4 de novembro de 2004

Sobre a privatização da GALP

 

130 milhões

Vitor Dias
No «Avante!» de 4.11.2004
A direcção do In­de­pen­dente, que não é certamente suspeita de ser inimiga das privatizações, até resolveu dar honras de chamada de primeira página ao assunto, mas o que se seguiu foi um silêncio sepulcral que talvez fale exuberantemente sobre as acomodações existentes e os interesses instalados.
Essa chamada de primeira página informava que «Ci­ti­group e Fi­nantia ava­li­aram há um ano a área do pe­tróleo da Galp em 3,7 e 3,3 mil mi­lhões de euros» e que «o ne­gócio fez-se por 2,1 mil mi­lhões».
Por sua vez, a respectiva notícia, inserida no caderno «Economia» daquele semanário, arrancava com a afirmação peremptória de que «o Es­tado perdeu pelo menos 650 mi­lhões de euros ao vender os 40,79% do ca­pital da Galp à Pe­trocer por um valor cerca de 50% abaixo das ava­li­a­ções re­a­li­zadas pelo banco Fi­nantia e pelo Ci­ti­group, as duas ins­ti­tui­ções a que a Galp en­co­mendou há um ano re­la­tó­rios de ava­li­ação». A notícia explicava de seguida que o negócio acabou por se fazer na base do valor de 2,1 mil milhões de euros indicado como preço de referência pelo «adviser» técnico-financeiro do Governo, a Goldman Sachs e esclarecia ainda que este valor era muito inferior ao valor mínimo apontado quer pelo Finantia (2,7 mil milhões) quer pelo Citigroup (2,9). Para já não falar dos valores máximos apontados por aquelas empresas (4 mil milhões e 4,7 mil milhões).
Já calculamos que sobre isto alguns dirão que o mais provável é que esta notícia seja inspirada pela ciumeira de algum grupo concorrente à privatização da Galp que tenha sido preterido, que a avaliação de empresas e ramos de negócio não é uma ciência exacta e que o preço era apenas um dos 13 critérios fixados para a análise comparativa das propostas.
A tudo isso só diremos «pois, pois», acrescentando que todos os ignominiosos antecedentes dos processos de privatização em geral e da Galp em particular (em que têm estado entusiasticamente envolvidos tanto Governos do PS como do PSD) legitimam perfeitamente a fundada suspeita de que alguém fez o Estado e o interesse público perderem pelo menos 130 milhões de contos e que alguém os fez entrar ilegitimamente no património de grupos privados.
E se, em vez de 130 milhões, fossem apenas 10 milhões de contos, seria ainda com as mesmas cinco letras – as que compõem a palavra «roubo» – que descreveríamos este «negócio» que nunca levará ninguém à cadeia e, daqui por três anos de nojo legal, bem poderá levar algum ministro ao conselho de administração do grupo privado que comprou a posição do Estado na Galp.

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