8 de dezembro de 2013

3º C.O.D. - um testemunho 40 anos depois

Intervenção de Vítor Dias
na iniciativa sobre os 
40 anos do 3º C.O.D.
7.12.2013
Aveiro

Queria começar naturalmente por agradecer às entidades promotoras desta iniciativa, que saúdo fraternalmente, o convite para participar nesta evocação e reflexão em torno de uma grande batalha democrática que há 40 anos teve um enorme alcance, um poderoso significado e relevantes consequências no curso da luta antifascista até à conquista da liberdade e à inesquecível Revolução de Abril.

Permitam-me também que sublinhe a muito justa participação na promoção desta iniciativa da revista Seara Nova, porque, para além do seu longo papel na resistência à ditadura, a sua redacção foi um importante pólo operacional e político na preparação do 3º Congresso da Oposição Democrática e é à Seara Nova que ficámos a dever o autêntico serviço público democrático da edição em vários volumes das conclusões do Congresso.

Queria ainda, em fim de preâmbulo, manifestar o meu apreço pelo momento de evocação e homenagem por Flávio Sardo a Mário Sacramento, grande figura da gesta da resistência antifascista e de intelectual comunista que integra a justo título uma valiosa galeria de intelectuais que deram uma notável contribuição para a força, prestigio e enraizamento do PCP na sociedade portuguesa.

Como creio que todos podem calcular os protagonistas, mesmo que modestos, de acontecimentos como o 3º COD,  deparam-se sempre com o problema de, ao falarem sobre ele 40 anos depois, se escolherem repetir pelo menos em parte análises e balanços feitos à época (e também mais tarde, como é o caso da importante comunicação de José Tengarrinha em 1998, aqui nesta cidade, na celebração do 25º aniversário do 3º COD), e nos quais se continuam a reconhecer, poderem de alguma forma maçar os seus contemporâneos embora, por outro lado, as grandes linhas de força dessas análises passadas pudessem ser úteis para um público mais novo ou menos idoso.

O casamento de um assumido embaraço na determinação das matérias a abordar com as minhas próprias limitações levam-me pelo caminho de vos apresentar apenas uma desenvolvida anotação relativa a uma questão ou abordagem que me parece fulcral.

Antes dela, dizer-vos porém que, se tivesse optado antes por seleccionar  um conjunto de fragmentos acessórios,  aqui estaria a falar, por exemplo:

  • sobre o 3º Congresso enquanto emanação directa  (graças à concordância dos democratas de Aveiro) das estruturas as oposição democrática que, ao contrário do que terá ocorrido no periodo 65-69, mantiveram entre 69 e 73 uma actividade estável;
  • sobre como me parecem erróneas e pouco informadas afirmações que põem em contraste, de um lado, a útil e interessante comunicação apresentada por Medeiros Ferreira sobre a participação das Forças Armadas na solução do problema político português e, de outro lado, as Conclusões do Congresso (que, segundo alguns, padeceriam de falta de capacidade premonitória), matéria em que tentaria explicar por que razão, a meu ver, não seria adequado o 3º COD pronunciar-se sobre a escaldante e nada consensual questão das vias para o derrubamento do fascismo:
  • sobre como, com 47 anos de experiência de repressão, no seu último ano de vida o regime ainda conseguiu «inovar» e refinar os constrangimentos e limitações à oposição nas suas farsas eleitorais, designadamente quando nas eleições de Outubro de 1973 instituiu que só podiam falar nas sessões os candidatos efectivos, que nenhum candidato podia falar fora do distrito onde concorria e sobretudo quando publicou, a 12 dias do início da campanha, um decreto-lei  que estabelecia a perda de direitos políticos por cinco anos para todos os candidatos e membros das Comissões Eleitorais que desistissem de ir às urnas ou apelassem à abstenção;

  •  ou ainda sobre como a leitura dos nomes dos mais de 500 membros da Comissão Nacional ( e não 60 como por gralha se diz numa obra recente) e a ampla participação no Congresso, mesmo sendo apenas a parte visível de um icebergue, revelaram a primeira – a composição da CN - que a oposição democrática dispunha dos quadros e da massa crítica que viria a permitir um feito um pouco esquecido que foi, imediatamente a seguir ao 25 de Abril e num quadro de corajosa desfascização, assegurar a administração corrente do Estado e a vida sociedade portuguesa, sem perturbações de maior; e a segunda – a ampla participação nos trabalhos – que revelava que, com particular destaque desde meados dos anos 60,  se tinha formado um numeroso e poderoso (perdoem a expressão, que aliás detesto) «exército político» que, conquistada a liberdade e sem necessidade de minuciosas orientações, se empenhou e garantiu de forma decisiva o que então chamávamos as tarefas de democratização da vida nacional.


Entrando agora sim na minha única ou principal anotação, ela visa salientar que, havendo obviamente importantes diferenças substantivas, organizativas e de contexto entre o II Congresso Republicano em 1969 e o 3º COD em 1973, o ponto nodal de comparações e verificação de mudanças e evoluções é entre as propostas programáticas e a arrumação de forças e correntes políticas no 3º Congresso e as que se haviam verificado nas eleições de 1969 (pelo menos, como é sabido, em 3 distritos), estas em decorrência directa das diferentes análises e atitudes que, no seio da oposição democrática, se manifestaram aquando do momento-chave da chegada de Marcelo Caetano a Presidente do Conselho em 1968.
Possivelmente, se perguntados sobre qual foi a posição e análise do PCP em contraste e divergência com a então manifestada por outros sectores oposicionistas, muitos democratas responderão que se lembram bem das expressões «continuação do salazarismo sem Salazar», «operação ou manobra de demagogia liberalizante» destinada, segundo o PCP, a alargar interna e externamente as bases de apoio ao regime, dividir a oposição, isolar os comunistas e salvar o essencial do regime) e que constaram do comunicado do Comité Central  do PCP de Setembro de 1968. Mas talvez muito menos se lembrem com nitidez de outras afirmações que, inseparáveis das primeiras e , a meu ver, a anos-luz de qualquer fixismo ou rotina de análises, sublinhavam que «não se deve perder de vista as dificuldades actuais do regime que abrem novas perspectivas ao movimento democrático nacional» e que enfatizavam «a necessidade de aproveitar audaciosamente a nova situação para quebrar o imobilismo político, exigir o cumprimento de quaisquer promessas demagógicas do governo, imprimir um novo curso à vida política, impulsionar a acção política e a luta popular de massas».

E é minha firme convicção que foi a aplicação perseverante e audaciosa desta linha política que inspirou toda uma série de lutas e acontecimentos dos mais marcantes até ao 25 de Abril, desde logo, sem desprimor para outros com diversificadas origens, os seguintes: 


  •  a crise académica de Coimbra em Abril e Maio de 1969 e outras corajosas lutas estudantis em Lisboa e Porto nos anos seguintes;
  • a intervenção combativa e fortemente mobilizadora das CDEs na farsa eleitoral de Outubro de 1969 com uma posição clara contra a guerra colonial;
  • a formação do Movimento Democrático de Mulheres ainda em 1969 na sequência ds sua organização especifica no quadro das CDE;
  • - a criação em Novembro de 1069 do MJT – Movimento da Juventude Trabalhadora;
  • a constituição no final de 1969 da Comissão Nacional de Socorro aos Presos Políticos;
  • a formação da Intersindical em Outubro de 1970 e o posterior e vasto movimento de acções e de lutas conduzidas pelas direcções sindicais da confiança dos trabalhadores;
  • a criação, como resultado directo de decisões de estruturas CDE, de um conjunto de cooperativas livreiras (como hoje se diria, factores de sociabilidades na resistência e pontos de apoio ao trabalho político) que logo o governo veio combater com o DL 52o/71 e que viriam a ser encerradas em 1972, após o que, na minha suspeitíssima opinião, constituiu uma mais brilhantes e criativas lutas legais dos últimos anos do fascismo;
  • o próprio inicio das acções armadas da ARA em Outubro de 1970;
  • a fundação da União dos Estudantes Comunistas em 1972 contribuindo para um renovado impulso para as lutas estudantis;
  • e finalmente, sem esquecer a vaga de greves operárias dos primeiros meses de 1974, naturalmente o 3º Congresso da Oposição Democrática de 1973 (em que a decisão de manter a romagem é uma pedra de toque de toda a orientação e atitude que referi atrás) e a intervenção na farsa eleitoral de Outubro de 1973 defrontando um impressionante vendaval repressivo e que marcaram a recomposição da unidade das principais correntes antifascistas (verdade se diga, com a excepção do que, por facilidade de expressão, podemos chamar os grupos de Jorge Sampaio e de Isabel do Carmo, que se afastaram por divergências de natureza substancial). Não se devendo, quanto a mim, esquecer entretanto que a arrumação de forças não pode ser vista pelos olhos e critérios de hoje e que tem de ser justamente valorizada a contribuição de muitas centenas de democratas que, à época, não tinham uma expressa ou definida vinculação partidária.
  • sendo ainda de referir - e trata-se de um ponto importantíssimo - a influência muito positiva que estas duas últimas grandes batalhas tiveram na consciencialização política  e fixação de objectivos programáticos do MFA, como entre outros, o Almirante Martins Guerreiro tem impressivamente testemunhado em diversos colóquios.

Ao sublinhar estes aspectos não descuro a importância que para o fracasso da operação desenhada por Marcelo Caetano em 1968 tiveram o atoleiro da guerra colonial ou as pressões dos «ultras» mas estou solidamente convicto que foi esta orientação combativa que deu a maior contribuição para o referido fracasso.

Se não vos chocarem duas sínteses mais prosaicas, então eu diria que primeiro a maioria e depois a totalidade do campo democrático já não se contentava com o pouquíssimo que o fascismo tinha para oferecer ou conceder e que o que se passou foi que onde o marcelismo abria uma frincha numa porta, nós metíamos logo o pé, a seguir queríamos meter a cabeça sempre com o nunca abandonado de fazer passar o corpo todo.

Talvez alguns historiadores digam, e já o disseram, que esta é a história do caminho para uma nova hegemonia na oposição democrática, no sentido rigoroso do termo e não no sentido pejorativo que correntemente o degradou) embora para mim a base fundamental dessa hegemonia já existisse em 1969.

Mas há um ponto que é vital que fique claro: não estou aqui a evocar ou celebrar a vitória de ninguém sobre ninguém mas sim a dar o meu testemunho sobre o que creio ter sido o caminho andado e feito e a adesão democrática e livremente conquistadas para ideias, análises, orientações e atitudes que, passo a passo, a vida ia comprovando serem as mais justas, mais necessárias e mais eficazes.

Aliás peço que aceitem como autêntico e sincero o meu testemunho de que, em relação a personalidades de outros quadrantes políticos (não todas evidentemente), talvez por causa de uma coisa a que chamaria «ética da resistência», o que mais guardo na memória não são os conflitos e divergências, sejam os de 68/69 sejam os do pós-25 de Abril, mas os combates que, com lealdade e fraternidade travámos juntos.

É agora tempo de concluir com três afirmações:


- a primeira é que têm o mais alto valor todas as iniciativas de preservação da memória histórica da resistência antifascista mas estou certo de que nenhum de nós se esquece que foi na revolução de Abril que se inscreveram as mais belas páginas das nossas vidas e se levantaram do chão os melhores sonhos e realizações do povo português;

- a segunda é que, para ser sincero, dói e causa muita amargura que, quarenta anos depois do 3º COD e quase 40 após o 25 de Abril, ver a sanha destruidora e reaccionária de uma política que está arrasando o país, devendo eu confessar que nunca na vida julguei que chegasse um dia em que, sob pena de assustar e desanimar, nem sequer possa dizer publicamente toda a verdade sobre as terríveis consequências futuras do crime contra o nosso povo e a nossa pátria a que estamos a assistir mas que combatemos sem descanso;


- e a terceira é que, assim como nunca soube responder ou me ocupei muito com a interrogação sobre quando o fascismo cairia, também hoje não sei quando conquistaremos – e para mim aqui é que bate o ponto e não simplesmente num novo governo - a política efectivamente alternativa à que aqui nos conduziu e, de ciência certa, só sei que não há outro caminho que a persistência na esperança e na luta.

Muito obrigado pela vossa atenção.

Nota complementar: só para que fique escrito em algum lado, creio ser útil referir que, durante o painel com historiadores, a muito valiosa e bem preparada intervenção do Prof. Reis Torgal incluiu incidentalmente uma referência a que em 1973 o «interesse pelas eleições» já seria menor, referindo que o número de distritos em que em 1973 foram apresentadas candidaturas democráticas foi muito inferior ao número de distritos de 1969. Pedi a palavra para esclarecer algo que não vem em nenhum documento e que, por si só, demonstra a importância que a história oral pode ter. Com efeito, dei o meu testemunho de que essa diferença de candidaturas se ficou fundamentalmente a dever à publicação do decreto, a 12 dias do inicio da campanha, que fazia perder por 5 anos os direitos políticos a quem desistisse, pois em numerosos distritos (noutros não) muitos advogados com considerável peso distrital acharam que iam ficar impedidos de exercer a sua profissão e decidiram não entregar as candidaturas nesses distritos. Quarenta anos depois, não vale a pena esconder que se tratou de um momento de certa tensão nas fileiras da oposição democrática em torno de uma questão sem dúvida delicada mas que, aparecendo a poucos dias da entrega das listas, não permitiu a sua superação, designadamente através da designação de novos candidatos em substituição daqueles estimáveis advogados democratas. Pareceu-me que o Prof. Reis Torgal compreendeu a pertinência da minha informação.

1 de outubro de 2013

José Tengarrinha sobre Bento de Jesus Caraça

José Tengarrinha
na Sessão Comemorativa do Centenário
do Nascimento de Bento de Jesus Caraça
promovida pela CGTP em 
18 de Abril de 2001



INTERVENÇÃO, LIBERDADE CRÍTICA E COMPROMISSO

As primeiras palavras são para a CGTP-IN, organizadora desta sessão e promotora de um vasto conjunto de iniciativas comemorativas do centenário do nascimento de Bento de Jesus Caraça. É de elementar justiça reconhecer, também, que o empenho desta central sindical tem sido fundamental, não apenas agora, mas nos últimos anos para que permaneça mais viva entre nós a memória e o estimulante exemplo do grande cientista e humanista.   
Foi-me pedido que, nesta sessão, falasse sobre a intervenção política de Bento de Jesus Caraça, à luz dos condicionalismos em que decorreu. O que é, também, falar do militante cultural, como duas faces indissociáveis, em ligação permanente e profunda com as incertezas e os desalentos, as esperanças e os dramas do mundo e do País nos tormentosos tempos em que viveu. Com o sentido permanente da necessidade de compreender para transformar, nessa militância constante com que encarava a sua intervenção na sociedade a favor do Progresso, da Dignificação Humana e da  Liberdade. Assim, este homem que da Matemática fez profissão, não a encarava como uma construção formal, fora da vida, mas como uma construção essencialmente humana, em permanente aperfeiçoamento, como toda a Ciência, ao serviço da libertação e da felicidade dos homens [1] . Parece fácil encontrar, neste plano, uma síntese das suas múltiplas vertentes como cidadão, como intelectual, como pedagogo. Mas descortina-se que dentro de um curso central firme e coerente há convergências estreitas, mas também distanciamentos reflexivos, nunca perdendo a perspectiva mais ampla de quem intervém para a mudança da sociedade, mas não com um sentido meramente pragmático e imediatista. Por isso, a dimensão política da sua intervenção é inseparável de uma permanente preocupação formadora, combinando objectivos de diferentes temporalidades.
Atribuía, assim, à Ideia o sentido tanto mais revolucionário quanto melhor interpretasse as aspirações gerais e essenciais da Humanidade e, ao mesmo tempo, conforme as circunstâncias do momento. Por isso, na sua intervenção política tinha como objecto não o Homem – que no abstracto legitimaria tão graves perversões – mas os homens, na sua dimensão variada e concreta. E por isso, igualmente, confere à intervenção política um denso conteúdo ético, que contrasta com a cultura política dominante no final da Primeira República e, mais ainda, no Estado Novo.
O estreito entrelaçamento entre o homem político, o homem de cultura, o  pedagogo – nem sempre num processo simples, como se disse - tem no cerne um conceito não elitista da cultura. Assim o praticou desde a direcção da Universidade Popular Portuguesa em 1919, passando pela criação da pioneira Biblioteca Cosmos (do editor e seu amigo Manuel Rodrigues de Oliveira), de 1941 a 1948, com 114 títulos e 6 990 exemplares de tiragem média!
Será errada, por isso, a meu ver, a inspiração iluminista que alguns atribuem ao seu conceito de cultura. Essa é, sim, uma das principais contradições em que se debatem os “seareiros”. E este é, também, um dos vértices que melhor definem a natureza da intervenção cultural e política de  Caraça.  Conceitos opostos de que decorrem, naturalmente, pensamentos e comportamentos políticos divergentes. Na verdade, o discurso elitista da Seara Nova (Sérgio, Cortesão, Proença, entre outros) pouco tem a ver com democracia. Poderemos mesmo dizer que é a base teórica da ditadura “esclarecida” e “de competência”. Por isso, é supra-partidária.  
Exactamente o oposto de B. J.C., para quem a democracia se sustenta, por um lado, na ampla capacidade de intervenção esclarecida dos cidadãos e, por outro, na organização partidária como instrumento indispensável dessa intervenção. Contrariamente aos “seareiros”, Caraça é, pois, um homem “de partido”. As coordenadas fundamentais do seu empenhamento cívico só serão compreensíveis no quadro de um compromisso partidário, embora aí sempre tivesse mantido toda a abertura e liberdade crítica [2] .  
Mas em que quadro partidário? O republicanismo liberal, com o seu pensamento elitista, a que correspondia uma táctica revolucionária predominantemente “putschista”, não poderia ser aquele com que se identificaria. O Partido Socialista, afastado das massas populares e longos anos inerte até se extinguir, fora uma amarga desilusão para os jovens socialistas marxistas, pelo que não poderia ser igualmente opção. A formação profundamente democrática de B. J. C. , o reconhecimento da necessidade de uma intervenção política maciça dos cidadãos, que nessa prática tinham a fonte principal da sua consciência cívica, e a sua dominante ideia do papel das massas populares e nomeadamente do proletariado na construção da sociedade futura conduziam-no, logicamente, ao Partido Comunista. Se não fossem suficientes os testemunhos já apresentados neste sentido, bastaria analisar o cerne do seu ideário e comportamento políticos para o admitirmos.
Quanto às formas dessa adesão ao PCP obviamente que, naquelas condições excepcionais, não podem ser identificadas com as actuais. Por um lado, o trabalho unitário que Bento Caraça predominantemente desenvolvia, aconselhava – como sempre em tais circunstâncias – a ocultar as suas ligações partidárias, mesmo nos círculos políticos com que se relacionava. Por outro lado, a ligação ao PCP, em tempos de tão dura clandestinidade, impedia qualquer formalização documental, frequentemente não permitia contactos regulares, por vezes espaçados meses ou até anos, dependentes de múltiplas contingências repressivas e conspirativas, e nem sequer exigia a integração num organismo com funcionamento permanente. O que era indispensável, sim, é que estivesse disponível para contactos com os dirigentes partidários, quando possível e conveniente, cumprisse a orientação consigo acordada e que esta estivesse em consonância com a estratégia geral do Partido – o que parece não haver dúvidas ter-se verificado.  Era, afinal, o único meio orgânico de que B.J.C. dispunha para se ligar às massas populares, que sempre estiveram no centro da sua acção e  pensamento políticos e pedagógicos [3] .




[1] Obriga-nos a repensar  Marc Bloch, quando este diz, expressamente: “Um grande matemático não será menor, suponho, por ter atravessado com os olhos fechados o mundo em que vive. Mas o erudito que não tem o gosto de olhar à sua volta nem os homens, nem as coisas, nem os acontecimentos merecerá talvez, como dizia Pirenne, o nome de um útil antiquário. Seria sensato que renunciasse ao de historiador” (Cf. Apologie pour l’Histoire ou métier d’historien, 4ª ed., Paris, Armand Colin, 1961, p. 14). Ora precisamente B.J.C. defende que o matemático, como qualquer outro cientista, não pode em circunstância alguma deixar de estar ligado à vida, à actualidade, como diz na nota crítica sobre “A Evolução da Física, de Albert Einstein e Leopold Infeld”: “Não transparece da leitura a mais pequena relação do trabalho do físico com a vida do seu tempo. Parece que o cientista, investigador e interpretador da realidade física vive à parte, numa célula privilegiada do espaço-tempo, onde não chega o rumor das lutas e dos sofrimentos dos homens, das suas aspirações, dos seus fracassos e dos seus triunfos, da maneira como trabalham e se organizam” (In semanário O Diabo, nº223, 31-12-1938, reproduzido em Conferências e Outros Escritos, 2ªed., Lisboa, 1978, p. 267).
[2] Estes conceitos opostos de cultura  são bem visíveis na polémica entre Caraça e António Sérgio, nas páginas da Vértice, entre Novembro de 1945 e Maio de 1946.
[3] Não é assunto de somenos importância, este. Longe de reduzir-se à questão da apropriação de Caraça por tal ou tal força partidária. Deveremos afirmá-lo, em primeiro lugar, por uma razão simples: tudo nos parecendo concorrer para a verdade da conclusão a que chegámos, não há razão para ocultá-la. Em segundo lugar, porque através do conhecimento desta vinculação partidária se compreendem melhor as razões profundas de opções que B.J.C.  foi tomando ao longo da sua intensa vida política, nomeadamente o fundamento do seu ideário não apenas de combate ao regime fascista mas, sobretudo, de transformação do sistema social e da estratégia revolucionária que defende desde finais da década de 1920 até à morte; a unidade do seu percurso político encontrando aí um dos mais fortes elos. E, em terceiro lugar, porque não vejo em que é que a real universalidade da figura de Bento Caraça venha a ser afectada  por se afirmar o seu compromisso partidário; numa perspectiva histórica esta é questão absurda. Estamos aqui como historiadores, e nessa qualidade afirmarmos o que nos parece cientificamente correcto à luz de factos não falseados nem ocultados. Não é aos políticos que compete fazer História, ao sabor de conveniências pessoais ou conjunturais. Nem aos historiadores buscar falsos consensos, como aquele que em face de alguém que dizia serem dois mais dois quatro e outro que afirmava serem seis, esforçadamente afirmava serem, afinal, cinco.
                                  
                               “A descida aos infernos”
Embora ao longo da vida as traves-mestras do seu pensamento e comportamento políticos tenham permanecido constantes no essencial, embora os principais temas nunca tenham deixado de emergir com insistência, julgo que poderemos reconhecer três principais fases correspondentes a diferentes preocupações dominantes em conjunturas distintas.
Inicia-se no período entre as duas guerras, que designou como “a descida aos infernos”  e que intensa e dramaticamente viveu. É a sua primeira sistemática intervenção na vida política. Lá fora, e também em Portugal, eram os efeitos da grande depressão económico-financeira do  fim da década de 1920 e inícios da de 1930, a profunda crise social atingindo particularmente as camadas médias que tinham sido até aí os principais suportes dos sistemas políticos; era o advento de múltiplos fascismos ma Europa; era a implantação da República em Espanha, na base de uma Frente Popular, e também a Frente Popular em França; era a experiência soviética impondo-se cada vez mais às correntes progressistas – apesar dos  excessos que B.J.C. e companheiros mais ou menos claramente lhe apontavam – como via de libertação dos oprimidos; eram as crescentes ameaças bélicas de quem desenvolvia as mais poderosas indústrias do aço e química da Europa.
Internamente, desde finais de 1929, dera-se a irreversível separação das águas no campo republicano (republicanismo liberal e esquerda republicana), inevitável após as tentativas revolucionárias entre 1927 e 1931. Foi um quadro de contestação quase permanente contra a ditadura, sobretudo na Grande Lisboa e Porto, em que eclodem cinco movimentos  revolucionários, com envolvimento de militares e civis armados. Chega-se a extremos de barricadas nas ruas, ataques aéreos e bombardeamentos de artilharia sobre as cidades, fuzilamentos sumários, milhares de mortos e feridos, de presos e deportados. Em consequência, o endurecimento repressivo, com amplos saneamentos civis e militares após a subida de Salazar à chefia do Governo, provoca a diminuição do protagonismo do republicanismo político-militar. A institucionalização do Estado Novo, entre 1932 e 1934, ainda mais marginaliza a oposição republicana na cena política nacional. E é assim que, durante a guerra civil de Espanha, a resistência activa ao Estado Novo apenas contará com a intervenção dos comunistas e anarco-sindicalistas.
Era uma nova fase que se abria no quadro da oposição política ao Estado Novo. O republicanismo de esquerda perdia a absoluta hegemonia política no quadro da oposição ao fascismo.  E, em consequência das leis corporativas de Setembro de 1933 que ilegalizaram os sindicatos livres (a chamada "fascização dos sindicatos"), é o Partido Comunista, com o seu aparelho clandestino, que melhor se adapta às novas condições da luta. Sob a liderança de Bento Gonçalves, desde 1929, repudia o reviralhismo republicanista (ou “putschismo”) e procura afirmar autonomia de objectivos e de actuação.
Neste complexo quadro, a luta de B.J.C. dirige-se em dois sentidos, que se apresentavam como duas vertentes da mesma questão: contra a guerra e contra o fascismo. Inspirava-se, tal como toda a sua geração, em Romain Rolland, cujos apelos, que ecoaram por todo o mundo, motivariam as reuniões da Frente Mundial contra a Guerra, em Amesterdão (1932) e Paris (1933). Com um grupo de activistas, entre os quais José Rodrigues Miguéis, escreve intensamente em jornais legais e publicações clandestinas, desenvolve protestos e alertas públicos, participa na direcção da Liga Contra a Guerra e Contra o Fascismo, extensão nacional do Comité Mundial contra a Guerra e o Fascismo. Esta Liga, de inspiração comunista, escolhe Bento Caraça como seu representante na Frente Popular Antifascista de 1935 a 1937.
Mas essa luta contra a guerra não a limita a um simples confronto entre belicistas e antibelicistas, confere-lhe maior densidade política e social como bem ficou expresso no dramático artigo publicado no jornal Liberdade em Novembro de 1932. Diz ele:  ...”Actuar, sim, mas com um plano; nada de esgrimir contra moinhos; alcançar os pontos de enraizamento do mal; abandonar o trapo vermelho para atingir a mão que o manobra. Só assim a multidão dos pacifistas deixará de ser, na frase justa de Einstein, um rebanho de carneiros lamurientos num redil”. O seu combate teórico é por isso, também, fortemente dirigido contra os nacionalismos e as suas agressivas afirmações, ou mesmo contra esse indefinido “espírito europeu”, redutor da essência do humano na sua dimensão universalista.
Esse amplo movimento antibelicista e antifascista, que se espalhou por toda a Europa, assumia assim em Portugal um significado particular, que Bento Caraça equacionou com perfeita lucidez. Mostrava à evidência a necessidade  de dar respostas fortes e globais às questões cruciais do fascismo e do capitalismo monopolista e imperialista, a necessidade de conceber uma paz construída na base da justiça social e da fraternidade universal, a necessidade, por fim, de conceber um sistema político em que as camadas baixas tivessem os mais amplos direitos e em que se admitisse o papel criador e transformador das massas populares. Mostrava-se assim à evidência, igualmente, para além da ineficácia da estratégia revolucionária da oposição tradicional (bem evidenciada no fracasso das revoltas reviralhistas de 1927 a 1931), a desadequação do seu ideário às novas condições. Era a primeira grande ruptura com o predomínio oposicionista até aí exercido pelo republicanismo liberal e, sobretudo desde finais da década de 1920, pelo republicanismo de esquerda “seareiro”. Mas não se tratava apenas de uma nova estratégia ou de uma nova ideologia. Era, mais amplamente, uma nova cultura política que rompia com a tradicional e para a qual B.J.C. deu uma muito importante contribuição, diríamos mesmo, nalguns aspectos, decisiva.
                               A Unidade Antifascista   
A segunda fase do combate político de Bento Caraça é marcada pelo predomínio de uma estratégia revolucionária assente na unidade antifascista. Foi essa, aliás, a principal preocupação de toda a sua vida, para o que estava vocacionado com características pessoais particularmente favoráveis, como as de saber ouvir e recolher opiniões alheias, procurar entendimentos sem quebra de princípios fundamentais, capacidade de rever posições pessoais perante sugestões válidas, características que – como testemunharam alguns que com ele conviveram – se exprimiam tão claramente nos seus olhos como dois largos espaços de paz e compreensão humana.
Desde muito cedo participara em fugazes organizações como a Liga Antifascista, União Antifascista, Acção Antifascista, Pró-Pátria. Com efeito, já em 1933, face aos perigos de guerra, à irrupção dos fascismos na Europa e à institucionalização do Estado Novo se reconhecera a necessidade de uma ampla unidade dos diferentes sectores da Oposição em torno dos objectivos principais da luta contra a guerra e contra o fascismo. Mas as tentativas de republicanos e socialistas – como a Frente Única de Vigo – mostraram-se frágeis com a marginalização de comunistas e anarquistas que afirmavam influência crescente.
Enquanto noutros países, desde o início de 1933, se desenvolviam esforços para a constituição de frentes com a participação de comunistas, socialistas, social-democratas e liberais, em Portugal as forças oposicionistas nem tinham condições nem mostravam disposições nesse sentido. Sobretudo porque o reviralhismo, que ainda insistia pateticamente na táctica do “complot” e do “putsch”, continuava preso a fortes sentimentos anticomunistas.
Por fim, em Outubro de 1935, constituiu-se a Frente Popular Portuguesa, a cujo Directório pertence Bento Caraça. Nascera sob o ânimo da vitória da Frente Popular em Espanha e por impulso do Partido Comunista Português, mas não deixavam de ser visíveis as suas fragilidades. Não havia acordo nem sobre a táctica revolucionária nem sobre aspectos programáticos importantes, como a política colonial. A alteração do quadro internacional, com incidências em Portugal, e a fragilidade crescente do movimento anti-salazarista provocaram a desagregação do frentismo antifascista e, finalmente, a extinção da Frente Popular Portuguesa, em 1938-1939. Será preciso que se verifiquem alterações substanciais na cena internacional e nacional para que ressurja, mas desta vez com maior consistência, o movimento unitário antifascista.
Com a II Guerra Mundial dá-se uma transformação profunda  na Oposição em Portugal, criando condições favoráveis para uma nova plataforma da unidade contra Salazar. Sobretudo com o ambiente geral de luta antifascista e a esperança de uma vitória aliada.
Quanto ao movimento operário, que sofrera uma quebra entre 1933 e 1940, reafirma-se mais dinâmico a partir do aumento galopante da inflação e da miséria e do impulso da combatividade popular resultantes da guerra. Podemos dizer, assim, que uma relativa estabilidade do fascismo em Portugal é interrompida, sobretudo em consequência do crescente protesto operário, em 1941. Novo ciclo grevista decorre de 1942 a 1947, atingindo principalmente Lisboa e a Margem Sul. Só em Julho de 1943 estão em greve cerca de 50 000 operários, com grandes manifestações e marchas de fome. Também na década de 1940 grandes lutas camponesas no Alentejo e Ribatejo. É o Partido Comunista, reorganizado em 1941, que aparece como a força dirigente desse crescente movimento operário e camponês.  
Nestas condições, o Reviralhismo já não tem condições para marginalizar o Partido Comunista, que é aceite pelas outras correntes não só como parceiro de pleno direito, mas como impulsionador do movimento unitário. E não era apenas pela sua capacidade organizativa e adequados objectivos políticos, mas também por ser ele que estabelecia a articulação deste potente movimento popular com a Oposição Democrática.
Outras alterações favoráveis ocorreram no quadro partidário, assistindo-se ao recrudescimento da Oposição com organizações que se destacam da corrente republicanista tradicional, preenchendo assim o vazio aberto pela dissolução do Partido Socialista em 1933. Destas, a mais destacada foi a União Socialista, fundada em fins de 1943, por impulso principal de José Magalhães Godinho. Mas ainda a velha linha republicana liberal emerge com alguma influência pelo prestígio de muitas das suas figuras sobreviventes e as referências ideológicas que se lhes reconhecia.
É neste novo quadro oposicionista que surge uma formação original na Oposição Democrática, o Movimento de Unidade Nacional Antifascista (MUNAF), onde convergem todas estas forças, sem que, ao contrário do passado, alguma delas se apresente em posição totalmente hegemónica. Aqui, Bento Caraça tem ocasião para evidenciar um dos mais excepcionais traços da sua personalidade: firmeza de princípios conjugada com a largueza de ideias, num quadro de liberdade crítica e abertura à inovação, dando um magnífico exemplo de como a força das convicções não é inconciliável com o espírito crítico e a abertura a novas ideias e caminhos.
Com alguns amigos, B.J.C. contacta todos os sectores destacados da Oposição e promove uma importante reunião em fins de 1942 ou princípios de 1943 para estabelecer as bases da unidade e promover a criação de um movimento amplo, mas clandestino, empenhado na propaganda, mas também na resistência armada. Foi o início do processo que levaria à fundação do MUNAF, em finais de 1943. O programa deste, aprovado em Julho de 1944, e para o qual Bento Caraça deu importante contribuição, era a demonstração, naquele momento histórico, da capacidade de unidade das forças democráticas. A estratégia revolucionária dominante não era já a do “putsch”. Assim é entendido na reunião em casa de B.J.C., em fins de 1944, em que se constitui o comité revolucionário secreto, emanado do MUNAF, e dirigido pelo general Norton de Matos. O processo  de conspiração militar, quase constante de 1943 a 1947, já não é, porém, alheado da intensa agitação popular, sobretudo em Maio de 1944, Agosto a Outubro de 1945 e Abril de 1947.
                                           A “Guerra Fria”
A terceira e última fase da vida política de Bento Caraça decorre no pós-guerra em que, além das motivações anteriores, sempre presentes, outras emergem em novos contextos.
As condições externas do pós-guerra, aparentemente favoráveis ao fim dos regimes autoritários em Portugal e Espanha, as declarações ambíguas de Salazar, as gigantescas manifestações populares (como a de Lisboa em Maio de 1945) alimentavam as esperanças na via eleitoral, na auto-reforma do regime e na possibilidade da Oposição ser reconhecida como alternativa legal ao regime fascista. É este o sentido da criação do Movimento de Unidade Democrática (MUD), em Outubro de 1945, apoiado no clandestino MUNAF, e que será o arranque para uma das mais vastas, organizadas e vigorosas explosões cívicas que o nosso país conheceu sob o Estado Novo.
Nestas circunstâncias, os esforços políticos de B.J.C. no pós-guerra dirigem-se em três principais direcções.
Por um lado, os seus escritos, conferências e ensino vão no sentido de abrir o País às novas correntes políticas e culturais que haviam saído da derrota do nazi-fascismo, tentando aproveitar os ventos democratizantes que corriam na Europa. É esse um dos significados do documento saído da sessão do Centro Almirante Reis em que se defendia que a próxima Assembleia Nacional fosse constituinte, a fim de permitir que o texto fundamental normalizasse a vida nacional, nomeadamente nas relações entre o poder legislativo e o executivo.
Por outro lado, os seus esforços são orientados para contrariar a argumentação fascista de que a Oposição não tinha programa nem figuras que fossem alternativas ao Estado Novo. Através de artigos, entrevistas, conferências mostra a falta de fundamento dessa acusação, enunciando com clareza o que a Oposição propunha sobre a necessidade de planificação da economia nacional, distribuição justa do rendimento nacional,  protecção à criança, analfabetismo e plano do Ensino, saúde pública, democratização e racionalização das instituições de administração pública. Saliente-se a conferência  na Voz do Operário, em 30 de Novembro de 1946, sobre a situação da educação e da cultura em Portugal durante o Estado Novo.
Ao mesmo tempo, trabalha intensamente para o reforço da unidade oposicionista dentro do MUD, para o alargamento da unidade na acção entre os democratas, de modo a intervirem de uma forma mais concertada e ofensiva. Em 1945 é eleito para a Comissão Central e, após a reorganização interna, em 1946, passa a exercer as funções de vice-presidente da Comissão Central. Nesta altura, ainda o MUD era tolerado pelo regime.
Mas, logo a seguir, o governo fascista desmascara-se completamente, desencadeando uma violenta vaga repressiva. O agravamento da “guerra fria” dava argumentos a Salazar para endurecer a agressão, na ordem interna, aos inimigos que os aliados ocidentais enfrentavam na ordem externa. Assim, a ofensiva de Salazar era selectivamente dirigida contra os comunistas, relacionando o MUD com o clandestino MUNAF e acusando-o de estar dependente do PCP.
Bento de Jesus Caraça é então preso pela primeira vez (13 de Outubro de 1946) envolvido num processo colectivo sob a acusação de actividades subversivas, que era a justificação para ilegalizar o MUD. Então, também, por ter sido co-signatário do documento da Comissão Central do MUD sobre  a admissão de Portugal na ONU sofre um processo disciplinar e é demitido da Universidade, com Mário de Azevedo Gomes. Um vergonhoso processo que mostrou a brutalidade e arbitrariedade do regime fascista e provocou uma onda de indignação no País.
Entretanto, iam produzindo os seus efeitos no campo oposicionista os ataques repressivos dirigidos pelo governo fascista selectivamente contra o Partido Comunista. A convergência entre as diversas correntes da Oposição começa a quebrar-se e a tendência de quase todas elas é para fecharem o Partido Comunista num “ghetto”: uns, porque a colaboração com o PCP lhes traz ameaças mais graves para a sua segurança pessoal (medo que, depois, mascaravam com argumentos ideológicos); outros, na linha do republicanismo liberal, porque fazem renascer antigos preconceitos anticomunistas; e outros, ainda, na linha do republicanismo de esquerda, maçónico e socializante, porque têm esperanças em ser reconhecidos como oposição cordata e credível se libertos do incómodo aliado, chegando a sugerir a cessação de toda a actividade do MUD. Era o início da irredutível cisão na Oposição Democrática que se manterá, quase sem interrupção, até 1973.
Pelas suas características pessoais, tolerantes e abertas, B.J.C. seria dos poucos, porventura o único, capaz de estabelecer a ponte entre os campos oposicionistas cada vez mais desavindos. O principal das suas energias é dirigido nessa direcção. Mas sem perder o sentido dos princípios fundamentais. O documento mais significativo que então elabora é essa penetrante análise sobre “A Posição do MUD no Momento Político Presente” (12 de Outubro de 1947), na sessão comemorativa do 2º aniversário do MUD e em nome da sua Comissão Central. Aí, depois de denunciar a escalada repressiva do Governo, ataca os que propunham a suspensão total da actividade do MUD; pelo contrário, defende que devia forçar-se a legalidade, alargando quanto possível o espaço de intervenção da Oposição Democrática, como a melhor forma de esclarecer e mobilizar a opinião pública contra o regime fascista. Para os demissionistas, directamente diz: “Se tivéssemos desaparecido da cena política talvez já uma oposição dócil estivesse instalada em nosso lugar”. Apelava, ao mesmo tempo, para que a larga congregação de democratas que era o MUD não tivesse carácter ou preocupação de ligação partidária. Tal era, também, a orientação desde então expressamente defendida pelo campo democrático de esquerda onde se situava o Partido Comunista. Por isso, todo o documento defende que só a convergência dos democratas permitiria a vitória sobre o fascismo, terminando com um apelo à UNIDADE! por três vezes vibrantemente repetido. Em vão. As fracturas no campo democrático eram cada vez mais fundas. A “guerra fria” provocava confrontos virulentos e feridas dificilmente reparáveis dentro da Oposição.
O penúltimo acto é em Março de 1948, quando chamado à PIDE para lhe ser comunicada a extinção do MUD. E logo em 25 de Junho morre, sabendo embora, como tantas vezes dissera, que “as derrotas só existem aquelas que se aceitam” e só acaba quem desiste de lutar, só acaba quem não deixa sementes.  



30 de setembro de 2013

Os candidatos das CDE às "eleições" de Outubro de 1973


Fonte : «Candidatos da Oposição à Assembleia Nacional do Estado Novo (1945-1973- Um Dicionário», de Mário Matos e Lemos, edição da Assembleia da República

Lisboa

Alberto Arons de Carvalho
António Simões de Abreu
Carlos António de Carvalho
Dulcínio Caiano Pereira
Francisco Manuel da Costa Fernandes
Maria Helena Augusto das Neves Gorjão
Herberto de Castro Goulart da Silva
João Sequeira Branco
José Joaquim Gonçalves André
José Manuel Marques do Carmo Mendes Tengarrinha
Maria Luísa Rodrigues Amorim
Pedro Amadeu de Albuquerque Santos Coelho
Vítor Manuel Caetano Dias
José Maria Roque Lino (não foi apresentado tendo sido substituído pelo suplente José António Tavares da Cruz [por mim, tenho a ideia de quem entrou como efectivo  foi Sottomayor Cardia])

Suplentes:

Francisco José Cruz Pereira de Moura
Luís Filipe Lindley Cintra
António Fernandes Martins Coelho
Mário Augusto Sottomayor Leal Cardia
Francisco Manuel Marcelo Curto
Urbano Tavares Rodrigues
Gilberto Lindim Ramos
Francisco de Almeida Salgado Zenha
Fernando Abranches Ferrão

Porto:

António Macedo Varela
Jerónimo de Sousa Peixoto de Almeida
Berta Monteiro
Joaquim Augusto Nunes de Pina Moura
César da Silva Príncipe
Cassiano Pena de Abreu Lima
Fernando Celso da Silva Lemos Ferreira
Horácio António Simões da Costa Guimarães
António da Silva Mota
Jaime Vilhena de Andrade, não aceitou
Rui Manuel Polónio Sampaio, não aceitou
José Luís Nogueira, não foi admitido, tendo sido os três últimos substituidos por
Manuel Domingos de Sousa Pereira
José Augusto Nozes Pires
Célio Ezequiel de Albuquerque Melo da Costa


Suplentes:

Arnaldo Abreu Pinheiro Torres Araújo
Joaquim da Silva Rocha Felgueiras
Vírginia de Faria Moura
Olivia Ferreira
Virgilio Moreira
António Candido Miranda Nacedo
Armando Fernandes de  Morais e Castro
Óscar Luso de Freitas Lopes
Vítor Óscar de Magalhães Silva Passos 

Coimbra

Jorge Freitas Seabra
Maria Regina Dias Cavalheiro
Flávio Beleza Laranjeira
Alfredo Misarela Loureiro
CarlosVictor Baptista da Costa

Suplentes:

António Carlos Ribeiro Campos
António Romeu de Azevedo Cunha Reis

Castelo Branco

Carlos Alberto de Sousa Vale
José António Gabriel Pinho
Manuel João Vieira
António Teles André (desistiu da candidatura e foi substituído por
Carlos Alberto Ambrósio da Silva Ferreira

Aveiro

Amaral Simões dos Reis Pedreira
Álvaro de Seiça Neves
António Manuel Neto Brandão
José Oliveira  e Silva
Rufino Jorge Rodrigues da Cunha
Manuel Augusto Domingues Dias de Andrade
Mário Bastos Rodrigues

Leiria

Carlos Alberto Freire Mota
José Henriques Vareda
Maria Odete Oliveira Santos
Manuel de Sousa Baridó
Antonio José Guarda Ribeiro
Custódio Pereira Maldonado Freitas

suplente:
Amílcar Pinho

Santarém

Álvaro Favas Brasileiro
Arnaldo Gonçalves Santos
Humberto Pereira Dinis Lops
João Luís Madeira Lopes
José Alves Pereira
José Manuel Bento Sampaio

suplentes:
<
José Faustino Rodrigues Pinhão
José Fidalgo Marques Pereira
Franklin Soares de Matos Torres

Évora

Ana Maria de  Sousa  Faro e Alves
António Barreto Areosa Feio
Fernando Iglésias dos Santos
Manuel  João Passão


suplentes:

Mário Ventura Henriques
Joaquim Inácio Calhau Piteira Campos
Binadade Manuel Velez

Setúbal

Adilo Oliveira Costa
Artur Neves de Almeida
Ercília Carreira Pimenta Talhadas
João Aurélio Cruz dos Santos
Herculano Rodrigues Pires
Marcos Manuel Rolo Antunes (a candidatura não foi aceite tendo sido substituido pelo suplente
Alfredo Rodrigues de Matos

suplentes:

António Dias
Apolónia Maria Alberto Pereira
José Neves Ramalho

Viana do Castelo - a lista não foi apresentada

Romeu de Sousa
João Abel Cerqueira
Manuel José Cruz Soares
António Victor da Silva Barros

suplente:

João Armaldo  Rodrigues da Fonseca Maia

Ponta Delgada - não foi admitida

António Eduardo Borges Coutinho
Manuel Barbosa
Eduardo José Azeredo Pontes

suplentes:

Maria de Medeiros Marques Pinto
Olga Sousa Lima
Maraia da Graça Macedo Forjaz de Sampaio


21 de maio de 2013

Sete notas soltas sobre

(Intervenção de  Vítor Dias, em 17.5.2013
nas
III Jornadas de Ciência Política do ISCTE)


Boa tarde a todos, queria naturalmente começar por agradecer aos estudantes de Ciência Política do ISCTE e ao Prof. André Freire a patente generosidade de me terem incluído num painel de oradores tão qualificado numa iniciativa que infelizmente não pude acompanhar nas sessões anteriores mas cujo interesse e mérito,  me parecem evidentes.

Entretanto, quero assumir que aqui direi algumas coisas que certamente vos parecerão esquemáticas, pouco articuladas ou mesmo dispersas ou caóticas mas isso, sem menosprezar as minhas limitações culturais, é uma consequência de o Rossio que viaja na minha cabeça não caber na Betesga do apesar de tudo muito razoável tempo de intervenção.

As assumidamente descosidas observações que decidi aqui trazer-vos obedecem à ideia que tenho de que se é certo que os protagonistas ou intervenientes políticos têm a estrita obrigação de acompanharem na máxima medida possível as reflexões que sociólogos e politólogos vão avançando sobre questões cruciais do nosso tempo, também me parece muitas vezes vantajoso que o mundo académico se aproxime de uma forma mais directa, sensível e informada sobre o que são a vivência, as condicionantes e as reais características da acção dos partidos e da acção política em geral, sob pena de se gerarem reciprocas e indesejáveis incomunicabilidades e incompreensões.

Desenhado este já longo preâmbulo e feitas as ressalvas que considerava necessárias passaria então a um conjunto de observações fragmentadas à volta do tema deste painel.

A primeira tem de ser obrigatoriamente para vos lembrar que pertenço a uma corrente politica e a um historicamente longo de 92 anos património de ideias e de intervenção política que jamais definiu ou aceitou que a sua matriz identitária e a sua perspectiva e horizonte de acção e intervenção fossem os de exercer exclusivamente funções de representação política antes sempre dedicou, antes do 25 de Abril e depois, a imensa maioria dos seus esforços ao seu papel de dinamização, estimulo à organização e apoio a uma larga e activa intervenção e luta dos cidadãos ( e principalmente de determinadas classes ou sectores sociais) na vida nacional.

A segunda, decorrente obviamente da primeira, é que neste quadro e mesmo que possa ter reservas sobre aspectos da orientação de alguns deles, vejo com grande apreço as iniciativas de agregação e mobilização de cidadãos em torno de causas especificas ou objectivos sócio-políticos mais globais (e que não são promovidas nem por sindicatos ou partidos) e as considero como complementares de outras formas de intervenção digamos mais clássicas e as olho como poderosos afluentes e expressões de um necessário alargamento da luta.

Entretanto, certamente não precisarei de dizer que são as formas organizadas e estáveis de representação  e defesa de interesses que me parecem melhor garantir condições de maior eficácia e serem factores mais profundos de consciencialização social e politica e de aprendizagem colectiva.
 
Neste ponto, deixo propositadamente de parte por razões de economia de tempo, as controvertidas questões sobre saber se tudo o que mexe e positivamente se movimenta são «movimentos sociais», se «os novos movimentos sociais» são assim tão novos como isso ou se, tirando as novas tecnologias de comunicação, já vem dos anos 70 do século passado, ou mesmo se não há uma certa confusão entre reais movimentos sociais e grupos numericamente limitados de pressão ou expressão de correntes de opinião sobre temas diversificados no espaço público.

Dito isto, seria esconder de vós algo de essencial se não dissesse que tenho combatido, combato e continuarei a combater os que, empenhados em valorizar os movimentos ou movimentações ditos «inorgânicos» (atenção que alguma «orgânica» têm de ter) parecem obcecados e dominados pelo objectivo de fazerem tiro ao alvo sobre os partidos, sobre os sindicatos ou mesmo sobre o sistema político.

E, neste domínio, quero dizer-vos com franqueza total que considero por demais significativo e relevante que os promotores das mais poderosas manifestações dos últimos tempos – falo do movimento QUE SE LIXE A TROIKA – já terem repetidamente demonstrado que não são passíveis daquela minha anterior reserva e crítica.

A terceira observação é para vos confessar que, mesmo que aqui me refira várias vezes genericamente «aos partidos», há mais de 30 anos que combato (sofrendo persistentes derrotas) as quanto a mim nada inocentes generalizações sobre os partidos e que sobretudo os estudos de ciência política não podem passar ao lado da evidência de que, independentemente de juízos de valor, os partidos políticos portugueses tem diferentes histórias, diferentes identidades, diferentes concepções de funcionamento e de acção, diferentes projectos políticos e que os seus militantes também são em larga medida influenciados ou formados através de diversas culturas políticas, sem que isto signifique que pretenda reclamar para o meu lado qualquer santidade ou perfeição, antes significando apenas que estou disponível para confrontos ou comparações feitos no concreto.

Neste âmbito, quero confessar-vos que se há coisa que me tira do sério é o tique, pavorosamente dominante nos media, que consiste em, se se fala de partidos, pensar-se apenas nos dirigentes, nas estruturas e no chamado «aparelho» e , se se fala de movimentos, pensar-se apenas nos «cidadãos». Como se os partidos fossem compostos por robôs ou extraterrestres e não como são (ou não devessem ser) a organização de cidadãos livres em torno de um projecto político e como se os «movimentos de cidadãos» não tivessem dirigentes.

Este tipo de tiques esquece aliás que, a seguir aos sindicatos, os partidos políticos são seguramente as organizações que maior número de cidadãos agregam e associam.

De idêntico modo, me parecem muito precipitadas as tendências para considerar que os «movimentos de cidadãos» são um esplendor de democracia interna e que os partidos, bem ao contrário, seriam o território por excelência da falta de democracia.

A este respeito, e sem que isto deva ser considerado um defeito desses movimentos, mantenho a minha ideia muita antiga de que, quanto mais um movimento é informal e «inorgânico» mais fácil e natural é a concentração dos poderes de decisão em poucas pessoas.


Para vos dar um mero exemplo, creio ser indiscutível que, como militante do PCP inserido numa organização na Amadora, tenho muito mais possibilidades de pedir informações ou escrutinar a acção dos eleitos na CDU no poder local do concelho do que terão os milhares de cidadãos que se limitaram a subscrever as candidaturas autárquicas ditas de «independentes» mas, de facto e juridicamente propostas por «grupos de cidadãos eleitores».

A minha quarta observação visa salientar que nem por um segundo me passa pela cabeça ignorar, desvalorizar ou menosprezar os sinais ou sintomas do que insistemente se refere como a crise na confiança no sistema político, a desconfiança nos partidos ou a desafeição em relação à própria democracia, matérias sobre os quais há os suficientes e preocupantes sinais nacionais e sobretudo internacionais.

Distintamente do que todos os dias me é impingido nos media, considero entretanto que é preciso mais prudência e finura em alguns juízos peremptórios e definitivos que, para além de outros relevantes aspectos, me parecem não ter em conta aquilo a que eu chamaria de «ambivalência dos cidadãos» (ou eleitores ou inquiridos em sondagens).

Com efeito, nunca me esqueço de que, num estudo dirigido pelo Prof. André Freire sobre as eleições legislativas de 2002, realizado no âmbito do Instituto de Ciências Sociais, havia salvo erro uma pergunta sobre se os inquiridos consideravam os partidos todos iguais e uma aterradora e elevadíssima percentagem respondia positivamente que sim.

Perante este dado, fiquei a pensar que na maioria das restantes perguntas do inquérito, sobretudo as respeitantes a partidos ou dirigentes partidários, aquela devastadora percentagem se iria borrifar nessas perguntas e engrossar o item dos que «não sabem/não respondem».

Estava a ser perfeitamente tolo.  A verdade é que os mesmos que tinham manifestado a opinião de que os partidos eram todos iguais ou comungavam dos mesmos defeitos nem por isso, nas outras perguntas, deixaram de ter opiniões detalhadas e diferenciadas sobre quem estava mais à esquerda. mais ao centro ou mais à direita ou de manifestar diferentes graus de concordância ou apoio à acção dos líderes partidários.

Ainda a este respeito, só quero lembrar que na habitual sondagem do Expresso. no item sobre a apreciação dos líderes partidários, só para citar dois exemplos em que me parece não se poder dizer que se trata dos mesmos inquiridos, Jerónimo de Sousa reune 32% de apreciações positivas  e Passos Coelho cerca de 22%. O que me parece indicar que pelo menos 54% dos inquiridos aprecia positivamente ou confia em alguma coisa.

Uma quinta observação visa transmitir-vos a minha inquieta constatação de que, no quadro de tantas legitimas interpelações ou criticas aos sistemas políticos, ocupa entretanto um lugar ínfimo a crítica ou condenação dos sistemas eleitorais maioritários que, de forma brutal, já há mais de 25 de anos classifiquei de « escrutínio de ladrões» mas que a maior parte das vezes são tratados ou apresentados como um das opções técnicas em presença, para já não falar das vezes em que não poucos põem o objectivo da «governabilidade» à frente do respeito pela vontade realmente expressa pelos eleitores.

É assim que passa quase sem escândalo de maior que nos EUA possam ter tido um presidente que teve menos votos que o seu concorrente, que haja países – Grécia, Itália – onde se dá um bonús de maioria de  deputados ao partido mais votado , o que só pode significar o facto muito esquecido de que então foram roubados a outros partidos os deputados correspondentes a votos que tiveram e que haja países – Grã-Bretanha, Estados Unidos - onde por detrás do principio geral «the winner takes all» se esconde a inutilização do voto de milhões de cidadãos e um para mim infame sistema de desigualdade na eficácia de voto entre os cidadãos.

Uma sexta observação prende-se com o facto de a toda a hora se falar da incapacidade de os partidos corresponderem às expectativas ou anseios dos cidadãos mas ninguém querer ter em conta que hoje em dia e desde há algumas décadas, os partidos políticos, talvez com excepção dos partidos do governo, pesarem muito menos  no curso da vida política do que acontecia no passado e do que muita gente ainda hoje imagina.

Na verdade, creio que constitui quase um tabu reconhecer ou admitir que, nos tempos que correm, o sistema mediático tem, por diversas vias, uma maior influência na agenda e na vida políticas do que os partidos da oposição.

Quero com isto dizer que os órgãos de informação são hoje dos principais actores da vida política e no entanto todos os dias nos querem fazer crer que analisam a vida política,  isentos e superiores, do cimo de uma enorme grua.

Apenas um exemplo, entre dezenas possíveis: na sequência de duas outras grandes iniciativas realizadas na década de 90 e típicas da chamada «abertura dos partidos à sociedade», também em 2003 o PCP realizou uma iniciativa de debate dos problemas  nacionais intitulada «Em Movimento, por um Portugal com Futuro» e aberta a quem nela quisesse participar e contando como oradores também personalidades independentes e até de outros quadrantes políticos.

Porém,  ao intervir na abertura da sessão de encerramento desta iniciativa, fui obrigado a declarar o seguinte : «(...) Não apenas por respeito pela verdade mas sobretudo como contribuição para que ninguém ignore as dificuldades e adversidades que enfrentamos, merece uma referência o facto de a iniciativa «Em movimento, por um Portugal com futuro» e os mais de 50 debates que no seu âmbito foram realizados tiveram direito, por  junto e considerando os principais jornais de expansão nacional, a cerca de oito notícias, a grande maioria das quais referentes à sessão de apresentação da iniciativa.» E acrescentava de seguida: «Nada disto impedirá que nestes mesmos meios de informação onde faltaram notícias sobre estes 50 debates do PCP, não tenham faltado no último ano e não venham a faltar nos próximos anos doutas opiniões e definitivas sentenças de que os partidos da oposição, e em especial o PCP, não se abrem à sociedade e se consomem apenas a dizer mal do governo do país e que são incapazes de apresentar propostas construtivas e fundamentadas de políticas alternativas».

A   sétima observação (por favor, respirem agora de alívio porque é a última) é sobretudo para vos informar que a minha falta de visão sobre a hierarquia dos temas me leva a não falar dessa matéria crucial que são as ideias circulantes sobre reformas do sistema político e que envolvem ideias como as de primárias nos partidos para escolher os seus candidatos às autarquias ou à AR, a criação de círculos uninominais para maior «aproximação dos deputados aos eleitores» ou mesmo a apresentação de listas de candidatos ditos «independentes» à AR com votação nominal na listas dos partidos ( aqui só uma nota para informar que no meu blogue e no Facebook lancei de boa-fé  oito perguntas concretas sobre esta ideia e que ainda hoje estou à espera de resposta).

Na impossibilidade de falar decentemente sobre estas importantes questões deixo-vos apenas duas notas que vos poderão parecer acessórias mas que talvez não sejam  :

- a primeira é que se na Amadora, onde vivo, fosse criada qualquer circunscrição eleitoral de eleição uninominal de um deputado que abrangesse a minha freguesia, a CDU não teria qualquer possibilidade de vencer essa eleição e, nesse caso, eu não quereria qualquer proximidade com o deputado eleito do PS ou do PSD e só quereria mesmo distância;

- a segunda é que não ignorando que a política se faz com o rosto e a voz de homens e mulheres e com a singularidade das suas convicções ou paixão política, chamo a vossa atenção para que a pulsão a favor de uma extremada personalização da política não tem nada de moderno e é mesmo do que mais houve na Europa no final do Século XIX e principios do Século XX. A tal ponto que, neste último período, há uma frase de Jean Jaurés que representa um poderoso apelo à revalorização das ideias e dos projectos políticos e não tanto das personalidades individuais.

Agora fechando  mesmo: pode ser pouco para as urgências que muitos sentimos nestes tempos ásperos, incertos e devastadores que amarguram o nosso viver colectivo mas, por mim, revejo-me nesta espécie de compromisso constante de uma frase de Albert Camus: « A própria luta em direcção aos cumes chega para encher o coração de um homem. É preciso imaginar um Sísifo feliz».