Boa tarde a todos. Queria naturalmente começar agradecendo à Comissão de Cultura na figura da sua Presidente o convite para participar nesta oportuna e importante iniciativa.
Manda a verdade das coisas que diga que, ao
contrário de oradores antecedentes, quem vos fala agora não tem quaisquer
pergaminhos académicos nesta ou em qualquer outra matéria, tratando-se apenas
de um cidadão que, com vossa
benevolência, apenas se pode apresentar como acompanhando há quatro décadas com
interesse e com projeções no papel impresso e num blogue as questões e práticas da comunicação social portuguesa.
Assim sendo, com pedido de desculpas por prováveis
repetições em relação ao que hoje já outros disseram melhor, aqui ficam quatro modestos
apontamentos:
O primeiro destina-se a afirmar que os dados
resultantes de um meritório
trabalho do jornalista Paulo Pena no DN
(mais de 20 páginas online dedicadas à desinformação com 2 milhões de
seguidores) são profundamente inquietantes e não deixam nenhuma margem para dúvidas
quanto à sua potencial e provável influência nas eleições nacionais deste ano.
Por outro lado, temo seriamente que até cidadãos muito informados e dotados de
um elevado espírito critico face às operações de desinformação sejam atingidos
por um sentimento de impotência ( a Cambridge Analytica obtevem do Facebook
dados de 80 milhões de pessoas e julgo que ninguém foi preso ou condenado). E
que esse cidadão se sintam um pouco como se estivessem a lutar contra um dragão
tendo apenas como única arma um canivete. Mas, por isso mesmo, sempre longe de
quaisquer obcessões securitárias e no intransigente respeito pelas liberdades
democráticas, creio que tudo o que puder ser feito para contrariar ou atenuar este perverso fenómeno é bem-vindo, é necessário e é urgente.
Creio entretanto que não nos devemos deixar
hipnotizar apenas pelo que é novo e, nesse sentido, permito-me observar que nada nos deve distrair
dos princípios e regras (isenção das entidades públicas,
pluralismo, proibição da publicidade comercial dos partidos e tudo o mais que
sabe) que já estão instituídos na legislação sobre campanhas eleitorais. E,
nesse domínio, de um ponto de vista pessoal, permito-me formular o voto de que «os critérios editoriais» a que a lei
se refere não sirvam de biombo para encobrir práticas discriminatórias ou
preconceituosas e também o voto de que, nas próximas eleições legislativas,
colhendo a devida e cristalina lição
do desfecho das eleições de 4 de Outubro
de 2015, os meios de comunicação social tradicionais resistam melhor ao
velhíssimo sofisma das «eleições para primeiro-ministro».
Só para
ilustrar a importância das regras já assentes, permitam-me um pequeno exemplo
: há três semanas, consultando a página
que o Parlamento Europeu criou especificamente para eleições europeias de Maio
próximo ( e onde há uma agregação de sondagens) encontrei uma secção
intituilada «Os desafios da Europa» com um conteúdo perfeitamente alinhado pela
ideologia mainstream do P.E. Era como se a AR criasse uma páginas especifica
sobre as próximas legislativas e lá pusesse uma secção denominada «Os desafios
de Portugal». Essa secção foi entretanto
felizmente retirada mas ficou lá outrs intitulada « O que a Europa faz por mim»
com o conteúdo que se pode calcular.
Ao mesmo tempo, sublinho com sinceridade a
importância do papel que podem desempenhar as acções e iniciativas de «fact
cheking» tanto em sites especializados
como nos próprios órgãos de informação tradicionais.
A par disto,
partilho da ideia,
certamente não consensual, de que seria vantajoso para o
enriquecimento do debate democrático que existissem variados sites de reflexão
e crítica sobre os meios de comunicação tradicionais (como, por exemplo o ACRIMED francês) e que nas direcções e
chefias desses órgãos se evitassem reacções de perfil corporativo ou pretensões
de intocabilidade perante os exercícios
de crítica aos media.
Mas se falamos de combate à manipulação, à
desinformação e às «fake news», a para da contribuição indispernsável dos
órgãos de serviço público, então entendo
salientar que como ponto nodal desse combate tem de estar a justa ideia de que cabe aos
profissionais da informação um papel essencial na defesa dos melhores valores
da profissão, o que a meu ver é
inseparável de mudanças significativas nas suas ásperas e inseguras condições
de trabalho e do pleno respeito pelos seus direitos, tudo acompanhado da
rejeição de uma visão puramente mercantilista da informação e da notória pulsão
para o sensacionalismo e tudo tendo em vista a reabilitação e reafirmação da
noção, hoje em dia muito posta na obscuridade,
da «responsabilidade social
dos jornalistas e dos órgão de informação».
Um segundo apontamento destina-se a sublinhar um
óbvio que, apesar de o ser, por vezes parece bastante esquecido embora hoje já aqui tenha sido
lembrado várias vezes : é que as «fake news» que hoje defrontamos (exceptuando
a capacidade de penetração que as novas tecnologias lhe ofereceram) não
nasceram com a internet e o facebook.
Num exercício de memória histórica obviamente selectiva
que viaja ao de leve por acontecimentos do século passado, lembraria que mentiras
ou«fake news» houve:
–
em Fevereiro de 1898 quando os EUA responsabilizaram a Espanha pela
explosão ( que depois se veio a considerar ter sido interna e espontânea) do seu cargueiro Maine no Porto
de Havana, largamente explorada pela imprensa de Randolph Hearts e criando um
fervor patriótico que que levou à guerra hispano-americana;
–
–
em Fevereiro de 1933, quando Hitler e os nazis acusaram G. Dimitrov de
estar ligado ao incêncio do Reichstag;
- em Agosto
de 1964 quando
os EUA acusaram a marinha norte-vietnamita de ter disparado
sobre o destroyer Maddox e que a National
Secuirity Agence veio
a declarar depois que não houve qualquer ataque mas que serviu a
L. Johnson para desencadear a intervenção no
Vietname do Sul.
– Em Fevereiro de 2003 quando Colin Powell exibiu
na ONU as supostas provas da existência no Iraque de armas de destruição
maciças;
E num plano distinto e à nossa pequenina escala
escala, falando de notícias falsas, alarmistas e irresponsáveis em Portugal,
talvez não seja de esquecer quantos milhões de euros custou ao Estado português
uma célebre noticia da TVI sobre o BANIF.
É certo que talvez possa haver quem argumente que,
no caso destas operações de desinformação que estiveram ligadas a sangrentos
conflitos militares e alcançaram uma escala planetária, como há autores e
responsáveis bem identificados, isso permite um maior debate escrutínio. Ainda
que assim fosse, creio que as suas consequências sobre o curso da história e em
termos de danos humanos são muito superiores às operações de desinformação que hoje nascem em alfurjas
subterrâneas com rostos falsos.
Um terceiro apontamento visa sublinhar que, como todos sabemos, um dos casos mais falados
da influência das fake news veiculadas por redes sociais nos processos
eleitorais é última eleição presidencial nos EUA.
Creio não existirem dúvidas de que as campanhas de
desinformação movidas pela
candidatura de Trump ou por
outros em seu favor atingiram muitas dezenas de milhões de norte-
americanos.
Mas já sobre os seus reais efeitos sobre os
resultados eleitorais parece haver opiniões diferentes.
Ponderando a diversidade dessas opiniões, por mim tendo a pensar que, no caso de essas
campanhas se terem especialmente concentrado nos chamados Estados
«oscilantes», então é bem provável que tenham contribuído
para a inesperada vitória de Trump nesses três Estados e, por essa via,
assegurado a sua maioria no Colégio Eleitoral.
Mas observo ao mesmo tempo que essas campanhas não
impediram Hilary Clinton de ter mais 3 milhões de votos do que Trump.
Ora acontece que esta diferença é igual ou mesmo
superior às registadas em outras eleições presidenciais nos EUA no decurso do
Século XXI, sobretudo quando se
trata de uma primeira eleição.
Na verdade, em 2000 Gore perde mas obtem mais 300 mil votos
que Bush, em 2004 Bush ganha a John Kerry com mais 300 mil votos e em 2008
Obama ganha a Mitt Romney com mais 3 milhões de votos.
Nestes tempos incertos e inquietantes, em jeito de
consolação talvez possamos concluir que, ao menos por enquanto, as fake news
não são omnipotentes.
E, por fim com diz o nome, um último apontamento
para vos dizer que tenho a ideia de que o pós-guerra do século passado foi uma
época em que o grau de sindicalização era incomparavelmente maior do que é
hoje, em que as correntes, forças ou famílias políticas tinham um grau de
coesão e de base social de apoio muito mais nítidas e sólidas, tudo conduzindo,
com outros elementos, para laços de solidariedade e sociabilidade social mais
fortes.
Digo isto mas sei que isso não impediu que logo em
1946 tivesse surgido na Itália o «qualunquismo» (protagonizado pela Frente do Homem Comum)
que logo obetve 5,3% dos votos para a Assembleia Constituinte, recebendo
1.200.000 votos. E que, em 1956, na França surgiu o «poujadismo» que obteve 12%
dos votos e 2 milhões de votos.
Ainda assim, mas sem prejuizo de um intrincado
complexo de outras causas e factores ( em que entram problemas económicos e
sociais, as migrações e a erosão das soberanias nacionais), não consigo deixar
de pensar que a preocupante e inusitada vaga de
populismos fascizantes que varre a Europa e não só é inseparável der um processo social e político
em que cresceu o individualismo, em que se construiu uma cultura do efémero e
em que se esbateram os laços de solidariedade social e de pertença política, o
que encaixa também na crise e anestesia da noção de processo histórico e numa
avassaladora perda de memória colectiva favorecida pelo sensacionalismo e pela extrema volatilidade de opiniões e humores no corpo social.
E, por maiores que sejam as dificuldades, não vejo
outro caminho digno se não o dee continuar a lutar contra estes factores que
vejo como elementos de de degenerescência da vida democrática.
Obrigado pela atenção e
desculpem qualquer coisinha.
15.4.2019