5 de setembro de 2019

As «eleições» de 1969 e o Outono do fascismo

Vítor Dias

in «Avante» de 2019

Tendo no pas­sado mês de Ou­tubro de­cor­rido 50 anos sobre as «elei­ções» de 1969*, é justo evocar essa efe­mé­ride como a de uma grande jor­nada da luta an­ti­fas­cista e de­mo­crá­tica que se re­vestiu de ca­rac­te­rís­ticas muito po­si­tivas e sin­gu­lares e que viria a marcar po­de­ro­sa­mente todo o pro­cesso po­lí­tico na­ci­onal até ao der­ru­ba­mento da di­ta­dura, em 25 de Abril de 1974.

Essa vasta e di­nâ­mica in­ter­venção de­mo­crá­tica no plano da luta legal, as­se­gu­rada pelas Co­mis­sões De­mo­crá­ticas Elei­to­rais (CDE),–cons­ti­tuiu desde logo uma ex­tra­or­di­nária e com­ba­tiva res­posta à «ma­nobra de de­ma­gogia li­be­ra­li­zante» ur­dida por Mar­cello Ca­e­tano (assim lhe chamou acer­ta­da­mente o PCP, en­quanto ou­tros sec­tores de­mo­crá­ticos – que vi­riam a que­brar a uni­dade con­cor­rendo como CEUD – aí viram er­ra­da­mente uma «pri­ma­vera mar­ce­lista») e marcou o início do Ou­tono do re­gime fas­cista, abrindo ao mesmo tempo ca­minho para quase cinco anos de as­censo da luta po­pular pela li­ber­dade, pela de­mo­cracia e pelo fim da guerra co­lo­nial.

É in­tei­ra­mente justo re­co­nhecer a va­liosa e leal con­tri­buição que, para a cam­panha das CDE, para além do PCP, deram ou­tros sec­tores e per­so­na­li­dades an­ti­fas­cistas, e isso é tanto mais justo quanto é certo que, sem ela e dada a con­cor­rência elei­to­ral­mente se­pa­rada do grupo Mário So­ares/​ASP/​CEUD, se po­deria ter ve­ri­fi­cado um pe­ri­goso iso­la­mento po­lí­tico dos co­mu­nistas.

Mas, ao mesmo tempo, longe de qual­quer pro­se­li­tismo sec­tário e, antes, em es­trito res­peito pela ver­dade his­tó­rica, bem se pode dizer que, tanto pelas suas con­cep­ções de fun­ci­o­na­mento de­mo­crá­tico como pelas suas ori­en­ta­ções pro­gra­má­ticas, a in­ter­venção das CDE re­pre­sentou, por­ven­tura pela pri­meira vez, uma clara he­ge­monia (no sen­tido ri­go­roso do termo e não no cor­rente sen­tido pe­jo­ra­tivo) das justas con­cep­ções e ori­en­ta­ções do PCP na acção de­mo­crá­tica no ter­reno legal.

Mar­cada pela au­dácia, en­tu­si­asmo, fir­meza e es­pí­rito cri­ador, a in­ter­venção elei­toral das CDE, apesar do ven­daval de in­ti­mi­da­ções, proi­bi­ções e ac­ções re­pres­sivas que de­frontou, tra­duziu-se numa grande cam­panha de massas contra a ex­plo­ração, os baixos sa­lá­rios, a po­breza, a ca­restia de vida, a total au­sência de li­ber­dades po­lí­ticas e sin­di­cais, o ato­leiro da cri­mi­nosa guerra co­lo­nial.

E, ponto muito re­le­vante, graças de­sig­na­da­mente à grande par­ti­ci­pação ju­venil que sus­citou, per­mitiu a for­mação de cen­tenas e cen­tenas de novos qua­dros para a luta an­ti­fas­cista, que vi­riam a dar uma re­le­vante con­tri­buição para o mul­ti­fa­ce­tado com­bate à di­ta­dura nos anos se­guintes e na pró­pria re­vo­lução de Abril.

Tempo, pois, para evocar com gra­tidão e res­peito a de­ter­mi­nação, co­ragem e energia po­lí­tica de todos os ho­mens, mu­lheres e jo­vens que, nessa época ás­pera, pe­ri­gosa e de­sa­fi­ante, sou­beram estar à al­tura das me­lhores as­pi­ra­ções do povo por­tu­guês e das mais pre­mentes exi­gên­cias da nação in­teira.

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(*) Uma abor­dagem mais ampla desta im­por­tante ba­talha po­lí­tica pode ser en­con­trada no ar­tigo «As “elei­ções” de 1969 no ca­minho para a vi­tória», pu­bli­cado em «O Mi­li­tante» de Se­tembro-Ou­tubro deste ano.



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