27 de outubro de 2019

Algumas palavras sobre o livro «Forte de Peniche, memória, resistência e luta»

Intervenção de Vítor Dias
no Encontro-Convívio realizado no
Forte de Peniche em 26.10.2019


Estimados amigos,
companheiros e camaradas :

Permitam-me que traga a este nosso encontro tão marcado pela fraternidade e pela nossa colectiva vinculação aos valores da resistência antifascista e da liberdade algumas breves palavras sobre a 5ª edição do livro em boa hora organizado e editado pela URAP e significativamente intitulado «Forte de Peniche, memória, resistência e luta».

Com esta 5ª edição, este livro atingirá os 11.000 exemplares, o que, no panorama editorial português, constitui um notável êxito, bem demonstrativo do interesse que despertou e que tem sido também patente nas dezenas de sessões da sua apresentação que a URAP tem organizado por todo o país envolvendo muitas centenas de democratas.

Mas o que definitivamente marca este livro, para além do valor intrínseco do seu conteúdo, é sem dúvida o ter sido um valioso instrumento da luta que, por imperativo de consciência, travámos contra o projecto de transformação do Forte de Peniche num hotel de luxo e pela edificação, agora em vias de plena concretização, neste mesmo Forte de um Museu Nacional da Resistência e da Liberdade.

Com efeito, parte importante deste livro é ela própria a história densamente documentada da movimentação democrática em torno de objectivo que atrás referi, desde a petição lançada em Outubro de 2016 e subscrita por 9635 cidadãos e entregue na AR em 26 de Janeiro de 2017 até à jornada popular da inauguração da 1ª fase do Museu em 27 de Abril de 2019, passando pelo dois anteriores encontros-convívios em 29 de Outubro de 2016 e de 2 de Outubro de 2018 e ainda pela jornada de inauguração do monumento aos presos políticos em 9 de Setembro de 2017.

Olhando para trás, talvez possamos dizer, com modéstia mas também uma ponta de orgulho, que esse foi o caminho de pedras que juntos percorremos mas também que por esse caminho de pedras construímos todos uma grande vitória na preservação dos valores da memória histórica e na pujante afirmação do valor supremo da liberdade e que valeu a pena a persistência, a tenacidade, a firmeza de convicções e a unidade dos que souberam reclamar e lutar.

Tempo agora para vos dizer que um importante capítulo deste nosso livro é aquele onde, ao longo de 25 páginas se relatam as condições e o regime prisionais vigentes no Forte de Peniche ao longo de diversas épocas. E bem se pode dizer que esse texto tem o superior valor de ser o único existente que, embora de forma necessariamente resumida, permite uma visão de conjunto de como era a vida encarcerada dos 2510 presos que, por lutarem pela liberdade, aqui estiveram presos.

Com efeito, nesse texto lá encontramos as regras absurdas e desumanas das visitas de familiares dos presos ao parlatório,  a referência às longas distâncias que eram obrigadas a percorrer, as dezenas de estridentes apitos que em cada dia comandavam a vida prisional, a crueldade e atitudes provocatórias dos carcereiros, o estúpido e cruel «regime de observação», o isolamento, toda a série de castigos, o segredo, a proibição de conversar, a censura às cartas, o não poder ver ao menos o mar.

Como a maior parte dos que aqui estão certamente sabem, o livro inclui também um interessante capítulo sobre seis fugas ( duas não concretizadas) de Peniche, parte que bem pode ser lida como se de um livro de aventuras se tratasse, sendo apenas de lembrar que nelas os perigos eram terrivelmente reais e que esses relatos se revelam espírito de aventura põem sobretudo em destaque a persistência, a imaginação, uma vontade férrea de tornar possível o que parecia impossível e, mais do que tudo, uma determinação admirável em conquistar a liberdade para prosseguir a luta pela liberdade de todo o nosso povo.

Neste livro há igualmente um capítulo e um texto que não se encontra em mais parte nenhuma. Como se lembrarão, no dia 26 de Abril de 1974 e na madrugada de 27 as atenções estiveram sobretudo concentradas em Caxias (os órgãos de informação estavam em Lisboa) e por isso é daí que há mais fotos e imagens tendo Peniche e a libertação dos seus presos ficado um pouco na penumbra mediática. Mas este nosso livro preenche essa lacuna com uma cronologia minuciosa do processo de libertação dos presos de Peniche da autoria do Comandante Machado dos Santos que, com o Major Moreira de Azevedo, constituiu a delegação da JSN encarregada dessa libertação. E se é certo que devemos estar gratos aos membros da Comissão Nacional de Socorro aos Presos Políticos que em Lisboa travaram a batalha contra Spínola para que fossem libertados todos mas todos os presos políticos, também temos  uma dívida de gratidão com o Cdte. Machado dos Santos e o Major Moreira de Azevedo que, aqui em Peniche, do primeiro ao último minuto,sempre actuaram no sentido de alcançar esse justíssimo objectivo.

E, por fim, o nosso livro inclui a lista, agora actualizada e acrescentada com a naturalidade dos presos, dos 2510 antifascistas que cumpriram penas em Peniche entre 1934 e 1974, lista essa que deu origem ao digno e comovente memorial que podemos ver lá fora. E o melhor, mais luminoso e mais profundo que se pode dizer sobre essa lista já foi dito pelo nosso querido António Borges Coelho : « Nomeai uma um todos os nomes. Lutaram e resistiram. A liberdade guarda a sua memória nas muralhas desta Fortaleza».

E, por nós, só acrescentaremos modestamente que, mais do que uma lista de nomes, nunca nos esqueçamos que se trata mais de uma lista de 2510 vidas, vidas sofridas e vidas aprisionadas mas sobretudo vidas que são exemplo de coragem e firmeza, vidas que se sacrificaram para que, entre tantas outras conquistas passadas, hoje possamos estar aqui não a celebrar saudades que não temos desse passado de sufoco, terror e negrume que foi o fascismo mas a levantar sempre e sempre a bandeira dos grandes valores e ideais progressistas que são essenciais à construção do nosso futuro colectivo.

E anima-nos a confiança e quase certeza de que este livro não só já fez um útil e bom caminho como o continuará a fazer no futuro como passagem de testemunho às novas gerações e também como elemento complementar de apoio aos numerosos visitantes  portugueses e de outras nacionalidades que, como já hoje acontece, acorrerem ao nosso Museu Nacional da Resistencia e da Liberdade.

Muito obrigado.








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