29 de julho de 2004

Rebatendo uns dislates sobre Carlos Paredes

 

Sempre zurrando

Vitor Dias

no «Avante!» de 29.07.2004
Uma pessoa hesita vezes sem conta se é apropriado reproduzir nestas páginas impolutas e dignas o lixo e a rasteirice mental que, ainda por cima a propósito de um grande homem, de um artista inesquecível e de um fraterno camarada de seu nome Carlos Paredes, alguém decidiu publicar noutro lado.
Mas, sem grande segurança, acaba por decidir que o melhor é mesmo reproduzir esse lixo e sobre ele dizer alguma coisa em vez de optar pelo merecido desprezo sob a forma de silêncio.
Vem tudo isto a propósito de três períodos seguidos de prosa com que o jornalista Fernando Magalhães resolveu «apimentar» politicamente um seu texto sobre a vida e a obra de Carlos Paredes no «Público» de 24/7.
Por junto, o que o citado jornalista veio sentenciar foi que «à es­querda e à di­reita, a «in­ti­li­gentsia» rei­vin­di­cava-o como herói da sua causa. Foi vê-lo (a ele e a ou­tros) a ac­tuar de graça por esse país fora no ro­dopio do pós-25 de Abril a cantar a «li­ber­dade» e a «jus­tiça», em nome de par­tidos com poucos es­crú­pulos. Es­tava en­con­trado, com des­pesas re­du­zidas de ma­nu­tenção, o «em­bai­xador» do nosso fado e dos va­lores tra­di­ci­o­nais ou o «porta-voz» das classes des­fa­vo­re­cidas na luta pelos ama­nhãs que cantam, con­forme o exi­giam a oca­sião e os in­te­resses em causa».
Di­gamos então su­ma­ri­a­mente que, nestas curtas li­nhas, Fer­nando Ma­ga­lhães co­meça por fal­si­ficar com­ple­ta­mente a his­tória ao afirmar que a «di­reita» ou os «va­lores tra­di­ci­o­nais» também fi­zeram de Pa­redes um «herói da sua causa». Porque essa di­reita sabia quem era Pa­redes e o que pen­sava e, além do mais, não ig­no­rava que a sua mú­sica era, como disse Ma­nuel Alegre, uma es­pécie de «mú­sica de fundo» que acom­pa­nhou a luta de vá­rias ge­ra­ções pela li­ber­dade, e isto se não qui­sermos dizer que, em pleno fas­cismo, também era uma es­pécie de ele­mento iden­ti­fi­cador nos có­digos de co­mu­ni­cação entre an­ti­fas­cistas.
Segue-se que F. Ma­ga­lhães pa­rece não ter ainda per­ce­bido nada sobre o im­pulso de con­vicção, de cons­ci­ência e ge­ne­ro­si­dade que levou tantos ar­tistas a par­ti­lharem in­ten­sa­mente com o seu povo o curso da luta e da festa da re­vo­lução. Ou então, não que­rendo afrontar as con­vic­ções pes­soais desses ar­tistas em geral e de Carlos Pa­redes em par­ti­cular, só lhe resta, sem es­crú­pulos, in­sistir na velha tecla das «ins­tru­men­ta­li­za­ções» dos par­tidos.
E, por fim, no texto do jor­na­lista do «Pú­blico», lá volta a re­quen­ta­dís­sima piada aos «ama­nhãs que cantam» – ex­pressão ti­rada de um poema de Ga­briel Peri (de­pu­tado co­mu­nista francês as­sas­si­nado pelos nazis), que fez justa e hon­ro­sa­mente a sua época no dis­curso co­mu­nista mas que talvez desde há mais de três dé­cadas só volta à luz do dia mas é pela mão do dis­curso dos an­ti­co­mu­nistas que, como já al­guém disse, pre­ferem de longe os ama­nhãs que zurram.

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