21 de maio de 2013

Sete notas soltas sobre

(Intervenção de  Vítor Dias, em 17.5.2013
nas
III Jornadas de Ciência Política do ISCTE)


Boa tarde a todos, queria naturalmente começar por agradecer aos estudantes de Ciência Política do ISCTE e ao Prof. André Freire a patente generosidade de me terem incluído num painel de oradores tão qualificado numa iniciativa que infelizmente não pude acompanhar nas sessões anteriores mas cujo interesse e mérito,  me parecem evidentes.

Entretanto, quero assumir que aqui direi algumas coisas que certamente vos parecerão esquemáticas, pouco articuladas ou mesmo dispersas ou caóticas mas isso, sem menosprezar as minhas limitações culturais, é uma consequência de o Rossio que viaja na minha cabeça não caber na Betesga do apesar de tudo muito razoável tempo de intervenção.

As assumidamente descosidas observações que decidi aqui trazer-vos obedecem à ideia que tenho de que se é certo que os protagonistas ou intervenientes políticos têm a estrita obrigação de acompanharem na máxima medida possível as reflexões que sociólogos e politólogos vão avançando sobre questões cruciais do nosso tempo, também me parece muitas vezes vantajoso que o mundo académico se aproxime de uma forma mais directa, sensível e informada sobre o que são a vivência, as condicionantes e as reais características da acção dos partidos e da acção política em geral, sob pena de se gerarem reciprocas e indesejáveis incomunicabilidades e incompreensões.

Desenhado este já longo preâmbulo e feitas as ressalvas que considerava necessárias passaria então a um conjunto de observações fragmentadas à volta do tema deste painel.

A primeira tem de ser obrigatoriamente para vos lembrar que pertenço a uma corrente politica e a um historicamente longo de 92 anos património de ideias e de intervenção política que jamais definiu ou aceitou que a sua matriz identitária e a sua perspectiva e horizonte de acção e intervenção fossem os de exercer exclusivamente funções de representação política antes sempre dedicou, antes do 25 de Abril e depois, a imensa maioria dos seus esforços ao seu papel de dinamização, estimulo à organização e apoio a uma larga e activa intervenção e luta dos cidadãos ( e principalmente de determinadas classes ou sectores sociais) na vida nacional.

A segunda, decorrente obviamente da primeira, é que neste quadro e mesmo que possa ter reservas sobre aspectos da orientação de alguns deles, vejo com grande apreço as iniciativas de agregação e mobilização de cidadãos em torno de causas especificas ou objectivos sócio-políticos mais globais (e que não são promovidas nem por sindicatos ou partidos) e as considero como complementares de outras formas de intervenção digamos mais clássicas e as olho como poderosos afluentes e expressões de um necessário alargamento da luta.

Entretanto, certamente não precisarei de dizer que são as formas organizadas e estáveis de representação  e defesa de interesses que me parecem melhor garantir condições de maior eficácia e serem factores mais profundos de consciencialização social e politica e de aprendizagem colectiva.
 
Neste ponto, deixo propositadamente de parte por razões de economia de tempo, as controvertidas questões sobre saber se tudo o que mexe e positivamente se movimenta são «movimentos sociais», se «os novos movimentos sociais» são assim tão novos como isso ou se, tirando as novas tecnologias de comunicação, já vem dos anos 70 do século passado, ou mesmo se não há uma certa confusão entre reais movimentos sociais e grupos numericamente limitados de pressão ou expressão de correntes de opinião sobre temas diversificados no espaço público.

Dito isto, seria esconder de vós algo de essencial se não dissesse que tenho combatido, combato e continuarei a combater os que, empenhados em valorizar os movimentos ou movimentações ditos «inorgânicos» (atenção que alguma «orgânica» têm de ter) parecem obcecados e dominados pelo objectivo de fazerem tiro ao alvo sobre os partidos, sobre os sindicatos ou mesmo sobre o sistema político.

E, neste domínio, quero dizer-vos com franqueza total que considero por demais significativo e relevante que os promotores das mais poderosas manifestações dos últimos tempos – falo do movimento QUE SE LIXE A TROIKA – já terem repetidamente demonstrado que não são passíveis daquela minha anterior reserva e crítica.

A terceira observação é para vos confessar que, mesmo que aqui me refira várias vezes genericamente «aos partidos», há mais de 30 anos que combato (sofrendo persistentes derrotas) as quanto a mim nada inocentes generalizações sobre os partidos e que sobretudo os estudos de ciência política não podem passar ao lado da evidência de que, independentemente de juízos de valor, os partidos políticos portugueses tem diferentes histórias, diferentes identidades, diferentes concepções de funcionamento e de acção, diferentes projectos políticos e que os seus militantes também são em larga medida influenciados ou formados através de diversas culturas políticas, sem que isto signifique que pretenda reclamar para o meu lado qualquer santidade ou perfeição, antes significando apenas que estou disponível para confrontos ou comparações feitos no concreto.

Neste âmbito, quero confessar-vos que se há coisa que me tira do sério é o tique, pavorosamente dominante nos media, que consiste em, se se fala de partidos, pensar-se apenas nos dirigentes, nas estruturas e no chamado «aparelho» e , se se fala de movimentos, pensar-se apenas nos «cidadãos». Como se os partidos fossem compostos por robôs ou extraterrestres e não como são (ou não devessem ser) a organização de cidadãos livres em torno de um projecto político e como se os «movimentos de cidadãos» não tivessem dirigentes.

Este tipo de tiques esquece aliás que, a seguir aos sindicatos, os partidos políticos são seguramente as organizações que maior número de cidadãos agregam e associam.

De idêntico modo, me parecem muito precipitadas as tendências para considerar que os «movimentos de cidadãos» são um esplendor de democracia interna e que os partidos, bem ao contrário, seriam o território por excelência da falta de democracia.

A este respeito, e sem que isto deva ser considerado um defeito desses movimentos, mantenho a minha ideia muita antiga de que, quanto mais um movimento é informal e «inorgânico» mais fácil e natural é a concentração dos poderes de decisão em poucas pessoas.


Para vos dar um mero exemplo, creio ser indiscutível que, como militante do PCP inserido numa organização na Amadora, tenho muito mais possibilidades de pedir informações ou escrutinar a acção dos eleitos na CDU no poder local do concelho do que terão os milhares de cidadãos que se limitaram a subscrever as candidaturas autárquicas ditas de «independentes» mas, de facto e juridicamente propostas por «grupos de cidadãos eleitores».

A minha quarta observação visa salientar que nem por um segundo me passa pela cabeça ignorar, desvalorizar ou menosprezar os sinais ou sintomas do que insistemente se refere como a crise na confiança no sistema político, a desconfiança nos partidos ou a desafeição em relação à própria democracia, matérias sobre os quais há os suficientes e preocupantes sinais nacionais e sobretudo internacionais.

Distintamente do que todos os dias me é impingido nos media, considero entretanto que é preciso mais prudência e finura em alguns juízos peremptórios e definitivos que, para além de outros relevantes aspectos, me parecem não ter em conta aquilo a que eu chamaria de «ambivalência dos cidadãos» (ou eleitores ou inquiridos em sondagens).

Com efeito, nunca me esqueço de que, num estudo dirigido pelo Prof. André Freire sobre as eleições legislativas de 2002, realizado no âmbito do Instituto de Ciências Sociais, havia salvo erro uma pergunta sobre se os inquiridos consideravam os partidos todos iguais e uma aterradora e elevadíssima percentagem respondia positivamente que sim.

Perante este dado, fiquei a pensar que na maioria das restantes perguntas do inquérito, sobretudo as respeitantes a partidos ou dirigentes partidários, aquela devastadora percentagem se iria borrifar nessas perguntas e engrossar o item dos que «não sabem/não respondem».

Estava a ser perfeitamente tolo.  A verdade é que os mesmos que tinham manifestado a opinião de que os partidos eram todos iguais ou comungavam dos mesmos defeitos nem por isso, nas outras perguntas, deixaram de ter opiniões detalhadas e diferenciadas sobre quem estava mais à esquerda. mais ao centro ou mais à direita ou de manifestar diferentes graus de concordância ou apoio à acção dos líderes partidários.

Ainda a este respeito, só quero lembrar que na habitual sondagem do Expresso. no item sobre a apreciação dos líderes partidários, só para citar dois exemplos em que me parece não se poder dizer que se trata dos mesmos inquiridos, Jerónimo de Sousa reune 32% de apreciações positivas  e Passos Coelho cerca de 22%. O que me parece indicar que pelo menos 54% dos inquiridos aprecia positivamente ou confia em alguma coisa.

Uma quinta observação visa transmitir-vos a minha inquieta constatação de que, no quadro de tantas legitimas interpelações ou criticas aos sistemas políticos, ocupa entretanto um lugar ínfimo a crítica ou condenação dos sistemas eleitorais maioritários que, de forma brutal, já há mais de 25 de anos classifiquei de « escrutínio de ladrões» mas que a maior parte das vezes são tratados ou apresentados como um das opções técnicas em presença, para já não falar das vezes em que não poucos põem o objectivo da «governabilidade» à frente do respeito pela vontade realmente expressa pelos eleitores.

É assim que passa quase sem escândalo de maior que nos EUA possam ter tido um presidente que teve menos votos que o seu concorrente, que haja países – Grécia, Itália – onde se dá um bonús de maioria de  deputados ao partido mais votado , o que só pode significar o facto muito esquecido de que então foram roubados a outros partidos os deputados correspondentes a votos que tiveram e que haja países – Grã-Bretanha, Estados Unidos - onde por detrás do principio geral «the winner takes all» se esconde a inutilização do voto de milhões de cidadãos e um para mim infame sistema de desigualdade na eficácia de voto entre os cidadãos.

Uma sexta observação prende-se com o facto de a toda a hora se falar da incapacidade de os partidos corresponderem às expectativas ou anseios dos cidadãos mas ninguém querer ter em conta que hoje em dia e desde há algumas décadas, os partidos políticos, talvez com excepção dos partidos do governo, pesarem muito menos  no curso da vida política do que acontecia no passado e do que muita gente ainda hoje imagina.

Na verdade, creio que constitui quase um tabu reconhecer ou admitir que, nos tempos que correm, o sistema mediático tem, por diversas vias, uma maior influência na agenda e na vida políticas do que os partidos da oposição.

Quero com isto dizer que os órgãos de informação são hoje dos principais actores da vida política e no entanto todos os dias nos querem fazer crer que analisam a vida política,  isentos e superiores, do cimo de uma enorme grua.

Apenas um exemplo, entre dezenas possíveis: na sequência de duas outras grandes iniciativas realizadas na década de 90 e típicas da chamada «abertura dos partidos à sociedade», também em 2003 o PCP realizou uma iniciativa de debate dos problemas  nacionais intitulada «Em Movimento, por um Portugal com Futuro» e aberta a quem nela quisesse participar e contando como oradores também personalidades independentes e até de outros quadrantes políticos.

Porém,  ao intervir na abertura da sessão de encerramento desta iniciativa, fui obrigado a declarar o seguinte : «(...) Não apenas por respeito pela verdade mas sobretudo como contribuição para que ninguém ignore as dificuldades e adversidades que enfrentamos, merece uma referência o facto de a iniciativa «Em movimento, por um Portugal com futuro» e os mais de 50 debates que no seu âmbito foram realizados tiveram direito, por  junto e considerando os principais jornais de expansão nacional, a cerca de oito notícias, a grande maioria das quais referentes à sessão de apresentação da iniciativa.» E acrescentava de seguida: «Nada disto impedirá que nestes mesmos meios de informação onde faltaram notícias sobre estes 50 debates do PCP, não tenham faltado no último ano e não venham a faltar nos próximos anos doutas opiniões e definitivas sentenças de que os partidos da oposição, e em especial o PCP, não se abrem à sociedade e se consomem apenas a dizer mal do governo do país e que são incapazes de apresentar propostas construtivas e fundamentadas de políticas alternativas».

A   sétima observação (por favor, respirem agora de alívio porque é a última) é sobretudo para vos informar que a minha falta de visão sobre a hierarquia dos temas me leva a não falar dessa matéria crucial que são as ideias circulantes sobre reformas do sistema político e que envolvem ideias como as de primárias nos partidos para escolher os seus candidatos às autarquias ou à AR, a criação de círculos uninominais para maior «aproximação dos deputados aos eleitores» ou mesmo a apresentação de listas de candidatos ditos «independentes» à AR com votação nominal na listas dos partidos ( aqui só uma nota para informar que no meu blogue e no Facebook lancei de boa-fé  oito perguntas concretas sobre esta ideia e que ainda hoje estou à espera de resposta).

Na impossibilidade de falar decentemente sobre estas importantes questões deixo-vos apenas duas notas que vos poderão parecer acessórias mas que talvez não sejam  :

- a primeira é que se na Amadora, onde vivo, fosse criada qualquer circunscrição eleitoral de eleição uninominal de um deputado que abrangesse a minha freguesia, a CDU não teria qualquer possibilidade de vencer essa eleição e, nesse caso, eu não quereria qualquer proximidade com o deputado eleito do PS ou do PSD e só quereria mesmo distância;

- a segunda é que não ignorando que a política se faz com o rosto e a voz de homens e mulheres e com a singularidade das suas convicções ou paixão política, chamo a vossa atenção para que a pulsão a favor de uma extremada personalização da política não tem nada de moderno e é mesmo do que mais houve na Europa no final do Século XIX e principios do Século XX. A tal ponto que, neste último período, há uma frase de Jean Jaurés que representa um poderoso apelo à revalorização das ideias e dos projectos políticos e não tanto das personalidades individuais.

Agora fechando  mesmo: pode ser pouco para as urgências que muitos sentimos nestes tempos ásperos, incertos e devastadores que amarguram o nosso viver colectivo mas, por mim, revejo-me nesta espécie de compromisso constante de uma frase de Albert Camus: « A própria luta em direcção aos cumes chega para encher o coração de um homem. É preciso imaginar um Sísifo feliz».

1 comentário:

Francisco Apolónio disse...

Mais nada! E quem fala assim não é gago!