Para prender alguém não é preciso
levar cal viva e ácido sulfúrico
No passado dia 13 cumpriram-se precisamente 50 anos sobre o assassinato em Almerines, em Espanha e muito perto da fronteira portuguesa, do General Humberto Delgado e da sua secretária e companheira Arajaryr Campos, perpetrado por uma brigada da PIDE composta por António Rosa Casaco, inspector, Ernesto Lopes Ramos, subinspector (que tinha estagiado na CIA), Agostinho Tienza, chefe de brigada e Casimiro Monteiro, também chefe de brigada, na sequência de uma armadilha (baptizada «Operação Outono») fria, longa e premeditadamente montada, em cuja concepção desempenhou um papel fundamental Barbieri Cardoso, inspector superior com o pelouro das «informações», e que, como é de toda a evidência, recebeu o aval de Salazar e de outros altos responsáveis do fascismo.
E, pela parte dos comunistas portugueses, nenhuma dúvida que a grande marca de água da evocação desta importante efeméride só pode e deve ser a merecida homenagem ao corajoso e destemido combatente antifascista em que se tornou o General Humberto Delgado e a reiterada condenação do regime fascista que deliberadamente o mandou matar, em mais uma destacada confirmação do seu carácter terrorista e sanguinário.
Entretanto, não deve constituir surpresa que, 50 anos depois, mesmo após o conhecimento das peças processuais do julgamento (e da sua revoltante e infame sentença) que decorreu em 1981 no Tribunal Militar de Santa Clara e de dezenas de obras e trabalhos jornalísticos sobre este assunto persistam e sobrevivam dúvidas, interrogações e hipóteses diversas sobre certos aspectos concretos do crime que a opinião pública tenderá naturalmente a seguir com o interesse de quem acompanha um romance policial.
Entre outras razões e factores, acontece assim, desde logo porque os directa e comprovadamente implicados no crime se esmeraram sempre em diferentes versões do que realmente ocorreu, no seu compreensível interesse em sacudir a água do seu capote para o capote de outros participantes mas, significativamente, todos sempre querendo convenientemente sustentar o carácter acidental da morte de Delgado e ilibar os mais altos responsáveis da PIDE e Salazar. E também porque, de modo algum similar, alguns dos mais próximos companheiros de Delgado nesta época e grandes alimentadores das suas concepções aventureiras, quiseram rapidamente fazer esquecer toda uma vasta documentação (cartas e mais cartas, planos «revolucionários» e mais «planos «revolucionários», etc., etc.) que não abona em nada o papel objectivamente negativo que desempenharam junto do General, com especial gravidade a partir de 1964 quando este se afasta da Frente Patriótica de Libertação Nacional, fica isolado dos principais sectores e personalidades antifascistas e inteiramente nas mãos de bajuladores e arrivistas, de provocadores do mais variado tipo, ou seja, o quadro ideal para que a chamada «Operação Outono» pudesse ser concretizada com êxito, a partir do papel crucial desempenhado pelo informador da PIDE Mário de Carvalho, residente em Itália, e que conseguiu chegar a representante pessoal do General e em quem este manteve total confiança apesar de sucessivos alertas e avisos designadamente do PCP.
Neste sentido, o que mais importará não é saber se a palavra «assassinato» ou «liquidação» foi ou não proferida nas conversas prévias entre Salazar, Santos Júnior, Silva Pais e Barbieri Cardoso (tudo gente boa entendedora para meia palavra lhes bastar), se Delgado foi morto a tiro ou por espancamento brutal (como a autópsia espanhola parece ter indicado) e tantas outras questões deste nível mas sim, ainda que em termos necessariamente breves e muitíssimo incompletos, insistir em dois aspectos essenciais, a saber:
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