Sempre zurrando
Uma pessoa hesita vezes sem conta se é apropriado reproduzir nestas páginas impolutas e dignas o lixo e a rasteirice mental que, ainda por cima a propósito de um grande homem, de um artista inesquecível e de um fraterno camarada de seu nome Carlos Paredes, alguém decidiu publicar noutro lado.
Mas, sem grande segurança, acaba por decidir que o melhor é mesmo reproduzir esse lixo e sobre ele dizer alguma coisa em vez de optar pelo merecido desprezo sob a forma de silêncio.
Vem tudo isto a propósito de três períodos seguidos de prosa com que o jornalista Fernando Magalhães resolveu «apimentar» politicamente um seu texto sobre a vida e a obra de Carlos Paredes no «Público» de 24/7.
Por junto, o que o citado jornalista veio sentenciar foi que «à esquerda e à direita, a «intiligentsia» reivindicava-o como herói da sua causa. Foi vê-lo (a ele e a outros) a actuar de graça por esse país fora no rodopio do pós-25 de Abril a cantar a «liberdade» e a «justiça», em nome de partidos com poucos escrúpulos. Estava encontrado, com despesas reduzidas de manutenção, o «embaixador» do nosso fado e dos valores tradicionais ou o «porta-voz» das classes desfavorecidas na luta pelos amanhãs que cantam, conforme o exigiam a ocasião e os interesses em causa».
Digamos então sumariamente que, nestas curtas linhas, Fernando Magalhães começa por falsificar completamente a história ao afirmar que a «direita» ou os «valores tradicionais» também fizeram de Paredes um «herói da sua causa». Porque essa direita sabia quem era Paredes e o que pensava e, além do mais, não ignorava que a sua música era, como disse Manuel Alegre, uma espécie de «música de fundo» que acompanhou a luta de várias gerações pela liberdade, e isto se não quisermos dizer que, em pleno fascismo, também era uma espécie de elemento identificador nos códigos de comunicação entre antifascistas.
Segue-se que F. Magalhães parece não ter ainda percebido nada sobre o impulso de convicção, de consciência e generosidade que levou tantos artistas a partilharem intensamente com o seu povo o curso da luta e da festa da revolução. Ou então, não querendo afrontar as convicções pessoais desses artistas em geral e de Carlos Paredes em particular, só lhe resta, sem escrúpulos, insistir na velha tecla das «instrumentalizações» dos partidos.
E, por fim, no texto do jornalista do «Público», lá volta a requentadíssima piada aos «amanhãs que cantam» – expressão tirada de um poema de Gabriel Peri (deputado comunista francês assassinado pelos nazis), que fez justa e honrosamente a sua época no discurso comunista mas que talvez desde há mais de três décadas só volta à luz do dia mas é pela mão do discurso dos anticomunistas que, como já alguém disse, preferem de longe os amanhãs que zurram.