22 de maio de 2012

Em torno do conceito de produtividade


por Daniel Vaz de Carvalho,
Engenheiro electrotécnico. Gestor
no Boletim da Confederação
dos Quadros Técnicos



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Dadas as intenções do actual governo de impor leis iníquas que configuram despedimentos arbitrários sob o
sofisma da “produtividade” pensamos ser oportuno o tratamento deste tema.
Assim, com o argumento da “produtividade” e da “competitividade”, seria causa para despedimento os “casos em que o trabalhador tenha acordado com o empregador determinados objectivos e não os cumpra”. Este texto configura por um lado má fé, por outro, indigência mental.
Trata-se de um sofisma de contornos ideológicos – reaccionários – sem qualquer base técnica como demostraremos.
Vejamos.
A primeira evidência é a seguinte: a produtividade por pessoa para o total da economia corresponde em Portugal a 77,3% da média da UE 27 (dados Eurostat – 2010). Porém, o salário nominal médio por trabalhador, também para o total da economia era 59,2% da média da UE 27 (Comissão Europeia, base de dados AMECO,2011).
As razões das falta de competitividade têm, pois de ser procuradas não nas leis laborais ou nos salários, mas em
erradas políticas e estratégias económicas dos sucessivos governos.
Acerca do cumprimento de objetivos individuais repare-se que a desigualdade de posições entre as duas partes (empregador e empregado) torna ridículo falar em acordos ou negociação. O lado empresarial poderá sempre impor com ou sem argumentos o que melhor lhe parecer.
A concorrência e a crise servem para tudo.
Além disto, basta transpor objectivos porventura irrealistas dadas as condições de trabalho, que a empresa tenha assumido com terceiros. O executante poderá então ser penalizado! Absurdo.
Ora, excetuando os casos de micro e em parte pequenas empresas, em que o contexto laboral e as próprias relações humanas são bastante diferentes, o trabalho – salvo raras exceções – é sempre trabalho de equipa.
Em termos de gestão, não faz sentido falar em objectivos individuais. Em comportamento individual, sim, mas não em objectivos.
Aliás, para que isto fique claro, podemos considerar que cada trabalhador poderá sempre argumentar que a montante não lhe foram dadas condições para cumprir os objectivos! Uma miríade de possíveis razões que veremos em parte analisadas na continuação, ao tratarmos do que é e em que consiste a produtividade. Isto, sem falar das utilizadas pelas empresas, nomeadamente para não cumprirem objectivos contratuais e não pagarem penalidades…
No passado, foi consensual que a acção sindical em muito contribuiu para o desenvolvimento económico e o progresso social dos países mais evoluídos. Pelo contrário, o que se pretende agora verter em lei mostra indisfarçável repulsa pela intervenção sindical - considerada nefasta pela actual coligação. Tudo isto são sintomas do processo de acelerada decadência económica e social que a UE atingiu.
Com uma lei desta natureza (de orientações objectivamente neofascistas) é cada vez mais relativo falar-se em democracia e em Estado de direito no nosso país. Na formal democracia vigente seria legalmente instaurada a ditadura ao nível das empresas.
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A produtividade é um factor decisivo do desenvolvimento económico. A produtividade representa a produção em unidades físicas por trabalhador (produtividade aparente) ou por hora de trabalho (trabalho presente). Falar em “produtividade do capital” é uma deformação sem consistência teórica, do que se está a falar é de taxa de lucro ou de renda.
A produtividade é contudo uma grandeza que cuja variação se processa de forma lenta: razão para ser objecto de continuados e persistentes esforços para a sua melhoria.
Em lugar de promover políticas consistentes de aumento da produtividade, os sucessivos governos, alinhando com os dogmas neoliberais, pretendem alcançar mais competitividade prosseguido na via da deflação salarial (leis laborais retrógradas, abaixamento do salário real) em função da sujeição aos “mercados”.
Quando se fala em mercados, entenda-se que se trata dos interesses oligopolistas e transnacionais. A vida mostra que é o caminho da recessão e do desastre económico, mas nada mais encaixa naquelas cabeças.
A produtividade, duma empresa depende de um complexo de factores interligados, externos e internos à empresa.
No que diz respeito aos primeiros, salientamos a necessidade de planeamento económico a nível nacional e de apoios financeiros, tecnológicos e de gestão por parte do Estado às empresas que contribuam para o aumento da
produção nacional e cumprimento dos objectivos de um plano económico democrático, muito particularmente as PME. A criação de um ambiente propício ao aumento da produtividade implica a expansão do mercado interno, pelo aumento do nível de vida dos trabalhadores bem como políticas visando a produção de produtos importados, o que também permite o aumento quantitativo e qualitativo das exportações.
São, factores externos de improdutividade o não aproveitamento total das capacidades produtivas por redução da procura, o clima de estagnação ou recessão, seja geral seja sectorial, a redução do investimento – em particular o público alavancando o desenvolvimento económico, a falta de planeamento e coordenação económica, as dificuldades no crédito.
Os preços de monopólio das grandes empresas do sector energético, telecomunicações, etc., não estando directamente ligadas à produtividade, condicionam a competitividade, a capacidade de investimento e desenvolvimento das demais.
Constituem uma extracção da mais valia gerada nas MPME e uma captação do rendimento disponível de todos os trabalhadores ou pensionistas enquanto consumidores.
Outro aspecto que deve ser salientado é a burocracia de um aparelho de Estado alheado do incremento e defesa da produção nacional, muitas vezes mais voltado para a subordinação acrítica às regras da UE, com o complexo subserviente e acéfalo do “bom aluno”.
Serviu-lhes de muito…
Quanto aos factores internos, consideremos que o tempo de trabalho se pode decompor-se em tempo básico e tempo improdutivo. tempo básico é o tempo dispendido se o trabalho se realizasse de forma perfeita a um ritmo normal de actividade, incluindo tempos de descanso necessários à recuperação da fadiga e tempos de preparação do trabalho sem erros. É o limite que deve procurar atingir-se considerando determinados meios de trabalho. Pode portanto reduzir-se melhorando o nível tecnológico dos equipamentos disponíveis e os processos
produtivos utilizados.
O tempo improdutivo é o tempo dispendido para além do conteúdo básico do trabalho e pode resultar de excesso de trabalho ou de tempos de paragem. Do ponto de vista material o tempo improdutivo tem origem em deficiências dos materiais em deficiências do processo de trabalho.
De um ponto de vista, digamos, imaterial pode ser imputável à gestão ou imputável ao trabalhador.
A produtividade significa tecnologia e inovação, mas também organização e motivação, sem o que os primeiros não se concretizam de todo ou apenas de forma deficiente.
Se os diversos níveis de gestão e os executantes não estiverem devidamente informados e mobilizados para estas
questões ocorrem tempos improdutivos por mau planeamento; falta de coordenação e preparação do trabalho, falhas no fornecimento de material, deficiente manutenção dos equipamentos e ferramentas, enfim, ritmo mais lento que o estipulado devido à falta de preparação e controlo do trabalho, falta de segurança, ausência de objectivos quantificados e documentados. Todos estes aspectos são em última análise de responsabilidade da gestão da empresa que deve ter em conta o conjunto de variáveis e condicionantes que influem sobre a organização e a melhoria da produtividade.
Compete também à gestão proporcionar adequada formação e motivação dos trabalhadores, elementos fundamentais (condição sine qua non), do aumento de produtividade.
Numa empresa motivada para o aumento da produtividade desenvolvem-se valores comuns, estimula-se a progressão nas carreiras, estabelecem-se formas de recompensa, partilham-se os resultados obtidos. Há amizades pessoais, objectivos e projectos comuns.
O pessoal a todos os níveis tem adequada formação, está informado e motivado moral e materialmente, para os objectivos a alcançar.
No pólo oposto encontramos os factores que tornam uma empresa improdutiva.
Encontramos pessoal indeciso e frustrado, vivendo na insegurança quanto ao futuro. A motivação é feita pela negativa pelo receio do despedimento, há falta de interacção entre as necessidades pessoais e as da empresa, as responsabilidades são dissipadas no ambiente de crise e instabilidade. A gestão longe de desenvolver e aproveitar a capacidade criadora dos trabalhadores e os escutar considera-os meros executantes e seres descartáveis.
Os actuais estrategas governamentais e seus próceres consideram no entanto que os despedimentos arbitrários são um factor decisivo no aumento da produtividade – daí o que se pretende pôr em lei. Ora, mostra e experiência que a parte imputável ao trabalhador nas situações de improdutividade não ultrapassa os 10 a 15% do total. Veremos como e porquê.
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Dizia Miguel Ângelo que fazer uma estátua era simples, bastava tirar à pedra o que estava a mais…O aumento de produtividade é tão simples quanto isto: basta eliminar os factores de improdutividade.
Mesmo em condições tecnológicas idênticas as produtividades podem ser muito diferentes de empresa para empresa, de país para país. Os aspectos organizativos e de gestão são fundamentais.
A responsabilidade do trabalhador na improdutividade pode dever-se a falta de competência ou a indisciplina. Em última análise, no entanto, a responsabilidade será sempre da gestão. No primeiro caso, cabe à gestão, proceder à formação e qualificação dos trabalhadores para os trabalhos em causa, à respectiva
avaliação de conhecimentos e selecção dos trabalhadores para as diversas tarefas. No segundo caso, indisciplina, mostra a experiência que a existência de um bom ambiente de trabalho e de motivação permite na generalidade
dos casos serem os próprios colegas a censurar e a procurar corrigir o trabalhador. Diga-se que este aspecto nunca esteve em causa na legislação pós-25 de Abril. Um gestor ou um quadro técnico que argumente desta
forma apenas demonstra incompetência e inaptidão para o lugar. Trata-se de uma questão de liderança: autoridade pela competência e pelo exemplo; exigência e rigor de procedimentos explicitados, mas tudo isto com benevolência e compreensão humana.
Quando distintos intermediários, oligopolistas ou gente que nunca passou uma hora como gestor numa empresa da economia real vem para a comunicação social perorar sobre as implicações negativas da legislação laboral na produtividade, tal só pode ser classificado como ignorância ou má fé. O Relatório da Associação Industrial Portuguesa (AIP) sobre a Competitividade (de 2010) em dez medidas de Políticas Públicas (pág.8) refere
apenas em 6º lugar “melhorar a flexibilidade laboral”. Por sua vez o Relatório da Confederação da Indústria Portuguesa (CIP) de 2010 sobre a Indústria Portuguesa em 10 recomendações para a competitividade (pág. 92 e 93) não menciona sequer a legislação laboral – e com razão.
Vários gestores estrangeiros com larga experiência profissional têm classificado os operários portugueses como dos melhores que têm conhecido pelo mundo fora: “o vosso problema é a gestão” – é afirmado.
Efectivamente, como já dissemos, a experiência mostra que não mais que 10 a 15%, do tempo improdutivo, como estimativa, podem ser directamente atribuídos a falhas do trabalhador, inevitáveis para qualquer ser humano, em qualquer país.
Os tempos improdutivos podem sempre ser reduzidos por adequadas medidas e acções da gestão.
Nos diversos níveis de gestão, são necessárias pessoas que compreendam todas as dimensões técnicas, económicas, pessoais e sociais da empresa, com formação humanista. A cultura globalmente entendida – como a entendia o grande matemático e democrata progressista Bento Jesus Caraça - é um factor decisivo na capacidade de evoluir e melhorar, necessária para organizar a participação de todos, ouvindo as pessoas, dando oportunidades, aproveitando os conhecimentos do pessoal para criar novas ideias.
A compreensão dos aspectos que influem no comportamento individual é fundamental para poder entender o funcionamento organizativo. A eficácia depende, em grande parte, da convergência que exista entre as necessidades e os objectivos pessoais ie as necessidades e objectivos da orga-nização, para que quanto maior for esta convergência, maior seja a motivação de cada trabalhador.
No nosso país em que os sucessivos governos mostram não ter capacidade de dinamizar a economia e melhorar a produtividade, culpam-se os trabalhadores, há um ambiente de suspeita, insatisfação, recalcamentos e insegurança.
Falámos em planos de melhorias, mas para isto é preciso haver mercado. O abaixamento do preço da força de trabalho, a redução do nível de vida e do PIB não oferece suficiente estímulo para introduzir novos elementos de progresso e inovação na produção. Corresponde a uma das contradições do capitalismo: o aumento da exploração opõe-se ao desenvolvimento económico. A desindustrialização e o desemprego são um exemplo desta situação com o objectivo de manter elevadas taxas de lucro. Na realidade, o capitalista só investe se previamente houver a perspectiva da existência de mercado para a produção resultante.
Há duas formas de aumentar a competitividade: reduzindo os “custos salariais” ou aumentando a produtividade.
A primeira hipótese corresponde á deflação salarial, às medidas de austeridade e flexibilidade laboral. É a via da recessão e do desastre económico. Procura-se a competitividade no abaixamento dos “custos salariais” reduzindo impostos para o capital aumentando impostos para o consumo.
O aumento da produtividade pelo desenvolvimento tecnológico e melhoria dos processos de planeamento e gestão democráticos será a via do progresso e do desenvolvimento económico e social.
Para o reformista social Robert Owen (1771- 1858) a causa da depressão económica residia na desvalorização do trabalho humano. O sistema capitalista não conseguiu ultrapassar esta questão nem tem forma de o fazer - senão na medida em que deixar de o ser.
Nota final: As afirmações produzidas nestes casos são retiradas da experiência pessoal do autor, como gestor.

Daniel Vaz de Carvalho
Engenheiro electrotécnico. Gestor

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