do impossível chão”.

Porto Alegre, 28 de Janeiro de 2018