6 de setembro de 2017
vida e obra do Festival de Nancy
Une utopie en vingt actes
Théâtre
De 1963 à 1983, la ville de Nancy est, grâce à son festival mondial, au coeur de la vie culturelle de l’époque. Dans un livre aussi vivant que documenté, Jean-Pierre Thibaudat en fait la passionnante chronique posthume.
por
Anaïs Heluin
De 1963, on se rappelle surtout l’assassinat de John Kennedy. C’est aussi une année qui se révélera capitale dans l’histoire du théâtre en France. Celle de la naissance d’un rendez-vous dont le souvenir est jourd’hui en passe de s’effacer : le Festival mondial du théâtre de Nancy (FMT), dans lequel Jean-Pierre Thibaudat voit rien de moins que « le dernier grand festival du XXe siècle ». Soit non seulement une vitrine des révolutions théâtrales de l’époque, mais aussi un laboratoire d’où sortent « de futurs grands directeurs de théâtre ou producteurs ». Un fabuleux miroir du « miracle et du mirage d’une époque », écrit le critique et écrivain, qui en fait le récit dans un beau-livre publié aux Solitaires intempestifs.
Journaliste à Libération de 1978 à 2006, Jean-Pierre Thibaudat a connu les dernières grandes éditions du FMT. Il est ensuite conseiller artistique au festival Passages, qui se tient à Nancy avant d’être déplacé à Metz.
C’est donc fort d’une importante culture lorraine qu’il reconstitue la mémoire de vingt ans de rencontres
théâtrales, en réalisant des entretiens avec de nombreux témoins et en recoupant toutes les archives auxquelles il a pu avoir accès. Résultat : une captivante chronique nourrie de sources sûres comme de souvenirs forcément transformés par le temps. L’histoire chronologique en vingt actes d’une « utopie théâtrale », sous-titre du livre.
Alors que le Théâtre des nations, à Paris, se tourne vers un art de plus en plus conventionnel, le groupe d’étudiants nancéens qui décide,en 1963, de fonder un festival se place d’emblée du côté de la nouveauté.
Des « groupes marginaux, des incisifs, des originaux ». Autant de qualificatifs que l’on ne songerait pas forcément aujourd’hui à associer au premier « animateur » du festival, dont l’édition initiale s’intitulait « Dionysies internationales du théâtre étudiant » : Jack Lang, alors étudiant à Nancy. Dans l’effervescence du théâtre universitaire de l’époque, l’événement tranche d’abord par son ambition.
Dès 1964, le festival accueille en effet vingt-sept spectacles issus de vingt pays. Le rêve commence à devenir réalité. c son écriture vive qui mêle anecdotes et informations plus officielles, Jean-Pierre Thibaudat traduit dès les premiers chapitres l’esprit subversif et contestataire pré-soixante-huitard qui nourrit le FMT. Lequel accueille en effet très tôt des artistes pour qui la révolution est aussi bien politique qu’esthétique.
Certains marqueront leur discipline. C’est le cas de la compagnie américaine Bread and Puppet Theater, qui vient pour la première fois à Nancy en 1968 avec deux spectacles dénonçant la guerre du Vietnam. Ses masques et ses marionnettes géantes deviennent les emblèmes de cette période qui constitue l’âge d’or du FMT.
L’année suivante, la révélation vient du Mexique, avec le Teatro Campesino. « Un théâtre ouvrier-paysan né d’une grève, avec un travail scénique formidablement simple, cinglant et joyeux. » Il reviendra. De même que le Polonais Jerzy Grotowski, figure importante du FMT dès ses débuts. Le festival n’a pas n’importe quelles fidélités. Et celles-ci ne naissent pas par hasard. De fait, dès les premières années, des « prospecteurs » sont envoyés à travers le monde pour repérer les talents. Une démarche rare et passionnante, à laquelle l’auteur consacre presque autant de place qu’aux spectacles programmés et à l’atmosphère électrique qui règne dans la petite ville de province. Il n’a pas besoin de souligner l’absence, dans la France actuelle, d’un festival d’une qualité artistique et humaine comparable.
Disparu avec la fin des utopies politiques qui l’ont vu naître, le FMT marque la fin d’un temps que Jean-Pierre Thibaudat a la subtilité de décrire sans nostalgie.
Pour accueillir ce qui se crée de beau aujourd’hui, ce qu’il fait sur son excellent blog « Balagan », hébergé par Mediapart. »
5 de setembro de 2017
A «reforma laboral» de 2012 vista pelo Prof. Jorge Leite
A REFORMA LABORAL EM
PORTUGAL*
Por
JORGE LEITE
Professor jubilado
Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra
Revista General de
Derecho del Trabajo y de la Seguridad Social 34 (2013)
A primeira
cousa que me desedifica,peixes, de vós,
é que vos
comeis uns aos outros.
Grande
escândalo é este, mas a circunstância o faz ainda maior.
Não só vos
comeis uns aos outros,
senão que os
grandes comem os pequenos.
Se fora pelo
contrário, era menos mal.
Se os
pequenos comeram os grandes,
Bastara um
grande para muitos pequenos;
mas como os
grandes comem os pequenos,
não bastam
cem pequenos, nem mil, para um só grande
Padre
António Vieira, Sermão de S. António aos peixes,
S. Luis do
Maranhão, Brasil, Junho de 1654
RESUMEN: O texto trata da reforma laboral introduzida pela Lei n.º
23/2012, na sequência do Memorando de Entendimento subscrito entre o Governo
Português e a Troika (FMI, CE e BCE), uma reforma concretizada em várias
medidas cujo sentido geral é o da desvalorização do trabalho, nuns casos
predominantemente económica e em outros casos predominantemente pessoal. As
alterações mais significativas dizem respeito à (i) duração do trabalho
(redução dos dias feriados e dos dias de férias e eliminação dos descansos
compensatórios), ao (ii) trabalho suplementar (redução para metade da majoração
remuneratória), à (iii) organização do tempo de trabalho (com particular
interesse para as figuras das adaptabilidades e dos bancos de horas), à (iv)
cessação do contrato com alterações do regime do despedimento por extinção do
posto e por inadaptação e à (v) redução da compensação por despedimento por
motivos objetivos e por outras formas a que a lei associa idêntico efeito. Registam-se
ainda as alterações introduzidas no regime das relações coletivas e nas
obrigações do empregador perante as autoridades do trabalho, matéria em que se
mantém a tendência para a desadministrativização do «mundo do trabalho».
PALABRAS CLAVE: Reforma laboral; medidas da desvalorização do trabalho
económica e pessoal; duração do trabalho; trabalho suplementar; organização do
tempo de trabalho; despedimento por extinção do posto e por inadaptação; redução
da compensação por despedimento por motivos objetivos.
SUMARIO: I. Notas introdutórias.- II. Medidas de desvalorização
económica.- III. Medidas de desvalorização pessoal.- IV. Outras medidas.- V.
Relações coletivas.- VI.
Atridas ou Sísifo?.
THE LABOUR REFORM IN PORTUGAL
ABSTRACT: The text
deals with the labour reform introduced by Law 23/2012, following the
Memorandum of Understanding signed between the Portuguese government and the
Troika (IMF, ECB and EC). This is achieved by implementing measures whose
general consequence is the devaluation of labour, either predominantly economic
or predominantly personal. The most significant changes relate to: (i) working
time (reduction in the number of public holidays and of the annual leave and
elimination of compensatory rest), (ii) overtime work (halving the bonus
remuneration), (iii) organization of working time (with particular interest in
the regimes of adaptability and hour banking), (iv) termination of the contract
with changes in the dismissal regime by extinction of the work post and for
maladjustment, and (v) reduction of the dismissal compensation for objective
reasons and other forms to which the law associates identical effect.
There are still
changes made to the system of collective relations and to the obligations of
the employer towards labour authorities, an issue that continues to show a
trend towards an de-administrativization of the "labour world".
KEY WORDS: Labour
reform; economic and personal devaluation of labour; working time; overtime
work; organization of working time; dismissal regime by extinction of the work
post; reduction of the dismissal compensation for
objective reasons.
SUMMARY: I.
Introduction.-II. Measures of economic devaluation.-III. Measures of personal
devaluation.-IV. Other measures.-V. Collective relations.- VI – The Atreidae or Sisyphus?.
I. NOTAS
INTRODUTÓRIAS
1. A
tragédia dos Atridas
Não deixa
de ser inquietante a invocação fundada de uma das muitas tragédias gregas para
caracterizar a história das relações entre o mercado (as leis da concorrência)
e o direito do trabalho[1]. Em «La concurrence par la
réduction du coût du travail», Gérad Lyon-Caen invocava a lenda da casa dos
Atridas, atravessada por uma sucessão «de crimes sempre vingados com crimes
maiores» radicada numa «culpa hereditária transmitida de geração em geração»,
como refere Nair Soares, da Faculdade de Letras da Universidade de Coimbra[2]. "C’est une histoire –escreve
Lyon-Caen– comparable à celle des Atrides: le Droit du travail est l’enfant du
marché et de la libre concurrence; cependant il a très tôt éprouvé une haine
envers ses parents, allant jusqu'à souhaiter les tuer. Aujourd’hui, ceux-ci veulent se venger et un infanticide menace”"[3].
Nesta invocação da casa dos Atridas, G. Lyon-Caen
parece influenciado por Séneca, o poeta filósofo mais expresssivo da
tragediografia romana, ele próprio trágico, ou não tivesse sido preceptor e
conselheiro de Nero, acometido, com frequência, por essa espécie de delírio que
é o furor (o adfectus no lugar da ratio), como lembra Nair
Soares.
Vários autores têm, aliás, dedicado
interessantes páginas a esta «incestuosa» (pais-filhos-irmãos…) relação
conflitual, de sinais raramente convergentes e com frequência dramáticos, em
especial nos casos em que, como é norma, o conflito for comandado pelas leis do
mercado, cuja mão invisível, manchada de indescritíveis sofrimentos, deixa a
marca indelével da sua tendência imperial. Mas Lyon-Caen sabia, por certo, que
as tragédias de Séneca, o filósofo estóico, «são um grito contínuo contra a
tirania, contra o mundo do arbítrio, da violência, a expressão de um ideal
prático de vida política, que se configura em moldes contrários àqueles em que
vive»[4].
É também por isso que, segundo Giancotti,
citado por Nair Soares, «todo o corpus trágico do poeta-filósofo actualiza esta
luta entre o logos a ratio e o adfectus o sentimento, a bona mens e o furor». É
a tragédia da condição humana, do que é o próprio ser humano no seu agir quotidiano.
Será, porventura, uma dessas tragédias que parece vivermos hoje, um drama de
grandes dimensões com vítimas inocentes de que os carrascos, aparentemente sem
rosto, nem sempre têm sequer consciência. São dezenas de milhões sem emprego, são
ainda mais os que têm fome e há muitos outros atormentados pela dor da
impotência. O mundo que assim se reproduz diariamente deve estar louco e,
seguramente, não é, como deveria ser, um mundo construído à volta da vida, para
recordar Ortega y Gasset.
2. O leitmotiv do texto
O leitmotiv deste texto poderia, aliás, ser
identificado, penso que com alguma propriedade, com recurso à expressão a
desvalorização do trabalho, ou, se o quisermos associar à lenda da casa dos
Atridas, a vingança dos mercados. Desvalorização, acrescente-se, num duplo
sentido que mais à frente melhor se desenvolverá: (i) em sentido económico,
patrimonial, mercantil (de valor de troca), de redução da retribuição[5] e (ii) em sentido não
patrimonial, mais psíquico, ou mais afectivo, ou mais moral, de desconsideração,
em alguns casos de real humilhação, por vezes gratuita, da pessoa que trabalha[6].
As medidas adotadas na sequência do documento
–de controversa qualificação jurídica– que ficaria conhecido por “Memorando de
Entendimento”, subscrito, por um lado, pela «troika» (FMI, CE e BCE) e, por
outro lado, pelo Governo português[7], são de natureza muito
diversa, embora aqui as pudéssemos catalogar em três grandes categorias: (i)
medidas de índole tributária, (ii) medidas de protecção social (de eliminação
ou de redução do nível e/ou do âmbito de protecção) e, obviamente, (iii)
medidas de natureza laboral.
As medidas que afectam o quotidiano das
pessoas têm sido muitas, mas foi curto o tempo de preparação psicológica para a
sua «inevitabilidade». Verdadeiramente, os defensores da estratégia da
austeridade pareciam apostados em deprimir as pessoas para em seguida as
comprimir e, se considerado necessário, reprimir, fazendo, paralelamente,
suceder as medidas a um ritmo, ainda assim, para muitos inesperado.
Além do agravamento dos preços de vários bens
e serviços, incluindo alguns de primeira necessidade, como sucedeu com o acesso
aos serviços de saúde, os transportes, a água, a energia, etc., ou com o
agravamento do IVA para a taxa máxima de 23% e a passagem de alguns bens da
taxa mínima (6%) para a taxa máxima (energia eléctrica, gás e a própria
restauração), com o OGE para 2011 e, sobretudo, para 2012 e para 2013,
acumularam-se muitas medidas todas convergentes no mesmo objectivo ou no mesmo
resultado: o do empobrecimento generalizado, ainda que muitas vezes desigual,
das pessoas e das famílias que potenciou as dificuldades de muitas empresas com
a inevitável consequência de apresentação à insolvência das mais expostas[8].
Foi a estratégia, por muitos considerada
errada e até perigosa, da austeridade –um verdadeiro austericídio, para usar um neologismo importado de Espanha, a
estratégia do «custe o que custar», para recorrer a uma expressão muito
repetida pelo Primeiro-ministro português– cuja consequência mais visível e
mais dramática terá sido a do aumento brutal do desemprego, com a inevitável
alteração, desejada ou não, de funcionamento do mercado de trabalho e o
consequente agravamento do desequilíbrio entre a oferta e a procura[9].
3. Breve referência aos
principais tipos de medidas laborais e seus antecedentes
Com muitas e claras manifestações, em
especial na Lei n.º 23/2012, de 25-6, a desvalorização –tanto no já referido sentido
de empobrecimento material (de redução dos rendimentos obtidos com a mesma
quantidade e qualidade do trabalho dependente)[10], como no também aludido sentido
de desconsideração da pessoa do trabalhador– tem vindo a objectivar-se numa
série crescente de disposições urdidas pelo legislador para um conjunto de
melindrosas situações de maior exposição das suas fragilidades, parecendo
abandonado pela lei à «cobiça do adversário» de ocasião precisamente quando
mais necessidade teria de protecção, como sucede nas situações infra descritas (ver III) com as
cláusulas que alguns civilistas designariam como «amordaçantes ou opressivas»[11].
A distinção aqui feita entre medidas de
desvalorização económica e medidas de desvalorização pessoal visa apenas
salientar o que é predominante em cada um dos correspondentes grupos de
medidas, ou, se assim se preferir, indicar o diferente ângulo de incidência da
sua análise, mas não pretende, de modo algum, insinuar sequer que as primeiras
não são também medidas de desvalorização pessoal ou que as segundas não são
igualmente medidas de desvalorização económica[12].
Sem prejuízo de referências meramente
ocasionais às restantes, este texto ocupar-se-á, quase exclusivamente, das
medidas de natureza laboral, isto é, das medidas directamente incidentes sobre
o contrato ou a relação de trabalho[13], que, por razões de ordem
expositiva, aqui subdividiremos ainda em 5 grupos: as medidas de desvalorização
predominantemente económica [II], as medidas de desvalorização predominantemente
pessoal [III], outras medidas respeitantes à relação individual de trabalho (tempo
de trabalho, despedimentos) [IV], medidas relativas às relações coletivas de
trabalho [V] Atridas ou Sísifo? [VI].
II. MEDIDAS DE
DESVALORIZAÇÃO ECONÓMICA
1. Introdução
Fazem parte deste grupo os três tipos de
medidas seguintes[14]:
– Redução dos custos salariais por
alargamento do tempo de trabalho, sem qualquer correspondência económica, como
sucede com a redução do período de férias, a redução do número de dias feriados
e a eliminação dos descansos compensatórios por prestação de trabalho
suplementar; o resultado final deste tipo de medidas é este: mais tempo de
trabalho sem qualquer aumento dos custos salariais, com a consequente diminuição
do valor da hora de trabalho normal, ou, numa outra perspectiva, criação da
figura da prestação de trabalho não pago, uma espécie de corveia dos nossos tempos (n.º 2);
– Redução do preço anteriormente pago por
determinadas prestações de trabalho [a medida referida no travessão anterior
traduz-se em mais tempo de trabalho pelo mesmo preço; esta traduz-se em
remuneração inferior pelo mesmo do tempo de trabalho] (n.º 3);
– Redução dos custos do despedimento e de
outras formas de extinção do contrato de trabalho (n.º 4).
2. Tempo de trabalho
não pago
Como vem indicado no número anterior, o trabalho
não pago resulta directamente da redução do número de dias feriados (2.1), da redução
do período de férias (2.2) e da eliminação dos descansos compensatórios por trabalho
suplementar prestado em dia útil, em dia de descanso semanal complementar e em
dia feriado (2.3).
2.1 Redução do número
de dias feriados
Até à entrada em vigor de CT2, havia 2 tipos
de dias feriados: eram 12 os feriados obrigatórios[15] –1 de Janeiro, sexta feira santa, domingo de Páscoa, 25 de Abril,
1 de Maio, 10 de Junho, dia de Corpo de Deus, 15 de agosto, 5 de outubro, 1, 8
e 25 de dezembro– e eram 2 os feriados facultativos[16] – terça feira de carnaval
e dia do município.
A Lei n.º 23/2012 reduziu o número de feriados
obrigatórios de 12 para 8, tendo eliminado dois feriados religiosos, o dia de
Corpo de Deus, festa móvel, e o dia 1 de novembro, dia de todos os santos, e
dois civis, o dia 5 de outubro, dia da implantação da República, e o dia 1 de
dezembro, dia da restauração da independência nacional. Entretanto, o CT2 havia
eliminado os 2 feriados facultativos, embora tenha permitido a possibilidade da
sua criação por via de acordo entre trabalhadores e empregadores.
2.2 Redução do período de férias
Uma das novidades do CT2 foi a da
fragmentação do período de férias em 2 segmentos: um, de 22 dias úteis[17], correspondente às férias
como direito não condicionado à assiduidade ou efetividade de serviço e o outro,
de 1 a 3 dias úteis, associado à ideia do combate ao absentismo. Para que o
trabalhador adquirisse o direito a esta espécie de prémio[18], seria necessário reunir
duas condições respeitantes ao ano civil anterior:
a) Não ter dado uma única falta
injustificada;
b) Não ter ultrapassado um dia (ou dois meios
dias) de faltas justificadas, ou dois dias (4 meios dias), ou 3 dias (ou seis
meios dias) para ter direito ao prémio de, respectivamente, 3, 2 ou 1 dia útil
de férias[19].
A Lei 23/2012 revogou todas as normas respeitantes
ao referido segmento de férias, reduzindo, deste modo, a sua duração para 22
dias úteis correspondentes ao segmento das férias como direito.
2.3 Eliminação dos descansos compensatórios
Um dos efeitos associados ao trabalho
suplementar realizado em dia útil ou em dia feriado ou em dia de descanso
complementar era o de um descanso compensatório correspondente a 25% das horas
prestadas (art. 229.º do CT2), descanso que deveria ser gozado nos 90 dias
posteriores àquele em que os descansos assim adquiridos somassem o tempo
correspondente ao período normal de trabalho do trabalhador[20].Assim, se, por exemplo,
um trabalhador prestasse, num ano civil, 160 horas de trabalho suplementar,
teria direito a 5 dias de descanso compensatório, isto é, o equivalente a uma
semana de trabalho.
A Lei 23/2012 veio revogar todas as normas que
associavam um tal efeito ao trabalho suplementar que havia sido introduzido por
uma lei de 1983 (Decreto-lei n.º 421/83, de 2-12), operando, deste modo, mais
uma redução dos custos salariais à custa dos trabalhadores através do aumento
do tempo de trabalho não pago.
3. Redução do preço
pago por determinadas prestações de trabalho
Com alguns sinais nas leis do OGE para 2012 e
para 2013 para os trabalhadores da Administração Pública e do sector
empresarial do Estado, a redução directa dos custos salariais de determinadas
prestações de trabalho viria a ser contemplada para a generalidade dos
trabalhadores do sector privado na Lei n.º 23/2012 e concretizada através das
medidas seguintes: redução da majoração remuneratória do trabalho suplementar
prestado em dia útil, em dia de descanso semanal complementar e em dia feriado
(3.1), redução do montante a pagar por trabalho (normal) prestado em dia
feriado em empresa dispensada de encerrar (3.2) e redução do preço devido por
isenção de horário de trabalho (3.3).
3.1 Redução das majorações do trabalho
suplementar
Com a entrada em vigor da Lei 23/2012, as
majorações do trabalho suplementar foram todas reduzidas para metade: as do
trabalho prestado em dia útil passaram de 50% na primeira hora e de 75% nas
horas subsequentes para, respetivamente, 25% e 37,5%, e as do trabalho prestado
em dia de descanso complementar ou em dia feriado de 100 para 50%[21].
3.2 Redução do preço do trabalho normal
prestado em dia feriado
Tratando-se de trabalho em empresa legalmente
dispensada de encerrar em dia feriado, em regra empresa de laboração contínua, por
isso legalmente, mas não pacificamente, qualificado como trabalho normal, deverá
este ser pago, depois da entrada em vigor da Lei 23/2012, por metade do preço do
trabalho normal realizado em qualquer dia útil. Trata-se, pois, de um trabalho
prestado em dia festivo –de que, por isso mesmo, todos os demais trabalhadores
estão dispensados– pago não apenas sem qualquer majoração com, inclusivamente,
por metade do valor do trabalho prestado em dia útil. Assim, se um trabalhador,
como um salário mensal de 728€, trabalhar nos 22 dias úteis de um determinado
mês e, além disso, prestar trabalho em um dia feriado, neste caso, para este
efeito, o 23.º dia de trabalho do mês, por ele receberá metade do que recebe pelas
8 horas de trabalho prestado em dia útil, isto é, um trabalhador com um salário
mensal de 728€ e 40 horas de trabalho normal por semana, receberia pelas 8
horas de trabalho do dia feriado 16,8€, de acordo com as regras de cálculo do
valor da hora normal[22]. Verdadeiramente, recebe
ainda menos de metade já que o preço real de um dia de trabalho normal é
bastante superior ao que resulta das referidas regras de cálculo normativamente
fixadas[23].
3.3 Redução do preço da isenção de horário de
trabalho
Com a redução da majoração do trabalho
suplementar reduziu-se também, automaticamente, a remuneração por isenção de
horário de trabalho à qual esta se encontrava, e encontra, supletivamente
indexada. Sendo o horário de trabalho a determinação da hora de entrada e de
saída do trabalho bem como do intervalo de descanso (art.200.º), compreende-se
que a isenção de horário, em qualquer uma das suas três modalidades (art. 219.º),
se traduza numa incomodidade, numa desvantagem, para o trabalhador a ela
sujeito, por referência ao trabalhador não isento[24], incomodidade paga, nos
termos do art. 265.º, de acordo com o que estabelecer a convenção coletiva de
trabalho ou, na falta desta, por um montante não inferior à retribuição de uma
hora de trabalho suplementar por dia ou de 2 horas por semana quando a
modalidade de isenção for a da observância do período normal de trabalho[25].
4. Redução do custo
do despedimento e de outros casos de extinção do contrato
4.1 Introdução
Nos termos da lei portuguesa, um contrato de trabalho
pode terminar, recorrendo ao critério do papel da vontade do empregador e do
trabalhador, por (i) decisão conjunta das partes (acordo de revogação como a
designa o CT), (ii) por decisão do empregador (despedimento, segundo a
terminologia mais corrente), (iii) por decisão do trabalhador (denúncia ou
resolução na terminologia civilista, ou «civilizoidal», reintroduzida pelo CT1 que
o CT2 manteve) e (iv) por cumprimento do contrato ou impossibilidade de
cumprimento superveniente, absoluta e definitiva (caducidade como a lei designa
a generalidade destas situações).
O despedimento, que é sempre causal[26], pode ter como seu
fundamento um motivo inerente ou um motivo não inerente ao trabalhador[27]. Ao despedimento por
motivos inerentes ao trabalhador (no caso português o motivo deverá ter sempre
a natureza de uma infracção disciplinar, correntemente designada por justa
causa), não associa a lei qualquer efeito indemnizatório ou compensatório[28], diferentemente do que
sucede com as várias modalidades de despedimento por motivos não inerentes ao
trabalhador, caso em que é sempre devida uma compensação[29].
4.2 A compensação por despedimento fundado em
motivo não inerente ao trabalhador
Esta compensação é, como antes, calculada em
função de dois factores, a antiguidade e a retribuição do trabalhador, mas o
seu montante foi reduzido de 30 para 20 dias de salário base e diuturnidades por
cada ano de antiguidade (Lei 53/2011 e Lei 23/2012).
Este último diploma não se limitou, porém, à
redução de 1/3 da anterior compensação. Na verdade, introduziu outras
alterações sobre esta matéria com alguma relevância. Assim:
a) Eliminou a compensação mínima antes
prevista (correspondente a 3 anos de antiguidade);
b) Introduziu dois limites máximos (dois
tectos) para o montante da compensação: não pode esta ultrapassar 12 vezes a
retribuição base mensal e diuturnidades (neutralizando, assim, para este efeito,
os anos de antiguidade posteriores), nem o montante correspondente a 240
salários mínimos (240x485€);
c) Dividiu a antiguidade dos contratos
celebrados antes de 31 de outubro de 2011 em dois segmentos: a antiguidade
«antiga» (a decorrida desde o início de vigência do contrato até 31 de Outubro
de 2012) que continuaria a dar direito a uma compensação correspondente a um
mês de retribuição por cada ano, e a antiguidade «nova» (a posterior a 31 de
outubro de 2012) a que se aplicarão as novas regras de cálculo[30].
A Lei 23/2012, à semelhança da Lei 53/2011,
prevê ainda a criação de um “fundo de compensação do trabalho ou mecanismo
equivalente” que será responsável pelo pagamento de uma parte da compensação do
trabalhador nos termos que a legislação específica (ainda não aprovada) vier a
estabelecer.
Nos termos do previsto no Memorando de
Entendimento, está em curso a aprovação de uma nova lei de redução destas
compensações para a chamada média
europeia que, segundo um estudo do governo, se situaria entre os 8 e os 12
dias por ano de antiguidade, números contestados pelas centrais sindicais.
4.3 Outros casos compensação por extinção do
contrato
A lei portuguesa prevê outros casos de
compensação por extinção do contrato, legalmente qualificados como casos de
extinção por caducidade, pelo menos aparentemente sem grande rigor na medida em
que a extinção é, afinal, um efeito de uma decisão do empregador por ele
directa ou indirectamente pretendido[31], casos expressamente
contemplados na secção II (arts. 343.º a 348.º), com a epígrafe caducidade, do capítulo sobre cessação
do contrato de trabalho.
Os casos ali previstos são os seguintes:
a) Caducidade por morte do empregador
individual se os sucessores, ou algum deles, não continuarem a actividade ou se
não houver transmissão da empresa ou estabelecimento para terceiros (art.
346.º/1);
b) Caducidade por extinção de pessoa
colectiva empregadora quando se não verifique transmissão da empresa ou
estabelecimento (art. 346.º/2);
c) Caducidade por encerramento total e
definitivo da empresa (art. 346.º/3);
d) Caducidade por encerramento de
estabelecimento de empregador judicialmente declarado insolvente[32];
e) Cessação de contrato de trabalho de
«trabalhador cuja colaboração não seja indispensável ao funcionamento da
empresa», decidida pelo administrador da insolvência antes do encerramento
definitivo do estabelecimento (art. 347.º/2).
4.4 A compensação por extinção de contrato a
termo[33]
O ordenamento jurídico português permite o
recurso a contratos a termo, certo ou incerto, e considera que o mesmo cessa
com o decurso do prazo estabelecido ou com a verificação do evento a que as
partes associaram o efeito extintivo. Esta seria, aliás, uma espécie de «morte
natural» desta modalidade de contratos (o contrato extingue-se porque se
cumpriu, porque se exauriu). Por razões conhecidas, ligadas, nomeadamente, ao
princípio da conservação dos contratos, no nosso caso melhor se diria ao
princípio da estabilidade do emprego, exige, porém, a lei, não como causa mas como
condição de produção de um tal efeito dos contratos a termo certo, que o
empregador comunique ao trabalhador, com determinada antecedência, a vontade de
o não manter, não exigindo, porém, condição de extinção de idêntica natureza
para os contratos a termo incerto.
Atribuía a lei aos trabalhadores cujo
contrato a termo terminasse nas condições acabadas de referir o direito a uma
compensação que de 2 ou 3 dias de retribuição por cada mês de vigência do
contrato, conforme a sua duração fosse ou não superior a seis meses.
Com a entrada em vigor da Lei 23/2012, esta
compensação passou a ser calculada nos termos gerais, ou seja, passou a ser de
20 dias de retribuição base e diuturnidades por cada ano completo de antiguidade
ou, se for o caso, proporcional à fracção de ano. Assim, um trabalhador cujo
contrato durar 15 meses terá direito a 20 dias correspondentes ao ano completo
(12 meses) e a mais 3/12 de 20 dias correspondentes aos restantes 3 meses
(fracção de ano), num total de 25 dias, quando, na vigência das regras
anteriores, teria direito a 30 dias.
III. MEDIDAS DE
DESVALORIZAÇÃO PESSOAL
1. Introdução
Como se não bastasse a desvalorização
económica do trabalho acabada de referir, com as suas inevitáveis consequências
na qualidade de vida do trabalhador e dos que dele dependem, em particular nos
casos em que mais reduzidos são os seus rendimentos salariais, por regra os das
pessoas sem ou com mais fracos recursos de outra fonte, as últimas reformas
têm-se caracterizado por um conjunto de medidas que nos interpelam acerca do “grau
de consideração social do ser humano no trabalho”. Sobretudo numa época e numa
região do mundo em que tão invocada tem sido a dignidade da pessoa humana, em
que todas as forças sociais, religiosas e políticas nela dizem encontrar uma
inequívoca marca civilizacional, parece ajustada a interpelação de algumas
dessas medidas para nos interrogarmos sobre as suas causas e sobre as suas
consequências.
As últimas reformas laborais têm, com efeito,
multiplicado a adoção de medidas susceptíveis de atingirem aspectos psíquicos
ou morais das pessoas por elas atingidas, com implicações suscetíveis de se
comunicarem ou de se projectarem fora da empresa[34], designadamente na vida
social e, em particular, na vida familiar dos trabalhadores atingidos.
Refiro-me, em especial, àquelas normas que
permitem, se é que não estimulam, situações de constrangimento psicológico ou
mesmo de humilhação, ostensiva ou dissimulada, da pessoa do trabalhador
surpreendido em alguns dos momentos de maior fragilidade, em particular nos
momentos de acesso ao emprego ou de risco de perda do emprego conseguido.
Alguns exemplos de normas desta natureza nos ajudarão a compreender melhor o sentido
desta observação crítica, como serão os casos das normas sobre mobilidade
geográfica (n.º2) ou sobre mobilidade funcional (n.º 3), ou ainda sobre não
renovação dos contratos a termo certo (n.º 4), dos silêncios positivos dos
trabalhadores (n.º 5) e de outras inferências de determinado comportamento do
trabalhado (n.º 6), exemplos de normas que merecem algumas considerações finais
(n.º 7).
2. As normas sobre
mobilidade geográfica
O local de trabalho é um dos elementos que,
expressa ou tacitamente, fazem parte do conteúdo contratual. «O trabalhador
deve, em princípio, exercer a sua actividade no local contratualmente
estabelecido», como o CT2 dispõe no n.º 1 do art. 193.º(ver também o art. 129.º
1-f). Para além das deslocações inerentes às funções a que está adstrito ou
indispensáveis à sua formação profissional (n.º 2 do art. 193.º), o art. 194.ºdo
mesmo diploma prevê, porém, os casos ou as condições em que o empregador pode,
unilateralmente, transferir o trabalhador, temporária ou definitivamente, para
outro local: quando houver mudança ou extinção, total ou parcial, do
estabelecimento onde o trabalhador presta serviço para outro local ou quando
outro motivo do interesse da empresa o exija e a transferência não implique
prejuízo para o trabalhador[35]. Esta faculdade do
empregador pode agora, desde a entrada em vigor do CT1, ser alargada,
aparentemente sem limites, ou restringida, desde que nisso acordem as partes em
cláusula contemporânea ou posterior à conclusão do contrato.
Ora, aquela que viria a ser conhecida como
cláusula de mobilidade, nos termos da qual o trabalhador se obriga a
desempenhar as suas funções numa dada localidade ou em qualquer outra, do
continente e das regiões autónomas ou mesmo de qualquer outro Estado membro da
União Europeia [ou outros] tem vindo a tornar-se uma cláusula de estilo, passando a ser incluída em elevado número de
contratos com ou sem prazo, isto é, de duração indeterminada ou indeterminada.
Quer dizer, contra os seus interesses e sem
qualquer compensação por uma tal incomodidade ou prejuízo que o torna um
potencial desobediente sujeito às correspondentes sanções, incluída a de despedimento,
o trabalhador é, deste modo, colocado na situação de ter de renunciar
antecipadamente a um seu direito fundamental, pondo, inclusivamente, em risco a
conciliação da sua vida profissional com a sua vida extraprofissional e, em
particular, com a sua vida familiar. Para evitar, porém, o maior de todos os
custos, desde logo o de continuar em situação de desemprego e, eventualmente, o
de passar mesmo à situação de desemprego voluntário, não deixará de concluir o
contrato com a cláusula de mobilidade, mas também, seguramente, não deixará de
se sentir coagido e, porventura, silenciosamente revoltado com tão
desequilibrada cláusula.
3. As normas de
mobilidade funcional
Considerações de idêntico teor se poderão
tecer a propósito da chamada mobilidade funcional. Também neste âmbito a lei
portuguesa consagra o princípio da contratualidade da actividade a realizar
(arts. 11.º, noção de contrato de trabalho, e 115.º, determinação da actividade
do trabalhador) e o princípio da coincidência entre a actividade contratada e a
desempenhada (art. 118.º) e também aqui prevê e regula os casos de mobilidade
funcional permitida (ius variandi): o
trabalhador pode ser obrigado a desempenhar temporariamente funções não
compreendidas na actividade contratada, desde que não haja modificação
substancial da sua posição (n.º 1 do art. 120.º), nem redução da retribuição
(n.º 4 do mesmo artigo). Admite, porém, o n.º 2 desta disposição legal que,
«mediante acordo, as partes podem alargar ou restringir a faculdade conferida
no n.º 1». Ou seja, a lei abre as portas à inclusão de cláusulas contemporâneas
ou supervenientes de alargamento, aparentemente sem limites expressos, das
tarefas que o trabalhador declara aceitar realizar.
Embora com menor frequência, também uma tal
cláusula se tornou numa “cláusula de estilo” que tende a ser incluída na
generalidade dos contratos e, à semelhança do que vem sucedendo com a cláusula
de mobilidade geográfica, também ela tem sido usada com um sentido único: o do
alargamento dos poderes do empregador.
4. A cláusula de não
renovação de contrato a termo certo
A extinção do contrato a termo (ou a prazo)
certo depende, desde as primeiras leis gerais do trabalho, não apenas do
decurso do prazo ou da verificação do evento a que as partes associaram aquele
efeito jurídico, como também, certamente em homenagem ao princípio da
conservação do contrato ou do emprego, da prévia comunicação escrita do
empregador da vontade de o não renovar (art. 344.º). Da extinção do contrato
(caducidade) operada nos termos descritos resulta para o trabalhador o direito
a uma compensação a que supra se fez referência em II/4.4.
Apesar de magra, nem por isso a lei deixou de
abrir a porta à possibilidade de o empregador se exonerar de uma tal obrigação,
bastando, para o efeito, que faça incluir no contrato uma cláusula de não
renovação, o que lhe não será difícil, alcançando, por essa via, uma dupla
vantagem:
– Reduz o risco de renovação do contrato ou
mesmo o da sua conversão em contrato sem prazo, uma vez que ao atraso ou à
falta de comunicação, não associa a lei outro efeito que não seja o da sua
extinção;
– Evita a obrigação de compensação legalmente
imposta, o que, num País de alta taxa de precariedade, não deixa de ser
significativo. Recorde-se, a este propósito, que a lei portuguesa, apesar da
norma constitucional (art. 53.º) que a todos garante a segurança no emprego,
admite, desde 1989, contratos a termo para lançamento de nova actividade ou
abertura de nova empresa ou estabelecimento, e contratos a termo de
trabalhadores à procura de 1.º emprego ou de desempregados de longa duração.
Como se sublinhará mais à frente, não será
exigível que o trabalhador rejeite a conclusão do contrato apesar destas
«maldades» estranhamente permitidas ou estimuladas pela lei.
5. Os silêncios
[forçadamente] positivos do trabalhador
Porventura ainda mais estranho é o
alargamento dos casos de atribuição do sentido de resposta positiva ao silêncio
do trabalhador às propostas do empregador. Como se repetirá mais à frente, além
de poderem ser criados por convenção colectiva, tanto a chamada “adaptabilidade
do tempo de trabalho” (art. 205.º), como o designado banco de horas (art. 208.º-A) podem ser instituídos por contrato
individual com observância do procedimento, praticamente igual, expressamente
previsto no n.º 4 de cada um dos citados artigos: proposta escrita do
empregador e falta de resposta escrita de oposição do trabalhador nos 14 dias
seguintes, sob pena de o seu «silêncio escrito», mesmo quando acompanhado de
oposição verbal, se entender como aceitação da proposta. Para que se considere
instituído o regime de adaptabilidade individual ou o regime do banco de horas
individual, a lei não exige, na verdade, uma resposta de aceitação expressa ou
tácita por parte do trabalhador; a lei basta-se com um facto negativo: a falta
de oposição escrita à proposta no prazo de 14 dias.
Sucede, porém, que nem mesmo a «arriscada»
resposta escrita de não aceitação (de opting
out) pode ser suficiente para que o trabalhador se mantenha fora do perímetro
dos trabalhadores vinculados ao regime assim instituído com outros
trabalhadores, já que à entidade empregadora, verificadas certas
circunstâncias, é atribuído o excecional poder de o tornar obrigatório para todos
os que pertençam à mesma equipa, ou à mesma secção, ou à mesma unidade
económica. A este fenómeno de extensão da figura da adaptabilidade individual
ou da figura do banco de horas individual a trabalhadores que expressamente a
recusaram designou-o a lei por, respectivamente, adaptabilidade grupal (ar. 206.º) e banco de horas grupal (art. 208.º-B).
6. A norma sobre
aceitação de compensação
Uma das condições de validade do despedimento
por motivos não inerentes ao trabalhador – despedimento colectivo, despedimento
por extinção do posto de trabalho e despedimento por inadaptação – é a do
pagamento, até ao termo do correspondente prazo de aviso prévio, da
compensação, bem como dos créditos vencidos e dos exigíveis por efeito da
cessação do contrato de trabalho [n.º 5 do art. 363.º[36], n.º 4 do art. 371.º e
n.º 1 do art. 379.º, conjugados com o disposto na alínea c) do art. 383.º, a
alínea d) do art. 384.º e a alínea c) do art. 385.º].
Presume-se, porém, que o trabalhador aceita o
despedimento quando recebe a compensação prevista no art. 366.º, isto é, a
compensação por despedimento por motivos não inerentes ao trabalhador. Eis uma
presunção que suscita muitas dúvidas, desde logo de ordem
jurídico-constitucional, por não ter em conta, designadamente:
– Que o trabalhador, no momento em que recebe
a compensação, não está em condições, nem para tanto terá preparação técnica,
de saber se o despedimento (ou extinção) é ou não válido, isto é, se padece ou
não de algum vício invalidante;
– Também não está em condições de recusar, ou
não é exigível que recuse, a compensação, não apenas por saber que os seus
rendimentos vão, com alta probabilidade, reduzir-se, mas também porque,
independentemente da regularidade ou irregularidade da extinção, aquela
compensação pertence-lhe pelo menos até ao momento em que, em consequência de
uma eventual declaração de invalidade, o trabalhador opte por regressar à
empresa;
– Além disso, por mais razão jurídica que lhe
assista, quem vai garantir ao trabalhador que não aceita a compensação que a
empresa ainda existe quando terminar o processo judicial de impugnação do
despedimento, ou, tendo aceite a compensação, quem lhe vai garantir, à data em
que promove a elisão da presunção, que o empregador está em condições de lha
restituir se o tribunal lhe der razão?
– Acresce ainda que o trabalhador pode ver-se
–será mesmo o caso normal– em situação de necessidade de recorrer à compensação
que lhe foi paga para fazer frente às despesas do quotidiano pessoal e
familiar. Que vai fazer o trabalhador nessas condições? Manter o dinheiro
debaixo do colchão ou num depósito bancário para poder restituí-lo se resolver elidir
a presunção quando tiver conhecimento de que, afinal, aquela extinção é nula ou
anulável? Quem pensa o legislador que é a pessoa ocultada pelo trabalhador? E
não constituirá uma tal condição um constrangimento inaceitável ao exercício de
direitos fundamentais, designadamente, nestes casos, do direito ao trabalho e
do direito de acesso aos tribunais …?
7. Considerações
gerais
Desconsideração da pessoa do trabalhador é,
talvez, a expressão que melhor traduz o sentido do grupo de medidas indicadas
nesta parte deste trabalho. São medidas que surpreendem até pelo desconcerto
que introduzem no discurso oficial dos estados democráticos ocidentais e de
organizações internacionais, de âmbito regional ou universal, um discurso
frequentemente engalanado de nobres invocações, designadamente aos direitos
fundamentais e à sua matriz referencial da dignidade do ser humano,
especialmente relevante nas situações de maior vulnerabilidade.
Esta desconsideração que promove,
subliminarmente, a identificação do trabalhador com os descartáveis
(fungíveis), os de magros recursos, os de reduzido património social, os de
baixa escolaridade, os que não sabem falar, os que não têm voz, os de carácter
corroído pelas sucessivas amarguras da vida, afinal os descendentes do antigo
servo, herdeiro, por sua vez, do escravo, o precário, talvez mesmo o ZÉ que
NINGUÉM quer ser, de que falava Wilhelm Reich, ou, sabe-se lá, os «preguiçosos
ou as cigarras do sul».
A prática legislativa que fixa determinadas
condições de trabalho para, logo depois, permitir o seu afastamento ou a sua
substituição por piores condições desde que nisso acorde o trabalhador ou desde
que às correspondentes propostas do empregador se não oponha expressamente (e,
em alguns casos, por escrito) é, no mínimo, uma prática não neutra, uma prática
colorida de hipocrisia, já que o legislador sabe, ou não deve desconhecer, que
a margem de liberdade ou, para usar uma expressão de que tanto gostam os
neoliberais, a liberdade de escolha, é excessivamente estreita para esperar, na
esmagadora maioria dos casos, uma resposta de oposição à proposta do
empregador.
Estas cedências da lei laboral ao dogma da soberania
da vontade, de que o direito do trabalho havia sido, aliás, uma das primeiras
manifestações de ruptura[37], com o sacrifício da
liberdade real, fazem recordar as críticas que muitos autores fizeram aos
códigos oitocentistas que, para citar F. Wieacker, renunciaram a uma ética
material dos contratos (…) e não colocaram o problema da ameaça da liberdade
social pela liberdade contratual[38], fazendo mesmo lembrar,
em muitos casos, uma velha expressão popular, devidamente adaptada, em
particular quando confrontado com o atual direito dos consumo: «direito
civil volta, estás perdoado!».
Verdadeiramente, estas
normas vêm permitir uma espécie de reserva do empregador de modificação
unilateral das condições de trabalho, ou, de uma outra perspectiva, uma espécie
de renúncia antecipada do trabalhador aos seus direitos, em especial, ao seu direito
ao trabalho e a uma certa estabilidade das condições de trabalho. Num dos
acórdãos em que o TC se referiu aos dois direitos acabados de citar, pode
ler-se o seguinte (acórdão 581/95):
«A Constituição, no artigo 53.º, garante aos
trabalhadores “a segurança no emprego, sendo proibidos os despedimentos sem
justa causa ou por motivos políticos ou ideológicos”. Esta garantia constitui
uma manifestação essencial da fundamentalidade do direito ao trabalho e da
ideia conformadora de dignidade que lhe vai ligada. Por via dela se afirma em
modo paradigmático a influência jus-fundamental nas relações entre privados,
que não é aí apenas uma influência de irradiação objectiva, mas uma influência
de ordenação directa das relações contratuais do trabalho.
E é também o valor da autonomia que se
realiza no programa da norma constitucional do artigo 53.º. A Constituição
deixa claro o reconhecimento de que as relações do trabalho subordinado não se
configuram como verdadeiras relações entre iguais, ao jeito das que se
estabelecem no sistema civilístico dos contratos. A relevância constitucional
do ‘direito ao lugar’ do trabalhador envolve um desvio claro da autonomia
contratual clássica e do ‘equilíbrio de liberdades’ que a caracteriza. É que as
normas sobre direitos fundamentais detêm, no plano das relações de trabalho,
uma eficácia de protecção da autonomia dos menos autónomos. Aqui é evidente o
desiderato constitucional de ligação da liberdade fáctica e da liberdade
jurídica. A Constituição faz depender a validade dos contratos não apenas do
consentimento das partes no caso particular, mas também do facto de que esse
consentimento ‘se haja dado dentro de um marco jurídico-normativo que assegure
que a autonomia de um dos indivíduos não está subordinada à do outro’ (C. S. Nino, Ética y Derechos Humanos, Buenos Aires, 1984, pág. 178)».
Como seria de esperar
e já atrás se referiu, não há conhecimento de trabalhador que recuse o emprego
(recuse assinar o contrato) por causa da inclusão de alguma das cláusulas que
vêm sendo referidas, tudo contribuindo para o esmagamento, praticamente
gratuito, da sua ‘alma’, para usar uma expressão seguramente controversa mas
também sugestiva, e para realçar a hipocrisia do legislador que «dá» com uma
mão o que com a outra se apressa a permitir retirar. É preciso, além de ser
justo, ajudar Sísifo. A lei não pode limitar-se a pretender garantir o
consentimento das partes; deve preocupar-se também em garantir a sua qualidade.
IV. OUTRAS
MEDIDAS
1. A
precariedade
A precariedade tem
sido uma marca quase sempre presente nas sucessivas reformas das leis do
trabalho dos últimos anos, traduzida em especial nas alterações ao regime dos
contratos temporários (1.1), ao aumento e consequente diversificação da oferta
de «produtos laborais» (1.2) e ao recurso cada vez mais frequente aos
expedientes do direito dos negócios (1.3).
1.1 O regime dos
contratos a prazo
O ordenamento
jurídico português é relativamente «generoso» no tratamento que dispensa a esta
modalidade de contratos. Generoso, desde logo:
a) No que respeita à
previsão dos tipos de situações que legitimam o recurso a esta modalidade de
contrato de trabalho, permitindo, designadamente, o seu uso para satisfação de
necessidades permanentes da empresa, como sucede, a título de exemplo, com o disposto
no n.º 4 do art. 140.º do CT2, nos termos do qual «além das situações previstas
no n.º 1[39],
pode ser celebrado contrato de trabalho a termo certo para: a)
Lançamento de nova actividade de duração incerta, bem como início de laboração
de empresa ou de estabelecimento pertencente a empresa com menos de 750
trabalhadores; b) Contratação de trabalhador à procura de primeiro
emprego, em situação de desemprego de longa duração ou noutra prevista em
legislação especial de política de emprego». Estas são medidas que se poderiam
entender como medidas de carácter conjuntural de política de emprego incluídas
em outro tipo de normas diferentes daquelas em que vêm inseridas, suscetíveis,
por isso mesmo, de censura jurídico-constitucional;
b) O mesmo se diga do
limite máximo de duração dos contratos em causa: até seis anos a dos contratos
a termo incerto e, nos contratos a termo certo, até 18 meses nos casos de
contratos de trabalhadores à procura de primeiro emprego, ou 24 meses nos casos
de contratos para lançamento de atividade nova ou de início de laboração ou de
trabalhador desempregado de longa duração, ou até 3 anos, prazo máximo normal,
para os demais casos, sucedendo agora que, estes, verificadas certas
circunstâncias, poderão renovar-se extraordinariamente mais duas vezes até mais
3 anos, nos termos previstos na Lei n.º 3/2012, de 10-1;
c) No tratamento mais
flexível dos designados contratos de muito curta duração (até 15 dias),
dispensando os que a eles recorrerem de algumas exigências aplicáveis aos
restantes, como é o caso da forma.
1.2 O aumento da
oferta dos «produtos laborais» tipificados
Na secção IX do
capítulo I do título I da parte I, o CT2 tipifica 6 modalidades de contrato, a
saber: (i) a termo certo e a termo incerto, (ii) a tempo parcial, (iii)
intermitente, (iv) em regime de comissão de serviço, (v) de teletrabalho e (vi)
temporário (os contratos celebrados com uma empresa de trabalho temporário).
Esta panóplia de modalidades de contrato alarga, naturalmente, o espaço de
opção da entidade empregadora, uma vez que, na hora de novas admissões, aumenta
o seu leque de opções, facilitando-lhe o recurso à que lhe parecer mais
ajustada aos seus interesses.
Embora não venha
incluída na referida secção IX ou dificilmente possa ser considerada uma
variante da modalidade de trabalho a tempo parcial, deve ter-se em conta o
disposto no n.º 2 do art.203.º sobre período normal de trabalho daqueles que
prestem trabalho exclusivamente em dias de descanso semanal da generalidade dos
demais trabalhadores da empresa ou estabelecimento, e o disposto no art. 209.º
que permite a concentração do período normal de trabalho em 4 dias ou mesmo em
apenas 3 dias.
1.3 Recurso a figuras
do direito dos negócios ou a ‘produtos comerciais’
Uma das vias de
flexibilização do uso da força de trabalho tem sido a do recurso, cada vez mais
frequente, a figuras do direito dos negócios. Depois do trabalho autónomo,
fraudulento ou não, e do trabalho temporário[40], as entidades que mais
têm contribuído para a deslaboralização do trabalho (a fuga para o direito dos
negócios), são agora as empresas prestadoras de serviços, em particular as que
preferem a designação de empresas de outsourcing[41].
Muito ativas em
certos setores, designadamente no da saúde, estas empresas usam a figura do outsourcing, ainda rodeada de alguma
nebulosidade conceitual, como biombo atrás do qual escondem, com frequência,
meras cedências ilícitas de trabalhadores, contribuindo para desestruturar o
mercado normal de emprego e, consequentemente, para desvalorizar o trabalho,
tanto do ponto de vista económico, como do ponto de vista pessoal.
2.
Flexibilização da gestão do tempo de trabalho
Já atrás se fez
referência à importância das últimas alterações respeitantes ao tempo de
trabalho e, em particular, às regras relativas ao seu uso ou à sua gestão,
designadamente no ponto 2 da parte II e nos pontos 3 e 5 da parte III. Restará
acrescentar agora as principais medidas que alargam os poderes do empregador de
gestão do tempo de trabalho, em especial as medidas concretizadas em duas
figuras relativamente recentes no ordenamento jurídico português: a figura da
adaptabilidade (2.1) e a figura do banco de horas (2.2)[42].
2.1 A figura da
adaptabilidade
Adaptabilidade é o
nome dado ao poder de fixar o tempo de trabalho normal em termos médios, ou, se
assim se preferir, ao poder de redistribuição do tempo de trabalho normal em
fases de maior e de menor densidade laboral para proporcionar ao empregador que
comprou por certo preço uma dada quantidade do tempo do trabalhador um uso mais
ajustado às suas necessidades sem agravamento dos custos salariais. Desta
forma, a lei contorna, pelos vistos com sucesso jurídico, os limites impostos à
duração do trabalho diário e/ou semanal pelo direito internacional e pelo
direito constitucional[43]. Se um trabalhador
estiver contratualmente obrigado a trabalhar 8 horas por dia e 40 por semana, o
seu empregador não viola estes limites se, por exemplo, redistribuir as 400
horas de 10 semanas em dois períodos deslocando 80 horas das últimas 5 semanas
para as 5 primeiras. O trabalhador irá trabalhar 56 horas em cada uma das
semanas de maior densidade laboral, mas, com o recurso a uma espécie de
alquimia de fácil compreensão, «respeitar-se-á» a regra das 40 horas por semana
e das 8 horas por dia: basta que se pense em termos de período de referência
–uma nova unidade de medida– para tudo ficar sanado deste ponto de vista. A
matemática não engana, sendo que, com efeito, 5x56h+5x24h=400 horas cujo
resultado, dividido por 10 semanas, é de 40 horas e, dividido pelos 50 dias
úteis do período de referência, é de 8 horas.
A adaptabilidade pode
ser instituída por convenção coletiva ou mesmo por contrato individual de
trabalho ou, verificadas certas condições, por extensão do empregador da
adaptabilidade coletiva ou da adaptabilidade individual.
a) A “adaptabilidade coletiva”,
a que é instituída por convenção coletiva, deverá respeitar os limites
seguintes:
– 12 horas diárias (o
limite das 8 horas pode ser aumentado até 4 horas);
– 60 horas por
semana, contando, para este efeito, todo o trabalho realizado, normal ou não,
com exceção do trabalho suplementar prestado por motivo de força maior;
– 50 horas em média
num período de 2 meses.
Como se pode ver, o
exemplo acima figurado observaria todos os limites estabelecidos no art. 204.º,
pelo que não mereceria qualquer censura jurídica;
b) A “adaptabilidade
individual” (expressão usada na epígrafe do art. 205.º) tem como sua fonte
instituidora o acordo concluído entre o empregador e o trabalhador, acordo que,
como já atrás se referiu, obedece a um procedimento curioso: (i) proposta
escrita do empregador (pensa-se que com indicação concretizada dos elementos
que a seguir se referem) e (ii) falta de oposição escrita do trabalhadores nos
14 dias seguintes ao conhecimento da proposta. Esta modalidade deverá respeitar
os limites seguintes:
– 2 horas de aumento
do período normal diário;
– 50 horas como
limite do trabalho semanal, também com exclusão do trabalho suplementar
prestado por motivo de força maior;
– Nas semanas de
menor densidade laboral, a redução do tempo de trabalho pode atingir duas horas
diárias ou ser definida em dias ou meios dias, mas, em qualquer caso, sem
prejuízo do direito ao subsídio de refeição.
c) A instituição da “adaptabilidade
grupal”, ou seja, a extensão, por decisão do empregador, do regime da
adaptabilidade coletiva ou individual a trabalhadores da mesma equipa, secção
ou unidade económica, obedece a diferentes requisitos conforme a espécie de que
se tratar: (i) a adaptabilidade grupal por extensão de convenção coletiva deve
estar prevista na respetiva convenção e ser aplicável a, pelo menos, 60% dos
trabalhadores da equipa, da secção ou da unidade económica por força da sua
filiação sindical ou por escolha do trabalhador; (ii) a adaptabilidade grupal
por extensão de acordo individual de trabalho deverá ser aplicável a, pelo
menos, 75% dos trabalhadores da equipa, da secção ou da unidade económica.
2.2 A figura do banco
de horas
A figura do banco de
horas obedece a uma lógica um pouco diferente. Com efeito, agora já se não
trata de redistribuir o tempo de trabalho contratado, mas o de o
aumentar o número de horas de trabalho normal por ano. Recorda-se que “período
normal de trabalho” é um conceito normativo, mais precisamente, nos termos do
art. 198.º, denomina-se período normal de trabalho «o tempo de trabalho que o
trabalhador se obriga a prestar, medido em número de horas por dia e por
semana». A figura do banco de horas vem introduzir um elemento de perturbação
na definição do citado art. 198.º na medida em que este se traduz num
alargamento do período normal de trabalho[44].
À semelhança do que
se disse sobre adaptabilidade, também o banco de horas pode ser instituído por
convenção coletiva, por acordo individual ou, verificadas certas condições, por
decisão do empregador.
a) No caso de “banco
de horas coletivo” (art. 208.º), o período normal de trabalho pode ser
aumentado até 4 horas por dia e atingir 60 horas por semana, mas não pode
ultrapassar 200 horas por ano, salvo quando convenção o preveja e a utilização
do tempo tiver por objetivo evitar a redução do número de trabalhadores;
b) O regime do “banco
de horas individual” (art. 208.º-A) deverá ser instituído através de um
procedimento idêntico ao da adaptabilidade individual e respeitar os limites
seguintes: 2 horas diárias e as horas que, somadas ao período normal aplicável,
não ultrapassem 50 horas semanais.
c) O “banco de horas
grupal” resulta de uma decisão do empregador mas o seu regime é diferente
conforme a fonte instituidora do banco a estender for a convenção coletiva ou o
acordo individual (art. 208.º-B).
3.
Facilitação do despedimento
Além das alterações
atrás referidas (cfr. supra 4.4), a
Lei n.º 23/2012 introduziu significativas modificações em duas das modalidades
de despedimento por motivos não inerentes ao trabalhador: o despedimento por
extinção do posto de trabalho e o despedimento por inadaptação, em ambos os
casos com o sentido de facilitar a decisão do empregador em relação ao que
anteriormente se encontrava estabelecido. Assim:
a) No que respeita ao
despedimento por extinção do posto de trabalho, o anterior critério da
antiguidade do trabalhador na determinação do ou dos postos a extinguir, é agora
substituído, para o caso de haver mais postos de conteúdo funcional idêntico do
que o número de postos a reduzir, por critérios a definir pelo empregador que
sejam relevantes e não discriminatórios face aos objetivos subjacentes à
extinção do posto de trabalho. Além disso, a Lei n.º 23/2012 eliminou a
anterior obrigação do empregador de oferecer ao trabalhador posto de trabalho
compatível com a sua categoria profissional, mesmo que dele disponha[45].
b) Também o recurso
ao despedimento por inadaptação se tornou mais fácil com a entrada em vigor da
Lei n.º 23/2012. Na verdade, diferentemente do que antes sucedia, esta
modalidade de despedimento passou a ser permitida mesmo que não tenha ocorrido
qualquer alteração das condições técnicas do posto de trabalho. Era corrente, e
correto, distinguir entre inaptidão e inadaptação, entendendo-se que ambas se
traduziam numa incapacidade profissional para as funções para que o trabalhador
havia sido contratado. Só que, na inaptidão, a incapacidade originária significava que o trabalhador
não tinha, à data da admissão, as aptidões esperadas e a superveniente significava que o trabalhador, por qualquer motivo,
perdeu, posteriormente à admissão, as aptidões de que fora portador. Ao
contrário, na inadaptação, o trabalhador mantém as aptidões para as funções
para que foi contratado, mas, apesar disso, deixa de poder continuar no
exercício do cargo porque não tem as aptidões requeridas pelas novas condições
técnicas em que deverá trabalhar e não quis ou não foi capaz de as adquirir.
Verdadeiramente,
neste último caso, tudo se passa como se o despedimento tivesse sido
determinado pela extinção do posto de trabalho originário seguida da
subsequente incapacidade ou recusa de aquisição das novas aptidões reclamadas
pelas modificações introduzidas no posto. Com a nova lei o trabalhador pode ser
despedido mesmo que não tenha havido qualquer alteração das condições técnicas
do posto, ou seja, pode ser despedido por inadaptação em sentido próprio ou por
inaptidão superveniente, agora também designada por «inadaptação», assim dando
razão aos que advertem para o cuidado a ter com os nomes, na medida em que o
nome pode alterar a natureza da coisa nomeada. Além disso, também nesta modalidade
de despedimento o empregador fica desonerado da obrigação de oferecer ao
trabalhador outro posto de trabalho compatível com a sua categoria profissional
e se reduz, nos termos anteriormente referidos, a compensação pecuniária
correspondente.
4. A tendência
para a desadministrativização da relação de trabalho
A saída das
autoridades públicas do mundo do trabalho tem sido uma das mais constantes
tendências das últimas décadas. Seria necessário recuar a 1989 para indicar um
dos mais claros sinais desta desadministrativização, ano em que uma importante
lei sobre cessação do contrato e celebração de contratos a prazo alterou o
regime do despedimento coletivo, em particular no que respeitava ao seu
procedimento, eliminando o papel antes atribuído ao ministério do trabalho
sobre esta matéria.
Às medidas de sentido
idêntico que entretanto foram sendo aprovadas, juntam-se agora as seguintes
previstas na Lei 23/2012:
– Eliminação da
obrigação de envio à Autoridade para as Condições de Trabalho do Regulamento
Interno;
– Simplificação das
comunicações de início de atividade da empresa ou de alteração de atividade;
– Deferimento tácito
de requerimento de redução ou de exclusão do intervalo de descanso;
– Eliminação da
obrigação de envio de mapa de horário de trabalho;
– Eliminação da
obrigação de envio de acordo de isenção de horário.
Na exposição de
motivos junta à Proposta de Lei n.º 46/XII[46] que daria origem à Lei
23/2012, o Governo justificava estas medidas com a necessidade de
desburocratização, de racionalização da atividade da inspeção geral do trabalho
e simplificação da legislação laboral, «através, acrescenta, de maior clareza
das suas normas e da diminuição da burocracia e do excesso de procedimentos …».
Verdadeiramente,
porém, nem sempre é este o sentido ou o resultado das medidas desta índole,
significando, com frequência, uma espécie de (re)privatização de espaço de
domínio privado, de (re)feudalização da empresa, de ampliação dos poderes
fácticos do empregador. A inspeção do trabalho, convém não esquecer, é uma
instituição pública de tutela de direitos fundamentais. Subtrair-lhe
competências ou mecanismos de controlo, é reduzir a protecção de bens jurídicos
fundamentais, é (re)privatizar um espaço de poder de entidades privadas, cujos
riscos se tornam tanto mais perigosos quanto mais dependente o contexto tornar
o trabalhador.
V.RELAÇÕES
COLETIVAS
1.
Introdução
O sistema português
de ralações laborais é, por várias razões que não é oportuno abordar aqui[47], bastante complexo,
caracterizando-se, designadamente, por um grande número tanto de associações
representativas de trabalhadores, como de associações representativas de
empregadores (pulverização sindical), pela ausência de critérios de
representatividade e de maior representatividade, por um quadro normativo com
muitas omissões, pela consequente rede convenções existentes de malha
relativamente estreita e com frequentes fenómenos de concorrência e de
paralelismo[48],
por uma cultura de unidade de ação muito frágil ao nível confederal, etc.
Curiosamente, a
questão da representatividade sindical foi incluída no Memorando com a
finalidade de resolver o problema das portarias de extensão – nome dado aos
atos, de natureza controversa, de um ou dois ministros de extensão de uma
convenção a trabalhadores e a empregadores por ela originariamente não
abrangidos –mas não teve qualquer projeção na Lei n.º 23/2012, na sequência do
acordo de concertação social subscrito por todos os «parceiros» com assento na
Comissão de Concertação Social, com exceção da CGTP– Confederação Geral dos
Trabalhadores Portugueses.
Diga-se, aliás, que
as últimas reformas têm sido objeto de prévio acordo de concertação social, sem
a adesão da CGTP, mas com a participação da UGT, incluindo o que esteve na
origem do CT1, e do qual constavam, entre outras relevantes alterações, a da modificação
da clássica regra relativa à relação entre a lei e a convenção coletiva: da
clássica regra segundo a qual as normas da lei só podiam ser alteradas por
convenção coletiva em sentido mais favorável aos trabalhadores passou-se à
regra segundo a qual todas as normas de lei podiam ser afastadas ou
substituídas por convenção coletiva, mesmo em sentido menos favorável aos
trabalhadores. Quer dizer, embora com várias exceções, a lei perdeu, assim, a
sua característica de norma mínima, tornando-se, por via de regra, em norma
«coletivamente, mas não individualmente, dispositiva».
2. As
novidades da Lei 23/2012
O direito das
convenções coletivas sofreu poucas alterações mas com algum significado. Uma
delas é uma medida de descentralização negocial e a outra de delegação de
competências de negociação em outras estruturas de representação de
trabalhadores.
Embora sem qualquer
tradição de negociação colectiva (formalmente) articulada, havendo mesmo
fundadas dúvidas de que alguma convenção fosse dotada de autoridade bastante
que lhe permitisse subtrair matérias a outras convenções ou condicionar a
alteração do regime nela previsto por convenção posterior, certo é também que
nenhuma norma veda a possibilidade de uma convenção colectiva de maior âmbito
estabelecer uma cláusula de observância obrigatória por convenções de âmbito
inferior se, e só se, os sujeitos desta forem os sujeitos daquela ou,
porventura, nos casos em que neles se encontrem filiados. Previa, porém, o CT1
(art.º 536.º/2) a possibilidade de inclusão de “cláusulas de articulação” entre
convenções colectivas de diferente nível, mas apenas enquanto expediente
susceptível de afastar alguns critérios de preferência nos casos de
concorrência de convenções, norma que o CT2 manteve (n.º 5 do art. 482.º) e que
o agora a Lei 23/2012 alterou, passando a prever que uma convenção contemple a
possibilidade de determinadas matérias –a mobilidade geográfica, a mobilidade
funcional, a organização do tempo de trabalho e a retribuição– serem também
reguladas por convenção de âmbito inferior, criando, assim, uma espécie de
convenções articuladas.
A outra alteração
prevê a possibilidade de as associações sindicais conferirem a outras
estruturas de representação coletiva de trabalhadores na empresa poderes para
celebrarem convenções coletivas se o número de trabalhadores for igual ou
superior 150 (n.º 3 do art. 491.º).
3.
Autonomia coletiva e autonomia individual e o art 7.º da Lei 23/2012
Na sequência de uma
prática de que o legislador português é reincidente, o art. 7.º da Lei n.º
23/2012 (i) anula (sic) as normas de ccts concluídas antes de 1 de agosto de
2012 sobre compensações por despedimento coletivo e por outras formas de
extinção do contrato a que se ligue idêntico efeito compensatório (n.º 1), (ii)
anula as normas de ccts e as cláusulas de contrato individual sobre descansos
compensatórios por trabalho suplementar prestado em dia útil, em dia de
descanso semanal complementar ou em dia feriado (n.º 2), (iii) reduz, até 3
dias, as majorações ao período anual de férias estabelecidas, entre 1-12-2003 e
31-7-2012, em cct ou em contrato individual (n.º 3) e (iv) suspende durante
dois anos (entre 1-8-2012 e 31-7-2014) as normas de cct e as cláusulas de
contrato individual que disponham sobre acréscimos de pagamento de trabalho
suplementar superiores ao previsto no CT2 (na redação da Lei 23/2012) e sobre
retribuição e/ou descanso compensatório por trabalho em dia feriado em empresa
não obrigada a suspender o seu funcionamento nesse dia (n.º 4)[49].
Apesar de
constitucionalmente consagrados, tanto o princípio da autonomia coletiva, como
o princípio da autonomia individual, o legislador dispõe, como se vê, do que,
validamente, havia sido estabelecido em cct ou em contrato individual,
revogando, ou suspendendo e alterando, as normas da convenção e as cláusulas de
contrato individual sobre as matérias referidas no citado art. 7.º Como
exuberantemente o vem mostrando a crise atual, o governo não exibe tão
tranquilamente o seu ius imperii em
relação a muitos outros negócios jurídicos, mesmo quando eticamente duvidosos.
Os swaps, um produto financeiro de
que ultimamente muito se tem escrito e falado, são disso mesmo inequívoco
exemplo.
Zeus não espera que
Sísifo atinja o cume da montanha, não hesitando em empurrá-lo pela encosta
abaixo sempre que sinta ameaçada a sua posição ou bloqueadas as suas
aspirações. As medidas desta natureza, e muitas outras de sentido idêntico, são
uma espécie de ajuda da mãozinha de deus na «erosão do poder contratual
coletivo dos trabalhadores» a que se refere Palomeque Lopez em «El
desplaziamento del equilíbrio del modelo (Consideraciones sobre la reforma
laboral de 2012)»[50].
VI. ATRIDAS
OU SÍSIFO?
Há várias razões que me levariam a preferir a invocação
de Sísifo, essa outra lenda também muito lembrada pelos juristas do trabalho, à
de Atreu, ou dos seus ascendentes Tântalo ou Pélopes, todos, afinal,
descendentes de Zeus e todos eles elos de uma cadeia de sucessivas vinganças
familiares.
Por um lado, porque é menos sangrenta, menos bárbara…
Embora também cruel, a condenação de Sísifo não tem o odor do sangue que tão
compulsiva e fatalmente perseguia os Atridas[51].
Depois porque Sísifo, ao contrário de Tântalo ou de Atreu
ou de outros que lhes sucederam nesta cadeia de trágicas vinganças familiares,
não teve a arrogância de desafiar a omnisciência dos deuses.
Ainda e, talvez, sobretudo porque as razões da sua
condenação tornam o seu carrasco merecedor do castigo a que Sísifo deveria ter
sido poupado: afinal, Sísifo foi apenas leal e solidário com um amigo,
desafiando, é certo, a ira de Zeus quando contou a Asopo que a sua bela filha
Egina havia sido raptada por
Zeus disfarçado de uma poderosa
águia que ele mesmo vira a sobrevoar a cidade.
Além disso, porque a recompensa que Sísifo reclamou nem
sequer respeitava a um bem pessoal, mas a um bem da comunidade: ele só
solicitou uma fonte de água para a sua cidade, que viria a receber com o nome
de Pirene.
Finalmente porque Sísifo ajudado, como sugere U.
Romagnoli, ou não, sempre deixa a esperança de um dia ser capaz de cortar as
amarras que o acorrentam à rocha.
Foi, porém, a condenação, e não propriamente os seus
fundamentos ou a sua história, que tornou conhecida a lenda de Sísifo: a da
subida de uma montanha, acorrentado a uma grande rocha, que, chegado ao cume, o
faria rolar, inelutavelmente, pela encosta abaixo, repetindo Sísifo esta
ingrata tarefa por toda a eternidade. Ingrata até porque inútil…
Ajudemos então Sísifo a cortar as correntes e a
libertar-se de uma condenação tão ingrata quanto inútil.
Da reforma do RDL. 3/2012, de 10 de febrero, escreveu
Palomeque-Lopez, que «se inscribe
decididamente dentro de la serie de políticas laborales de “flexibilización” o
“adaptación” del ordenamiento jurídico de las relaciones de trabajo a la
situación general de la economía que han acaparado de modo intermitente las
tres décadas de nuestro desarrollo constitucional. Buen escaparate ofrecen, sin
duda, la economía y sus crisis cíclicas, con ser la que ahora padecemos de una
gravedad inusitada, para la observación del modo como el Derecho del trabajo
cumple su función fisiológica de facilitación de las relaciones de producción,
al propio tiempo que, de modo inescindible y mediante el equilibrio buscado del
conjunto, de legitimación política y social del sistema económico de
referencia, a través de un ordenamiento de compensación parcial de las
desigualdades instaladas en las relaciones económicas. Es el caso, así pues, de
las transformaciones normativas experimentadas por nuestro ordenamiento laboral
de la mano de lo que he venido llamando desde hace tiempo la “reforma laboral
permanente”[52][53].
O mesmo se poderá dizer da Lei
23/2012, inequivocamente inscrita num itinerário de idêntico sentido, o que,
pensa-se, explica, ou até justifica, as reservas e oposições que suscita,
sobretudo se não esquecermos, como salienta De La Villa, que «o núcleo verdadeiro
do Direito do trabalho, o centro de imputação da totalidade dos seus conceitos,
instituições e normas, se encontra na figura do trabalhador, essa pessoa física
que trabalha para um empregador voluntária e retribuidamente em condições de
alienidade e dependência …»[54].
É a consideração devida a essa
figura que, acrescente-se, vive do rendimento da «única propriedade de que é
titular», a «esse ser peregrino» em permanente procura da felicidade, que ajudará,
espera-se, a melhor compreender o desacordo com o itinerário que tem vindo a
ser percorrido com esse conjunto de medidas que não só o empobrecem
materialmente como o desqualificam social e humanamente. E, contudo, na pessoa
que ele é reside a dignidade a dignidade que todos gostam de invocar.
Ajudemos então Sísifo a libertar-se das grilhetas dessa
função –a que ultimamente foi injustamente condenado e que vem executando– de frio instrumento de
gestão empresarial.
*Lista de siglas usadas: ACT, Autoridade para
as Condições de Trabalho; BCE, Banco Central Europeu; CCT, convenção coletiva
de trabalho; CE, Comissão Europeia; CT1, Código do Trabalho, aprovado pela Lei
n.º 99/2003, de 27-8; CT2, Código do Trabalho, aprovado pela Lei n.º 7/2009,
de12-2; FMI, Fundo Monetário Internacional; IVA, imposto de valor acrescentado,
OGE, Orçamento Geral do Estado; TC, Tribunal Constitucional.
[1] Inquietante não é apenas a invocação
de uma tragédia, grega ou outra; é também, ou sobretudo, o género da tragédia
invocada, tornando inevitável uma das mais angustiantes e dramáticas questões
da modernidade: como articular o mercado com o trabalho? Sujeitando este último
às exigências daquele? Regulando aquele tendo em conta necessidades deste?.
[2] Nair de Nazaré Castro
Soares, «O drama dos Atridas. A tragédia Thyestes
de Séneca», Ágora. Estudos Clássicos em Debate,6 (2004).
[3] Droit ouvrier, 2003, p. 261.
[4] Nair Soares, ob. e loc. cit., p. 53.
[5] De redução da
contrapartida da obrigação de trabalho, traduzindo-se, consequentemente, numa
degradação dos termos da troca operada pelo contrato de trabalho.
[6]
Degradação das condições de uso da disponibilidade da «força de trabalho».
[7] O referido documento
foi também subscrito pelos três partidos do «arco do poder», expressão com que
se pretendem abranger os três partidos (Partido Socialista, Partido
Social-Democrata e Centro Democrático e Social) que têm feito parte dos
governos constitucionais –governos formados após a entrada em vigor da
Constituição de 1976– de que o atual é o XIX.
[8]Agravamento da taxa do
IRS (imposto sobre o rendimento social), incidente sobre os rendimentos do
trabalho por conta de outrem e por conta própria; alteração, em alguns casos
incluiu a eliminação, das condições de atribuição de apoios sociais,
designadamente o abono de família e outros; eliminação ou redução dos chamados
benefícios sociais e das deduções fiscais; agravamento dos preços de vários
bens, alguns de primeira necessidade, em especial pela via do aumento do IVA
(imposto sobre o valor acrescentado), cuja taxa máxima normal é de 23%, tendo
sucedido que alguns bens passaram da taxa mínima de 6% para a máxima, como
sucedeu com a energia eléctrica e a restauração); agravamento dos custos de
bens e serviços de necessidades elementares, como sucedeu com as chamadas taxas
moderadoras no âmbito do Serviço Nacional de Saúde, dos transportes, da água,
da energia eléctrica e do gás…; os trabalhadores com emprego público e, ultimamente,
os reformados e pensionistas têm sido das categorias sociais mais sacrificadas.
[9] Veja-se, com
interesse, António Casimiro Ferreira, Sociedade
da austeridade e direito do trabalho da exceção, 2012, Porto, Vida
Económica.
[10] Outras vias de empobrecimento:
(i) pelo sacrifício que vem sendo
exigido aos trabalhadores (em especial) da Administração Pública e do sector
empresarial do Estado) na contribuição para a redução da dívida; (ii) pela via da redução do nível e do
âmbito de protecção social, designadamente de índole material, das
eventualidades cobertas pela segurança social, a maior parte ou mesmo a
totalidade delas financiadas pelos próprios trabalhadores (a história da taxa
social única) – subsídio de desemprego, subsídio de doença, reformas e pensões,
etc.
[11] Desde os últimos anos
do século XX: da alteração da lei dos despedimentos e da lei do contrato a
prazo 1989, à lei da redução do tempo de trabalho de 44 para as 40 horas e da
polivalência de 1996); aprovação do Código do trabalho de 2003 (CT1) e suas
leis complementares; alteração de 2006; aprovação do Código do trabalho de 2009
(CT2) e das suas leis complementares e posteriores alterações anteriores ao
Memorando da troika; as alterações posteriores à assinatura do Memorando: a Lei
n.º 53/2011, de 14.10; a Lei nº 3/2012, de 10.1; a Lei n.º 23/2012, de 25.6; a
Lei n.º 11//2013, de 28-1, e a lei em fase final de procedimento legislativo a
sobre redução das compensações por fim de contrato para a média da União
Europeia. Ver ainda, com interesse, as medidas inscritas nas sucessivas leis do
Orçamento Geral do Estado (OGE) para 2011 (Lei n.º 55-A/2010, de 31.12), para
2012 (Lei 64-B/2011, de 30-12) e para 2013 (Lei n.º 66-B/2012, de 31.12).
[12] Desconsiderando aqui
–mas sem a esquecer– aquela que é, porventura, a mais decisiva de todas: a do
agravamento, no caso brutal, do desequilíbrio do «mercado de trabalho»
traduzido no aumento da sua oferta e na redução da sua procura, ou, visto de um
outro ângulo, no aumento da procura e na redução da oferta do emprego.
[13] Também se não
incluirão mais do que breves referências às medidas que têm afetado o emprego
público (…).
[14] Das medidas que
chegaram a ser anunciadas pelo Governo mas que acabariam por ser abandonadas
merecem referência a do aumento do horário de trabalho de 30 minutos por dia e,
mais tarde, a do aumento da taxa social única a cargo dos trabalhadores de 11
para 18/% e a da redução da taxa paga pelos empregadores de 23,75% para 18% e
que esteve na origem de um dos maiores protestos populares em 15 de Setembro de
2012.
[15] Feriados obrigatórios no sentido de que deverão
ser gozados no dia indicado, não podendo ser substituídos qualquer outro dia (com
exceção da sexta feira santa que poderá ser celebrado em outro dia com idêntico
significado local (n.º 2 do art. 234.º).
[16] Feriados facultativos no sentido de que poderiam
ser substituídos por qualquer outro dia em que acordassem empregador e
trabalhador (n.º 2 do art. 235.º). Com a entrada em vigor do CT de 2009 a terça
feira de carnaval e o «feriado» municipal da localidade só são considerados
feriados se assim o estabelecer a conveção coletiva de trabalho aplicável ou o
contrato individual de trabalho, continuando a permitir a lei que, em sua
substituição, possa ser observado outro dia em que acordem empregador e
trabalhador.
[17] Para este efeito
apenas 5 dias por semana são considerados úteis, mais precisamente, os dias de
segunda a sexta, todos com exclusão do sábado e do domingo ou, se for o caso,
com exclusão dos dias correspondentes de descanso semanal, além, naturalmente,
dos dias feriados (n.º 1, 2 e 3 do art. 238.º).
[18] Este segmento do
período de férias parecia, em muitas situações, assemelhar-se mais a um castigo
do que a um prémio, havendo casos de perda do prémio resultante do exercício de
um direito, como sucedia, por exemplo, com os casos de ausência por luto ou por
casamento, ou mesmo, segundo alguns autores, por exercício do direito de greve,
o que lhe mereceu, justamente, o epíteto de prémio anti-greve.
[19] Para este efeito, só
não contavam (só eram neutralizadas) algumas das faltas justificadas por razões
conexas com a parentalidade, mais precisamente as dadas em alguma das situações
previstas nas alíneas a) a e) do n.º 1 do art. 35.º do CT. A todas
as demais se associava o efeito de redução ou de denegação do prémio de férias,
desde as faltas por razões de morte de parente próximo, às do casamento ou outras,
incluídas as faltas por exercício do direito à greve, o que levou alguns autores a
qualificar tal prémio como prémio anti-greve.
[20] Supondo que o período
normal de trabalho era de 8 horas por dia, o trabalhador completava o direito a
um dia de descanso logo que completasse a 32.ª hora de trabalho suplementar.
[21] Manteve-se apenas a
majoração (100%) do trabalho prestado em dia de descanso semanal obrigatório.
[22] Rmx12meses:52semanasx40h
de trabalho por semana; veja a nota seguinte.
[23] O valor da hora normal
é calculado segundo a fórmula seguinte: dividindo a suposta retribuição anual
(RMx12) pelo suposto n.º de horas de trabalho normal por ano (52 semanas x n,
n.º de horas de trabalho por semana). Como será fácil de ver, o valor da hora
de trabalho normal está duplamente subavaliado: através da redução do dividendo
(RMx14 e não x12) e do aumento do n.º de horas de trabalho por ano (cerca de
46,5 semanas de trabalho por ano e não 52).
[24] Embora, erradamente,
se associe, com frequência, ao trabalho suplementar a ideia contrária, de
vantagem ou mesmo de privilégio a esta forma particular de gestão do tempo de
trabalho.
[25] O art. 219.º prevê as
3 modalidades de isenção de horário de trabalho.
[26] Cfr. também, sobre
esta matéria, a Convenção 158 da OIT, o art.24.º da Carta Social Europeia
revista em 1996 e o art. 30.º da Carta dos Direitos Fundamentais da União
Europeia.
[27] O ordenamento
jurídico português, na linha, aliás, do disposto na Convenção 158 da OIT, na
Carta Social Europeia revista em 1996 e agora também na Carta dos Direitos
Fundamentais da União Europeia, não permite os chamados despedimentos livres ou
ad nutum, devendo estes ser sempre
causais no sentido de que todos eles deverão ter sempre um fundamento ou ser
determinados por uma causa, um motivo (o caso de despedimento de trabalhador
com contrato em regime de comissão de serviço é uma exceção, aliás de duvidosa
constitucionalidade, diferente, diga-se, do caso do despedimento durante o
período de experiência), podendo o motivo ser, nos termos de uma classificação
sugerida pelas sucessivas directivas da União Europeia sobre despedimentos
colectivos, inerente ou não inerente ao trabalhador, ou, para recorrer a uma
terminologia também bastante divulgada, subjectivo ou objectivo.
[28] Se, porém, o
despedimento padecer de algum vício invalidante e como tal for declarado pelo
tribunal competente, terá o trabalhador direito a uma indemnização se, em
substituição do seu regresso à empresa, por ela optar tempestivamente.
[29] Sobre os casos
especiais de despedimento no período de experiência cfr. art. 114.º e sobre o
despedimento de trabalhador em regime de comissão de serviço vejam-se os arts.
163.º e 164.º
[30] A compensação dos
trabalhadores mais antigos fica, porém, sujeita aos dois limites contemplados
nos n.ºs 3 e 4 do art. 6.º da Lei 23/2012.
[31] Casos dificilmente
compatíveis com o direito comunitário, como, aliás, concluiu o acórdão de 12 de
Outubro de 2004, do TJUE, Proc. C-55/02, acórdão que o legislador português
parece ter interpretado no sentido de que apenas estaria obrigado a prever a
observância das regras da directiva sobre informação e consulta das estruturas
representativas dos trabalhadores. Do mesmo modo, a maior parte destas normas
dificilmente se poderão considerar compatíveis com a norma do art. 53.º da
Constituição portuguesa na medida em que através de um tal expediente poderia
ultrapassar os condicionamentos resultantes da garantia constitucional de
segurança no emprego e da proibição de despedimentos sem justa causa.
[32] Ver também o caso de
cessação de contrato por decisão do administrador da insolvência de
trabalhadores cuja colaboração não seja indispensável ao funcionamento da
empresa (já declarada insolvente) (art. 347.º/2).
[33] Até à entrada em
vigor do CT1 a expressão preferida do legislador português era a de contratos a
prazo certo ou incerto. Ainda que a terminologia atual possa parecer
tecnicamente mais correta, certo é que a anterior era mais próxima da dos seus
destinatários, o que deveria ser bastante para ser a preferida.
[34] Refira-se que, em
contrapartida, também se tem assistido ao movimento de sentido inverso em
alguns, raros, institutos jurídicos, como é o caso dos chamados direitos da
personalidade incluídos no CT1 e o da proteção da parentalidade contemplada no
CT2.
[35] A chamada cláusula de mobilidade geográfica foi
uma inovação do CT1 que, no n.º 3 do seu art. 315.º incluído no capítulo VII,
com a epígrafe vicissitudes contratuais–
previa, precisamente, a faculdade de as partes, por estipulação contratual,
alargarem ou restringirem a faculdade conferida nos números anteriores desse
mesmo artigo.
[36] Salvo, como dispõe a
parte final da citada norma, se a empresa se encontrar em situação de
insolvência ou em situação regulada por lei especial sobre recuperação de
empresas e reestruturação de sectores económicos.
[37] «Diz-se que o Direito do Trabalho desconfia do contrato individual»
como se pode ler em Arbeitsrecht,
Frankfurt, 1988, p.ág. 30/2, Hanau/Adomeit, para quem o Direito do Trabalho
pode mesmo ser considerado um vasto sistema de controlo da liberdade
contratual, citado por João Leal Amado,
Protecção do salário, Coimbra, Coimbra Editora, 1993, pág 9, nota 9;
[38] História do Direito Privado Moderno, tradução portuguesa
de António Hespanha, Edição da Fundação Calouste Gulbenkian, 1980, p. 552.
[39] «Situações de
necessidade temporária da empresa» (n.º 1), considerando como tais as que, a
título de exemplo, descreve nas 8 alíneas do n.º 2.
[40] O trabalho realizado
através de empresas cuja principal atividade social é a do recrutamento de
trabalhadores (contrato de trabalho temporário) para os ceder, onerosamente e
com intuitos lucrativos, por períodos mais longos ou mais s curtos, a terceiros
(contratos de utilização de trabalho temporário).
[41] Segundo tem sido
divulgado pelos próprios responsáveis da Associação Portugal Outsourcing – APO,
esta atividade tem conseguido um «crescente reconhecimento pelo mercado
enquanto opção estratégica que através dos seus diferentes modelos permite a
transformação dos processos e dos negócios, racionalizando recursos e gerando
eficiências …»
[42] Sobre tempo de
trabalho na recente literatura jurídica portuguesa pode consultar-se Francisco
Liberal Fernandes, O Tempo de
Trabalho, Comentário aos Artigos 197º a 236º do
Código do Trabalho [Revisto pela Lei Nº23/2012, de 25 Junho], 2012, Coimbra Editora, Catarina de Carvalho «A
desarticulação do regime legal do tempo de trabalho», em AA.VV, Direito do Trabalho+Crise=Crise do Direito
do Trabalho?, Actas do Congresso de Direito do Trabalho, 2011, Coimbra
Editora, A. Nunes de Carvalho, «Notas sobre o art. 206.º do Código do Trabalho
(Adaptabilidade Grupal)», em AA.VV, Direito
do Trabalho+Crise=Crise do Direito do Trabalho?, Actas do Congresso de Direito
do Trabalho, 2011, Coimbra Editora, Joana Nunes Vicente, «O novo regime do
tempo de trabalho», em AA.VV., Memorando
da Troika e as empresas, Almedina, 2012.
[43] A Constituição
portuguesa, por exemplo, consagra o direito fundamental dos trabalhadores a um
limite máximo da jornada de trabalho (n. 1 do art. 59.º), não parecendo,
consequentemente, deslocada a dúvida acerca da sua conformidade ou
desconformidade constitucional.
[44] Passaria a haver duas
espécies de período normal de trabalho: o propriamente dito, isto é, o que
resulta do que fora contratualizado, e o impropriamente dito, quer por
resultar, em uma das suas modalidades, de fonte diferente do contrato, quer por
não ser igual o regime a que fica sujeito.
[45] Ver ainda o que atrás
se disse quanto à redução da compensação a pagar ao trabalhador abrangido por
esta medida.
[46] Publicada em Diário da Assembleia da República, II,
n.º 119, de 11-2-2012.
[47] Pode ver-se sobre
esta questão João Reis, «Troika e alterações no Direito laboral coletivo», em
AA.VV., O Memorando da ‘Troika’ e as
empresas, 2012, Almedina, IDET, p. 133 e ss; Júlio Gomes, Novos estudos de Direito do Trabalho,
2010, Coimbra Editora, p. 161 e ss, em que o autor se ocupa do tema «O Código
do Trabalho de 2009 e a promoção da desfiliação sindical», e Jorge Leite, «O
sistema português de negociação colectiva», em AA.VV., Temas Laborais Luso-Brasileiros, 2007, Coimbra Editora, p. 150 e
ss;
[48] Fala-se de concorrência quando duas ou mais CCTs se
aplicam à mesma relação e de paralelismo
nos casos em que duas ou mais convenções se aplicam a diferentes conjuntos de
relações diferenciados em função da filiação sindical, mas todos pertencentes a
um mesmo universo ou universo homogéneo. Se, v. g., num mesmo setor de
atividade cada um dos 3 sindicatos subscrever uma diferente convenção com a
mesma associação ou entidade patronal (o exemplo não é uma invenção), as três
convenções aplicam-se ao mesmo universo de trabalhadores, mas, tendo em conta o
princípio da filiação, a nenhum trabalhador será aplicável mais do que uma convenção.
[49] No caso de,
entretanto, não serem alteradas as normas suspensa, os montantes nelas
previstos são reduzidos a metade ou aos previstos no CT2 se aqueles forem
inferiores (n.º 5).
[50] Publicado eEl Cronista, de marzo de 2012.
[51] Um episódio que Camões
cita, a propósito da conhecida tragédia de Inês de Castro, (Lusíadas, III,
133):
«Bem puderas, ó Sol,
da vista destes,
Teus raios apartar
aquele dia,
Como da seva mesa de
Tiestes
Quando os filhos por
mão de Atreu comia.»
[52] «El desplazamiento
del equilíbrio del modelo (consideraciones sobre la reforma laboral de 2012)», El Cronista del Estado Social y
Democrático de Derecho, de marzo de 2012.
[53] Sobre o tema veja
também o recente artigo de Consuelo Ferreira, «El recuperado protagonismo del
contrato de trabajo», Questões Laborais,
n.º 40, págs. 145 a 163, em especial pág. 156 e ss sobre «El control del
contrato de trabajo».
[54] Em comentário ao
livro de Antonio Ojeda Avilez, La
Desconstrucción del Derecho Trabajo, La Ley, 2010, uma obra de leitura inadiável
e que De La Villa considera um poemário e ao autor um criador.
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