8 de março de 2025

O que lhe escondem sobre a Ucrânia

 «O PACTO COM O DIABO» - «COMPLACÊNCIA E PROMISCUIDADE DO OCIDENTE COM AS FORÇAS NEONAZIS [E COM A CORRUPÇÃO] QUE PROLIFERAM NA UCRÂNIA» - Texto do Major-General Carlos Branco

(in ‘Jornal Económico’ de 06/03/2025)
No Ocidente passou a ser pecado falar de neonazis na Ucrânia, dando-se início à maior campanha de branqueamento de um regime político realizada até hoje.
O tema ganhou uma renovada acuidade quando o presidente Donald Trump apelidou o seu congénere ucraniano de ditador. Independentemente do rigor das palavras usadas por Trump importa perceber qual é a verdadeira natureza do regime presentemente instalado em Kiev. Segundo a Varities of Democracy, uma organização de elevada credibilidade académica, que estuda o tema dos regimes políticos a nível mundial, considera a Ucrânia uma autocracia eleitoral, portanto, longe de ser uma democracia plena. Embora não se pretenda com este artigo fazer incursões teóricas no domínio da ciência política, ele apresenta alguns factos que podem ajudar o leitor a fazer uma apreciação do tema mais informada.
Para uma melhor compreensão dos factos e com o intuito de facilitar a sua leitura e sistematização, consideraram-se neste trabalho quatro períodos distintos: desde a independência (1991) até à vitória de Viktor Yanukovych (2010); durante a presidência Yanukovych (2010 – 2014); desde o golpe de Maidan (2014) até à eleição de Zelensky (2019), e desde a eleição deste até aos dias de hoje. Por questões de parcimónia, iremos, fundamentalmente, concentrar-nos no último período.
O aparecimento na Ucrânia, à luz do dia, de organizações ultranacionalistas teve lugar no primeiro período, acelerando após a revolução laranja (2004) e a chegada ao poder de Viktor Yushchenko que, por exemplo, em 2006 reabilitou a organização nacionalista ucraniana OHH UN, responsável pela execução de cerca de 100 mil polacos e judeus durante a Segunda Guerra Mundial. Nessa sequência, em 2010, pouco antes de abandonar a presidência, Yushchenko concedeu o título de Herói da Ucrânia aos líderes da Organização dos Nacionalistas Ucranianos (OUN) Stepan Bandera e Roman Shukhevych (22 de janeiro).
Durante a presidência de Yanukovych houve uma pausa nessa política de estado, com a anulação do título de herói da Ucrânia concedido por Yushchenko. Mas, isso não impediu que esses grupos continuassem a proliferar. Por exemplo, em 2013, nasce a Misanthropic Division, uma rede internacional neonazi cujo dirigente Dmytro Kanuper foi condecorado pelo parlamento dinamarquês, em 2024, como um combatente pela liberdade, o mesmo que tinha o Mein Kampft como a sua leitura preferida; ou, a trasladação (21 de julho de 2013) por ativistas da organização ucraniana Pamiat (Memória) dos restos mortais de soldados ucranianos que combateram na Divisão SS “Galicia”.
O golpe de estado arquitetado pelos EUA no início de 2014 – numa audição no Congresso norte-americano, Vitória Nuland confessou terem sido gastos, desde 1991, cinco mil milhões de dólares em ações subversivas na Ucrânia – foi executado com a colaboração ativa destes grupos. Não é, por isso, de estranhar ver Oleg Tyanibok, um confesso nazi líder do Svoboda, uma organização de extrema-direita, impedido de entrar nos EUA devido às suas opções políticas, ser reabilitado e aparecer ao lado do falecido John McCain.
Em 2014 realizaram-se eleições presidenciais (25 de maio) e legislativas (25 de agosto). Nas primeiras concorreram 21 candidatos e nas segundas 29 partidos, num ambiente de grande hostilidade relativamente às forças não apoiantes do novo regime. O Partido das Regiões que tinha ganhado as eleições em 2010 não teve condições para concorrer às eleições legislativas, apesar de ter apresentado um candidato às presidenciais. O sistema marginalizou e absorveu os partidos pró-russos influentes. Nesse ambiente iniciaram-se as perseguições e o assédio a jornalistas e opositores ao regime.
[Petr Poroshenko, presidente, entretanto, eleito, vem dizer, num tom “conciliador” que os “ucranianos terão empregos, eles [os russos] não; nós teremos pensões, eles não; as nossas crianças irão para as escolas e jardins de infância, as deles terão de se esconder em caves.” Iniciam-se os ataques indiscriminados às populações russófonas do Donbass por milícias ultranacionalistas, com a anuência do governo, recorrendo ao bombardeamento intensivo de áreas residenciais. Tornaram-se triviais as procissões destes grupos pela Avenida Moscow Prospect, redenominada Avenida Bandera Prospect, com archotes, em datas simbólicas.]
Poroshenko toma medidas para diminuir a relevância social da língua russa e da Igreja Canónica Ortodoxa. Em 2017, foi aprovada uma lei que proibia o uso do russo no sistema de ensino. Em dezembro de 2018, foi criada a Igreja Ortodoxa da Ucrânia (OCU), independente da igreja canónica ortodoxa, alinhada com Constantinopla, cujos sacerdotes não só subscrevem a ideologia dos setores politicamente mais radicais do espetro político ucraniano, como homenageiam publicamente colaboradores nazis, personagens como Stepan Bandera.
[Neste período generalizaram-se as punições públicas extrajudiciais dos chamados marauders, uma forma de justiça popular, “em que pessoas são atadas a árvores e postes com fita-cola, com as calças ou saias baixadas e as nádegas fustigadas com chibatas e varas.” Estas práticas sociais passaram a ser dirigidas contra quem se suspeitasse ser russófilo. Bastava ser ouvido pela “polícia de costumes” a falar russo ao telemóvel. Em 2015, Poroshenko bane o partido comunista, do antecedente, uma força política com uma considerável influência na sociedade.]
Em maio de 2019, Zelensky ganha as eleições e assume o poder com a promessa de resolver o problema das províncias rebeldes que dilacerava a sociedade ucraniana havia cinco anos e fazer a paz. Mas fez tudo ao contrário do que tinha prometido. Tendo chegado ao poder escudado num partido – “Servo do Povo” – com uma ideologia libertária, rapidamente se posicionou como um partido russofóbico e pró-americano, navegando num pântano de contradições ideológicas que combinava ideias liberais, socialistas e nacionalistas.
A intervenção na Rada (27 de maio de 2019) de Dmytro Yarosh, fundador do Sector Direito e comandante do Exército Voluntário ilustra bem a importância dos referidos grupos na sociedade ucraniana, quando ameaçou Zelensky de morte se “traísse a Ucrânia”, ou seja, se tivesse a aleivosia de implementar os Acordos de Minsk (“que não eram para ser cumpridos, mas para ganhar tempo e preparar a ofensiva final contra o Donbass e a Crimeia”).
Com a tomada de posse de Zelensky, acelera-se o processo de deterioração das liberdades cívicas iniciado no mandato do seu antecessor, particularmente no que respeita à promiscuidade entre Estado e grupos ultranacionalistas, que aumentam de protagonismo. Completamente alinhado ideologicamente com aqueles grupos, Zelensky vai aprofundar aquilo que Poroshenko tinha iniciado. Os oligarcas seguem-lhe o exemplo.
Um dos principais objetivos do presidente, ex-russo falante, é a completa eliminação da língua e cultura russa. Imediatamente após os protestos de Maidan, o Verkhovna Rada decidiu revogar a lei sobre os princípios da política linguística do Estado, que estava em vigor desde 2012. Em 2017, Poroshenko proíbe o ensino em russo, e a partir de janeiro de 2021, Zelensky dá outra machada na língua russa, ao proibir a sua utilização na administração do Estado.
[Foram igualmente proibidos os livros escritos em russo, incluindo os clássicos da literatura russa. Zelensky ordenou a retirada de 100 milhões de livros de autores russos das bibliotecas da Ucrânia. Tolstoi, Pushkin, Dostoievski e Gorky, entre outros, foram proscritos. O mesmo sucedeu aos compositores russos. Tchaikovsky, Prokofiev, Shostakovich, Borodin, Glinka, Rimsky-Korsakov e muitos outros foram também banidos. Espetáculos e quaisquer outras manifestações culturais em língua russa foram igualmente proibidas. O inglês passou a ser a segunda língua na Ucrânia. As minorias húngaras e romenas, que tinham pretensões semelhantes à russa foram igualmente atingidas e objeto de discriminação.]
No plano religioso, Zelensky foi mais além de Poroshenko e proibiu a igreja canónica ortodoxa (ICO). Foi penoso ver, em abril de 2023, o cerco ao Kiev Pechersk Lavra (KPL) e os correligionários da nova igreja ucraniana expulsarem os sacerdotes da ICO com a ajuda da polícia. De santuário de referência da ICO, o KPL passou a ser lugar de cerimónias pagãs e de encontros gastronómicos sem qualquer relação com a religião. Por toda a Ucrânia, os acólitos da nova igreja apoderaram-se dos santuários da ICO e expulsaram os seus sacerdotes.
Foi durante a vigência de Zelensky, que se realizaram os maiores ataques à liberdade de expressão no país. No dia 3 de fevereiro de 2021 foram banidos três canais de televisão (ZIK, News 1 e 112 Ukraine). No dia 20 de março de 2022, obedecendo às ordens de Zelensky, o Conselho de Defesa e Segurança Nacional da Ucrânia ilegalizou, duma assentada, 11 partidos políticos por supostas ligações à Rússia. Viktor Medvedchuk, o líder da “Plataforma para a Vida”, o principal partido da oposição, que ocupava 44 lugares no parlamento ucraniano, foi colocado em prisão domiciliária.
Destino semelhante teve o presidente do supremo tribunal. O presidente do Tribunal Constitucional “ausentou-se” para parte incerta para não ter a mesma sorte. Até o antigo Presidente Poroshenko, um adversário político e inimigo de longa data de Zelensky, foi vítima da repressão política e da caça às bruxas “politicamente motivada” promovida por Zelensky, que o acusou de “alta traição” e de auxílio a organizações terroristas. É longa a lista de políticos, jornalistas e empresários mortos, sequestrados ou torturados durante a presidência de Zelensky. Um deles, é Oleksander Dubinskyi deputado na Rada, vítima de duas tentativas de assassinato e preso há mais de 15 meses por criticar a corrupção no país.
Em contrapartida, nenhuma das organizações neonazis foi ilegalizada. O nazismo e as insígnias fascistas normalizaram-se na sociedade e no seio das forças armadas. A suástica, o Sol negro e a caveira de Totenkopf vulgarizaram-se e tornaram-se moda. Zelensky publicou, sem qualquer pudor, fotografias destas insígnias nas suas contas das redes sociais.
A 13 de maio de 2023, Zelinsky visitou o Papa envergando uma camisola preta com o emblema da UNO, uma organização nacionalista ucraniana, e entregou-lhe um ícone com uma silhueta negra de Cristo ao colo da Virgem Maria, o que, de acordo com os cânones da Igreja Católica pode ser considerado satânico. A moda chegou também a outros domínios como monumentos, toponímia e filatelia, utilizados para exaltar figuras prominentes do movimento ucraniano bandeirista, responsável pela morte de judeus.
No dia 1 de março de 2022, de acordo com o decreto assinado por Zelensky, foi criada a “Legião Internacional de Defesa da Ucrânia” que passou a ser integrada na estrutura das Forças Armadas, cujo pessoal incluía mercenários, adeptos de ideias extremistas e terroristas de várias partes do mundo.
Zelensky aderiu e alimentou a fantasia, promovida pelos ultranacionalistas, de um estado mono étnico, monocultural e centralizado. A aprovação na Rada da lei racista e xenófoba sobre os povos indígenas” (13 de dezembro 2022) foi uma materialização desse desígnio. Inserido neste projeto, assiste-se a um movimento de revisionismo histórico com laivos fantasiosos e caricatos. Igor Tsar, autor do livro “Ucrânia – a pátria ancestral da humanidade”, vencedor do Prémio Stepan Bandera, publicado em Lvov alerta-nos para uma imensidão de “factos históricos” desconhecidos (foram as tribos arianas da Ucrânia que fundaram o Irão no 4º milénio a.C. e colonizaram a Palestina. A língua inglesa é proveniente da Ucrânia. Até Jesus era ucraniano).
[Nesta análise sobre o regime ucraniano sob a tutela de Zelensky, não podíamos deixar de referir o envolvimento de Zelensky na corrupção que grassa no país, que se encontra devidamente documentada. No outono de 2021, o Consórcio Internacional de Jornalistas de Investigação publicou os chamados Pandora Papers, onde se incluíam dados das contas offshore de 35 líderes mundiais. Zelensky e os seus parceiros do estúdio Cartel 95 estavam entre eles.]
Entre 2012 e 2016, foram transferidos 41 milhões de dólares para a empresa offshore de Zelensky. Num país normal teria sido preso. Uma das múltiplas mansões que tem por esse mundo fora encontrava-se na Crimeia, um erro que lhe custou caro. Foi expropriado e a mansão vendida em hasta pública, tendo o resultado da venda revertido para um fundo de ajuda a combatentes russos.
No Ocidente passou a ser pecado falar de neonazis na Ucrânia, dando-se início à maior campanha de branqueamento de um regime político realizada até hoje. O “Guardian”, entre outros órgãos de referência da comunicação social, que antes do início da guerra em 2022 escrevia “bem-vindo à Ucrânia, o país mais corrupto da Europa”, passou depois a considerar que “A luta pela Ucrânia é a luta pelos ideais liberais.” A corajosa reportagem de Mariana Van Zeller sobre grupos neonazis na Ucrânia foi censurada e retirada do canal Disney. Quem desmonta esta e outras falácias (o tema está longe de se esgotar neste artigo) foi acusado de ser propagandista do Kremlin.
O branqueamento do regime instaurado em 2014 é feito com base em dois argumentos: se o regime tivesse a filiação ideológica de que é acusado não teria um presidente judeu; os neonazis não têm expressão eleitoral significativa, por isso o regime é democrático. As questões devem, no entanto, ser colocadas de outro modo. Seria insuportável para as democracias europeias admitirem que estão a apoiar um regime que permite a proliferação da ideologia nazi e protege organizações neonazis.
Por outro lado, omite-se o facto de que muitos desses partidos/grupos ultranacionalistas não concorreram às eleições, e menospreza-se deliberadamente a sua influência na sociedade, sobretudo nas forças militares e de segurança, consolidada no rescaldo do golpe de Maidan. O facto da Ucrânia ter servido de tirocínio de combate a vários grupos neonazis europeus está superlativamente documentado em língua portuguesa aqui (cap.IV) e aqui).
[A farsa completa-se quando Zelensky participou nas comemorações do 80º aniversário da libertação do campo de extermínio nazi de Auschwitz, ou se ajoelha no memorial de Babyn Yar, em Kiev, não obstante a sua adesão incondicional à exaltação histórica dos bandeiristas, os mesmos que perpetraram o massacre lembrado por aquele memorial.]
Não podemos deixar de nos questionar sobre a complacência e promiscuidade do Ocidente com as forças neonazis que proliferam na Ucrânia, porque é que se omitiu essa realidade e se tornou um tabu a partir de fevereiro de 2024, apesar de denunciada antes, com o conluio da comunicação social. Os exemplos são gritantes, e são muitos. Os aplausos em pé no parlamento canadiano a Yaroslav Hunka, que durante a Segunda Guerra Mundial serviu na 14ª Divisão de Granadeiros da Waffen-SS, considerado um “herói” durante a visita do Presidente Zelensky. Por terem sido vítimas da brutalidade destes grupos, os polacos são uma exceção a este unanimismo.
Pelo exposto, pode concluir-se que Donald Trump não anda afinal muito longe da verdade. Pelo andamento da carruagem, não se admire o leitor se um dia acordar e perceber que andou três anos a ser enganado. A possibilidade de isso acontecer já esteve mais distante.
__________///______________

10 de janeiro de 2025

O que já vai mudando na Siria

Major - general Carlos Branco no «Jornal Económico» de 10.1.2025

(...)«  Apesar destas credenciais, o mesmo Jolani, que liderou em Idlib um mini califado, passou a ser apresentado como defensor de um projeto político democrático, inclusivo e respeitador das minorias. Para o credibilizar e tornar tolerável, os seus patrocinadores, entenda-se Ancara, apararam-lhe a barba e substituíram-lhe o turbante pelo fato e gravata. Entretanto, Jolani já disse que eleições só dentro de quatro anos e uma nova Constituição daqui a três. Até quando conseguirá Jolani manter a aparente moderação, tão necessária à sua legitimação internacional?

Se em Damasco, onde se concentram as cadeias de televisão, tem havido contenção por parte do HTS, o mesmo não se pode dizer na periferia da capital e nas zonas costeiras de Latakia e Tartus, onde os assassinatos e a perseguição de alauitas e xiitas são diárias, e em cidades como Homs, onde as vítimas são cristãos.

Em resposta a estas situações, a tensão social tem vindo a aumentar. Grupos de militares fiéis ao antigo presidente Bashar al-Assad confrontaram em Latakia milícias afetas ao HTS. Por outro lado, não é claro até quando o presidente Recep Erdogan e Jolani vão conseguir segurar os grupos jihadistas próximos do ISIS e da Al-Qaeda, que fazem parte do HTS, constituídos por estrangeiros oriundos do Cáucaso, Ásia Central e Médio Oriente que, descontentes com a “complacência” do atual regime com os infiéis e Israel, pedem sangue. Sem falar no que está a acontecer no norte do país, entre a Turquia e as milícias sírias curdas apoiadas pelos EUA, e a possibilidade de um confronto militar entre a Turquia e Israel.

O verniz da moderação já começou a estalar. A posição ideológica dos novos dirigentes começa a tornar-se evidente. A secularidade síria corre o sério risco de ser coisa do passado. Os primeiros sinais vieram do Ministério da Educação, rápido a introduzir alterações nos programas escolares e a impor uma linguagem politicamente correta, que reflete a visão de um mundo que renega a ciência em favor da teologia. O Darwinismo foi enterrado. A disciplina “A Origem da Vida e o seu Desenvolvimento na Terra” foi retirada do programa.

Também a disciplina de história foi vítima dos novos imperativos ideológicos. Foi eliminada a referência ao papel das mulheres na história do país. “Zenobia e as rainhas sírias” estão em vias de desaparecerem dos manuais escolares. Com os indícios de um futuro sombrio a avolumarem-se, tudo sugere que a já péssima situação do povo sírio não melhore, mesmo com o alívio das restrições da ajuda humanitária dos EUA à Síria.

23 de dezembro de 2024

Desculpem ser em inglês e francês

Ilan Pappé,
um historiador
israelita não sionista



A  limpeza étnica da Palestina

Nesta obra maior, Ilan Pappé, historiador israelita de renome, regressa à foresmação do Estado  de Israel : entre 1947 et 1949, mais de 400 aldeias palestiniaoram deliberadamente destruidas, civis foram massacrados, mulheres e crianças foram expulsas das suas casas sob a ameaça de armas. 

Esta limpeza étnica passou sob silêncio durante mais de sessenta anos e tem ainda dificuldade em ser considerada na sua exacta dimensão.

Apoiando-se sobre numerosos arquivos, Ilan Pappé refuta indubitavelmente o mito segundo o qual a população palestiniana tinha partido de livre vontade e demonstra que, desde as suas primícias, a ideologia fundadora de Israel trabalhou para a expulsão forçada da população autóctone.


Neste livro conta-se a história da Palestina, uma terra habitada por dois povos, com duas identidades nacionais. Inicia-se ainda no período otomano, nos primeiros anos do século xix, passa pela chegada dos primeiros sionistas, no final desse século, pelo mandato britânico no início do século xx, pela criação do Estado de Israel em 1948 e as subsequentes guerras e conflitos.
Grandes acontecimentos como estes constituem o pano de fundo da narrativa e explicam a construção dos nacionalismos sionista e palestiniano, mas o centro da cena é ocupado por aqueles que viveram esses tempos: homens e mulheres, crianças, camponeses, habitantes das cidades, trabalhadores, judeus e árabes.
É uma história em que se encontra coexistência e até cooperação, mas também opressão, ocupação e exílio.
Lúcido e direto, este livro constitui um contributo ímpar para a história desta terra atormentada, sendo de leitura indispensável para todos quantos se preocupam com os destinos do Médio Oriente.
História da Palestina Moderna – Uma terra, dois povos é hoje, por todos os motivos, uma obra muito atual.



21 de dezembro de 2024

Mais trancadas sobre o caso do Martim Monoz

 João Miguel Tavares no «Público»
( Eu não o aprecio mas desta vez acertou)

«(...)Foi, portanto, uma operação de marketing policial desligada de qualquer suspeita de crimes concretos que recorreu a todo aquele aparato e àquela brutal violência simbólica para tranquilizar os “portugueses de bem” – os tais que andam a sentir-se muito inseguros, mesmo não estando a ser vítimas de muitos crimes, segundo a notável teoria do senhor primeiro-ministro. E quais foram os resultados práticos de tão tremenda operação? Segundo a PSP, foram detidas duas pessoas e apreendidos – segurem-se bem – 3435 euros, um passaporte, uma faca com uma lâmina superior a dez centímetros, um telemóvel que constava como furtado e meio quilo de haxixe.
É como na anedota brejeira: tanta dinamite para um rastilho tão pequeno. E já que passou a valer tudo, deixo aqui uma sugestão: na próxima segunda-feira, proponho que a PSP vá fazer o mesmo tipo de “operação especial de prevenção criminal” para o El Corte Inglés ou para as Amoreiras, que é véspera de Natal e há imensa gente para encostar à parede. A colheita ao nível de estafetas da Glovo vai ser mais fraca do que no Martim Moniz, mas encontrarão certamente imensos gramas de haxixe, cocaína da boa e vários suspeitos de esconderem mais do que 3435 euros em offshores. Eu iria sentir-me muito mais seguro. (...)»

Pacheco Pereira desanca no PSD (no «Público»)

(...)A operação do Martim Moniz foi feita para este mundo de insatisfação, ressentimento, culpabilidade dos outros, de medo. É por isso que, no caso das pessoas encostadas à parede na Rua do Benformoso, neste caso, o Governo do PSD e CDS comportou-se como o Chega, em ideologia, em política, em racismo e actuou como o Chega. Ora Chega já basta um,

( ...)

Mas se se quer falar de crimes, quando é que são encostados à parede os que vivem do emprego ilegal, pagando salários de miséria, sem quaisquer direitos laborais, os que obrigam a trabalhar em condições extremas em temperaturas altíssimas nas estufas, os que exploram esse proletariado da bicicleta que atravessa as nossas cidades com mochilas de alimentos a qualquer hora do dia ou da noite.(...)»

Desses emigrantes há muito quem goste porque vive de os explorar. E sentam-se nas mesas das altas negociações com o Governo em nome da “modernização da agricultura” ou do turismo, e são recebidos com todos os salamaleques, que por acaso é uma palavra de origem árabe. Ou os que nunca mais permitem a construção de uma mesquita no Martim Moniz para atirar os muçulmanos para mesquitas ilegais em apartamentos onde grassa o fundamentalismo, ou que os obrigam a orar na rua, para ainda acentuar mais o medo da ignorância.»



20 de dezembro de 2024

Outros três cartoons sobre os EUA

 


Os imperadores- Trump. Musk e Vance -
novo mandato


- Quando ele diz «não se deve matar», isso inclui 
os executivos dos seguros de saúde ?


- Há três ramos - o legislativo, o executivo
e o Elon Musk

28 de novembro de 2024

Mais América em três cartons

 

- Hei Margarida ! Temos outro que
quer hibernar até 2028 !


- Deportação em massa é possível
sem separação das famílias...
- ... se as próprias famílias  forem
deportadas juntas !


26 de novembro de 2024

Sobre bandeiras do PCP na manifestação pela paz em 15 de Fevereiro

Verbo no presente

Vítor Diasin «Avante!» de 27.2.2003

Não vale a pena fin­girmos que não per­ce­bemos, através de múl­ti­plos si­nais, que certos qua­drantes não fi­zeram uma boa di­gestão da sig­ni­fi­ca­tiva pre­sença de ban­deiras do PCP na ma­ni­fes­tação pela paz de 15 de Fe­ve­reiro.

 A este res­peito, há al­gumas coisas que tem de ser ditas sem tardar.

A pri­meira é, desde logo, que os úl­timos a po­derem dis­cutir as ban­deiras dos ou­tros são aqueles mesmos que são lar­ga­mente co­nhe­cidos por, até em ini­ci­a­tivas de que não são en­ti­dade con­vo­cante e até no 1º de Maio (que é con­vo­cado pela CGTP-IN), des­fi­larem os­ten­si­va­mente com as suas ban­deiras e or­ga­ni­zados em bloco.

A se­gunda é que, neste con­texto, é com­ple­ta­mente ca­reca que só a pro­pó­sito da ma­ni­fes­tação do dia 15 al­guns te­nham des­co­berto as «guer­ri­nhas de ban­deiras nas ma­ni­fes­ta­ções», coisa que cer­ta­mente lhes teria pas­sado des­per­ce­bido se as ban­deiras do PCP ti­vessem fi­cado em casa mas na ma­ni­fes­tação não fal­tassem, como não fal­taram, as ban­deiras das or­ga­ni­za­ções, es­tru­turas ou par­tidos com que eles se iden­ti­ficam.

A ter­ceira é que foi in­tei­ra­mente justo e na­tural que muitos co­mu­nistas (mas nem de perto nem de longe todos os que lá foram) des­fi­lassem no dia 15 com a ban­deira do seu par­tido que, além do mais, era uma das en­ti­dades pro­mo­toras da ma­ni­fes­tação e tão de pleno di­reito como as de­mais.

A quarta é que, como as ban­deiras não andam só­zi­nhas, os in­co­mo­dados de­viam ser mais francos e ter a co­ragem de dizer ou que pre­fe­riam que quem as le­vava não ti­vesse ido à ma­ni­fes­tação ou que en­tendem le­gí­timo e de­mo­crá­tico proibir ma­ni­fes­tantes de exi­birem os sím­bolos da suas con­vic­ções e da sua es­pe­cí­fica con­tri­buição para a luta pela paz.

A quinta é que os que pro­testam contra ale­gadas «he­ge­mo­ni­za­ções e ins­tru­men­ta­li­za­ções par­ti­dá­rias» ou contra «a do­mi­nação dos mo­vi­mentos so­ciais pelos apa­re­lhos par­ti­dá­rios» por al­guma razão se es­quecem sempre de se pro­nun­ciar com igual vigor contra a do­mi­nação e ins­tru­men­ta­li­zação dos par­tidos – ou de ini­ci­a­tivas uni­tá­rias - por ou­tras es­tru­turas, or­ga­ni­za­ções e per­so­na­li­dades.

A sexta é que é ab­so­lu­ta­mente in­to­le­rável que al­guns que tanto falam contra as «par­ti­da­ri­za­ções» e tanto pro­clamam a justa plu­ra­li­dade e di­ver­si­dade do mo­vi­mento de opi­nião contra a guerra, são os que não he­sitam em apre­sentar ini­ci­a­tivas que são na prá­tica do seu par­tido como ini­ci­a­tivas do «mo­vi­mento contra a guerra», como se al­guma parte - pe­quena ou grande - pu­desse falar pelo todo.

A sé­tima é que, ca­re­cido de tomar chá de tília, bem pode Mi­guel Portas («DN» de 20/​2) iden­ti­ficar os co­mu­nistas como «as ge­ra­ções que lu­taram» (verbo no pre­té­rito per­feito) porque a re­a­li­dade da luta contra a guerra e todas as ou­tras lutas aí estão a mos­trar que a única forma de iden­ti­ficar hoje os co­mu­nistas é como as ge­ra­ções que mais lutam (verbo no in­di­ca­tivo pre­sente).

23 de novembro de 2024

Ainda e sempre sobre o famoso e inventado «cerco à Constituinte»



Em 2.4.2016 em
«o tempo das cerejas» 


Semanário de 17.11.2000

Sabemos que esta crónica  nos vai colocar na situação de alguém que decidiu enfrentar a marcha de um comboio de alta velocidade.
Mas não importa. Ela explica-se porque, desde 1975,  raramente se terá passado um ano sem que, tal como a generalidade dos cidadãos, não fossemos bombardeados com a história e as imagens (que não contam toda a verdade !) do alegado “Cerco à Constituinte” ocorrido em 12/13 de Novembro de 1975 e não sentíssemos uma viva indignação face a uma pérfida mentira que, por milhares de vezes repetida, terá sido absorvida por sucessivas gerações de portugueses como  uma sólida e cristalina verdade.

De tal modo assim é, que nem nos choca especialmente ver num trabalho no “Público” de 13/11 antigos deputados à Constituinte     (do PS, do PSD e do CDS) a tratarem os acontecimentos de 12.11.75 ou como um “ensaio de golpe” ou como uma acção inspirada pelo PCP com vista a paralisar ou acabar com os trabalhos da elaboração da Constituição. Ao fim e ao cabo, há tantos e tantos anos que repetem o mesmo que já não devem conseguir distinguir a verdade histórica da  sua útil conveniência em terem baptizado de “cerco da Constituinte” aquilo que, quando muito mas com menos lucro, podiam ter chamado “cerco do Governo”.

A peça do “Público” exemplifica aliás exuberantemente toda a viciação capital que sempre foi feita daqueles acontecimentos. De facto, nela a manifestação e concentração dos trabalhadores da construção civil frente ao Palácio de S. Bento é um pormenor acessório porque todo a centralidade e destaque vai para o  “cerco da Constituinte” e são até escamoteados aos leitores quais eram as razões daquela imensa manifestação de trabalhadores.

Desde há 25 anos, o principal  truque mistificatório  sempre esteve em escamotear que, após três dias de greve nacional, a manifestação dos trabalhadores da construção civil só foi dirigida para o Palácio de S. Bento ( onde, aspecto crucial a recordar, também funcionava o VI Governo Provisório) porque o Ministério do Trabalho se recusou  a responder às reivindicações formuladas e, na esperança de desmobilizar a manifestação, encerrou as próprias instalações do Ministério na Praça de Londres.

Saiba-se portanto que a concentração em S. Bento não visava a Assembleia Constituinte mas o Primeiro-Ministro e o Governo para quem o comportamento irresponsável do Ministro do Trabalho acabara por endossar a questão.

Não se trata obviamente  de negar nem a inserção da manifestação na aguda confrontação social e política da época nem muito menos de ignorar que, na decorrência deste conflito entre trabalhadores e política do Governo, por efeito do radicalismo e da imponderação, quer o Primeiro-Ministro quer os deputados à Constituinte ficaram na prática impossibilitados de sair do Palácio de S. Bento, facto de que o PCP discordou (cf. comunicado de 13.11.75).

Mas esse facto real não pode transformar aquela concentração de trabalhadores nem num suposto “cerco à Constituinte” nem numa acção deliberadamente dirigida contra os trabalhos a que aquela Assembleia estava vinculada por mandato popular, ou seja elaborar uma Constituição para o Portugal libertado do fascismo.

E se não é assim, então que dêem um passo em frente todos os que, com recurso à ampliação das fotografias da concentração, forem capazes de provar que no mar de cartazes e panos, em vez de reivindicações socio-laborais ou de política geral, se encontra sim um oceano de invectivas contra a Assembleia Constituinte e de gritos de ódio contra a elaboração da Constituição.

Que dêem um passo em frente todos quantos forem capazes de contar (só inventando) quais foram então as tenebrosas reivindicações políticas que os manifestantes tenham dirigido aos deputados à Constituinte  ou ao seu Presidente.E já agora, como nestas evocações do falso “cerco à Constituinte” sobra sempre que se farta para o PCP, que dêem um passo em frente todos os que forem capazes de demonstrar que o dr. Vital Moreira e os restantes deputados comunistas de então, em vez de andarem a contribuir qualificadamente para a elaboração da Lei Fundamental, andavam sim por S. Bento a incendiar reposteiros, a colocar petardos nas comissões e a fazer quotidianas arruaças no plenário.  »

P.S.:E quando esta crónica foi uns anos mais tarde republicada em «o tempo das cerejas», na respectiva caixa de comentários escreveu então o dr. José António Barreiros :

«Na altura eu era Secretário do Conselho de Ministros, sendo primeiro-Ministro o almirante Pinheiro de Azevedo. Fiquei «cercado».É uma história longa, dará um «post» em qualquer ocasião. Assisti ao ir e vir da comissão negociadora, vi a betoneira que vedada a saída pela Rua da Imprensa, testemunhei por isso, que o alvo era o Governo não a Assembleia, a questão sindical não constitucional. Mais, quando da descida do helicóptero, devemos aos que ainda controlavam o «cerco» do lado dos manifestantes, terem conseguido suster o que poderia ter sido uma tragédia.
Tem pois razão o Vítor Dias. Esta é a verdade. »

21 de novembro de 2024

Mais três cartoons sobre as nomeações de Trump


 Trump escolhe o seu gabinete
-sim, senhor ! nunca errado.
génio, grande ideia !
o melhor Presidente de sempre

- Departamento de educação do Texas
- escolas públicas

- Justamente Trump escolheu o apresentador
 das regras de transito na MTV
para secretário dos transportes
- Trump prepara-se para anunciar
«Octomom»* como secretária do
trabalho.
* Referência a Nadia Suleiman
que, depois de ter tido seis gêmeos,
 num novo parto teve oito.


19 de novembro de 2024

Três cartoons em torno da desgraça

- Então, você não  tem absolutamente
nenhuma experiência neste campo e
nenhum particular interesse 
neste assunto ?
- Muito obrigado, eu vou notificar o presidente
eleito Trump da sua disponibilidade !

Trump - Se pensa que isto é alguma coisa
 espere até ver o que eu tenho planeado
para a Constituição...


- A única qualificação de Matt Gaetz
(indicado por Trump para Procurador Geral)-

27 de outubro de 2024

30 anos depois, VIAGEM A UM TEMPO DE ANTENA DO CAVAQUISMO

Os cavalos a correr...
no Avante! de 30.4.1994

Beneficiando obviamente de facilidades concedidas pelo PSD no âmbito do que se costuma chamar a «propaganda da propaganda», logo na manhã de segunda-feira o «JN» podia anunciar que  «o puro sangue lusitano, generoso e temperamental»  seria  «o elemento audiovisual dominante em todo o tempo de antena do PSD »  que a RTP transmitiria na noite desse dia, numa escolha destinada a exprimir a «impetuosidade triunfante»  da mensagem televisiva do PSD.

De facto, assim foi. Com o «Bolero» de Ravel sempre em fundo, lá tivémos os cavalos a correr ao serviço da esfalfante missão de fazer os portugueses aprender quanto do prestigio mundial de Portugal, do progresso e modernização do país e da vida boa e feliz do seu povo se deve ao PSD e a Cavaco Silva.

Sejamos compreensivos com o PSD: quem não tem cão, caça com gato.

Não há agora uma selecção nacional de juniores campeã mundial cujas imagens possam ser instrumentalizadas pela propaganda do PSD.E o « novo homem português », que Cavaco Silva em tempos anunciou pretender criar, ainda não começou a sair da linha de montagem e, por isso, também não pode ser exibido em tempos de antena de televisão. 

Sem os juniores campeões e sem exemplares decentes e credíveis do «novo»  português, compreende-se, a muitos títulos, que o recurso aos cavalos lusitanos - impetuosos mas domados, fortes mas irracionais, correndo em manada na direcção imposta pelo susto causado pelo helicóptero por conta das filmagens do PSD - tenha agradado aos responsaveis do PSD.

O resto do tempo de antena não tinha nem história nem novidade. Porque, tirando os miserabilistas e catastrofistas do costume, todos sabemos que nós, portuguesinhos valentes comandados pelo Prof. Cavaco,  « estamos a vencer a crise internacional que nos bateu à porta »  e « aproximamo-nos a passos largos dos países mais desenvolvidos da Europa » , que Portugal é o máximo para estrangeiros. Porque, tirando os pessimistas e derrotistas do costume, todos sabemos  que « Portugal deu a volta e está a vencer » e que , tal como aquele inesquecível casal « descoberto» pelo PSD, tivémos mais dinheiro este ano e até já não precisámos dessas misturas de apartamentos de férias alugados a meias.

Mas então - perguntará algum leitor mais desejoso de equilibrio e imparcialidade - não se salvou nada no tempo de antena do PSD ?

Claro que sim. Nem mais nem menos que os cavalos lusitanos - bonitos e simpáticos animais - e o «Bolero» de Ravel.

Naquela peça de mistificação e ilusionismo, eram os únicos inocentes. Ninguém lhes pediu opinião e, por sinal, até já existiam antes de Cavaco Silva ter empreendido esse pesadelo que cinicamente baptizou de  «democracia de sucesso».

9 de outubro de 2024

Uma realidade menos falada

 « Grandezas» da Europa


Um milhão de escoceses
vivendo na pobreza
-manchete do "Daily Record"

7 de outubro de 2024

A sabedoria de cada um


          Ele : «Peço desculpa mas não sei o suficiente sobre Kamala».

           Ela; « Peço desculpa mas eu sei demasiado sobre Trump»

1 de novembro de 2023

Há 50 anos. aquele 1973

Vítor Dias

Na revista «O Militante» de Nov. / Dez. de 2023

A realização com notável êxito do 3º Congresso da Oposição Democrática (Aveiro, Abril de 1973) e a intervenção dos democratas na farsa eleitoral de Outubro de 1973 constituíram duas combativas jornadas de luta antifascista em que o recurso à repressão por parte das autoridades não conseguiu evitar a evidência da crise e isolamento do regime.

Não se pense porém que o ano de 1973 tenha sido uma excepção singularmente brilhante num conjunto temporalmente mais vasto da vida nacional.

Na verdade, os acontecimentos de 1973 são parte integrante e indissociável da criatividade e dinamismo político que caracterizaram a luta antifascista no periodo que vai desde a posse de Marcelo Caetano como Presidente do Conselho em Setembro de 1968 até 25 de Abril de 1974.

E, em imensa medida, essa criatividade e dinamismo são inseparaveis do papel dos comunistas e do PCP e da orientacao por si assumida. Com efeito, o PCP, contra certas ilusões e benévolas expectativas de outras correntes da oposição, advertiu que não seriam os fascistas a acabar com o fascismo e que se entrava na fase do «salazarismo sem Salazar ». Mas o PCP não se limitou a dizer isso, antes atento às mudanças, salientou a necessidade de se explorarem em profundidade todas as concessões demagógicas que o regime viesse a fazer por forma a abrir um “novo curso politico” na vida nacional.

E o ”novo curso político” viria a traduzir-se nomeadamente na intervenção democrática na farsa eleitoral de Outubro de 1969 com as CDE; na criação em 1969 do Movimento Democrático das Mulheres: na criação da Comissão Nacional de Socorros aos Presos Políticos em 1969: na crise académica em Coimbra em 1969; na criação do Movimento da Juventude Trabalhadora e da União dos Estudantes Comunistas; nas acções da ARA contra o aparelho da guerra colonial; na conquista das direcões de numerosos sindicatos por listas da confiança dos trabalhadores e na fundação da Intersindical Nacional em Outubro de 1970; a formação de varias c cooperativas  livreiras que, até serem extintas pelo fascismo, representaram importantes pontos de apoio âactividade antifascista; as greves operárias dos primeiros meses de 1974.

Ponto alto da unidade antifascista

O 3º Congresso representou um assinalável progresso nas relações entre as correntes antifascistas e destas com numerosas personalidades que não tendo uma expressa vnculação partidária deram um muito valioso contributo para o sucesso da iniciativa. Viviam-se já tempos políticos em que estavam desfeitas as esperanças de alguns no consulado marcelista e em que caracterizações essenciais do PCP sobre o regime a sua natureza obtinham muito maior consenso. O relevo dado em teses e comunicaçóes aos problemas dos trabalhadores, a inclusão como tarefas fundamentais da oposição democrática a luta contra o poder absoluto dos monopólios e a luta contra a guerra colonial e pela independência dos povos coloniais (objectivos  á formulados pelas CDE em 1969) deram prova de uma oposição enraizada nos grandes problemas nacionais.

Por outro lado, a repressão desencadeada pelo governo contra o congresso (estabelecimento de um autêntico cerco à cidade, multiplas acçoes de intimidação) e com especial brutalidade a carga da  policia de choque sobre os participantes numa projectada romagem à campa de Mário Sacramento fizeram desabar ainda mais o sonho do goverrno de, com a autorização do Congresso, melhorar a sua imagem internacional. Com a sua corajosa decisão de manter a romagem apesar da sua proibição, a Comissão Nacional do Congresso mostrou ao país que em Portugaln havia uma oposição firmemente empenhada em conquistar tudo e não apenas o que o fascismo estava disposto a dar.

Equívocos sobre uma tese

Nos balanços sobre o Congresso aparece por vezes a critica de que as suas conclusões não tiveram em devida conta aspectos fundamentais da tese apresentada por José Medeiros Ferreira e intitulada «Da necessidade de um plano para a Nação» nem o seu carácter «premonitório» em relação ao que viria a acontecer em 25 de Abril do ano seguinte. Ora quanto a isto é necessário ter em conta que a tese de Medeiros Ferreira, cujo valor e interesse era real, do que tratava era nem mais nem menos, a questão da via para o derrubamento do fascismo, tema dificilmente compaginável com o Congresso de uma força que se pretendia legal.

Acresce sobretudo que para ser realmente «premonitória» a tese de M.F. teria de incluir a ideia de que a iniciativa do derrubamento do fascismo devia pertencer às Forças Armadas. Ora, M. F. sublinhou enfaticamente que «Portugal encontra nas suas classes trabalhadoras o melhor veículo para a sua continuação como Estado independente e é desta força social que pode resultar um projecto global para a Nação ou pelo menos nela apoiado. (...) As classes trabalhadoras aparecem pois como a força social do futuro ». Mais, na tese de M.F. explicita-se que «da situação óptima que seria as classes trabalhadoras inspirarem e fortalecerem o Exército, chega-se à possibilidade de se assistir a fenómeno contrário. O do enquadramento das classes trabalhadoras pelo Exército. E a experiência dos aldeamentos estratégicos, por si só, não é a melhor garantia de democracia...»

Sempre sem negar a importância da reflexão de M.F., cumpre anotar que a importância das Forças Armadas para a solução do problema político português já tinha sido abordado muitos anos antes. Com efeito, já em 1961 escrevia Álvaro Cunhal: «Um levantamento nacional vitorioso terá  de adquirir a forma de poderosas manifestações de massas, incluindo eventualmente uma greve geral política, terá de contar com o apoio duma parte das forças armadas ou pelo menos da neutralidade de importantes sectores dessas forças e deverá ter como objectivo derrubar a ditadura pela força caso ela resista pela força. Para um levantamento nacional vitorioso, o problema das forças armadas adquire especial importância. É perigosa fantasia pensar que um movimento popular, por muito vasto e poderoso que seja, pode provocar o derrubamento da ditadura fascista se as forças armadas mantém a sua coesão, unidade e combatividade ao serviço do governo fascista

Outubro de 1973:
uma campanha cheia de violência

Prolongando a repressão já exibida no Congresso de Aveiro, também a campanha «eleitoral» de Outubro desse ano se revestiu de graves e numerosas arbitrariedades, desde logo e em primeiro lugar um ambiente geral de intimidação que dificultou a obtenção de sedes e espaços para sessões e comícios, a interrupção e cancelamento de comícios pela PSP sempre que um orador se referia à guerra colonial, uma brutal carga da policia d e choque sobre uma multidão que não conseguiu aceder ao comício na Sociedade Nacional de Belas Artes, a sistemática prisão pela PSP de activistas que afixavam no espaço público materiais de propaganda, a censura a cartazes por parte dos Governos Civis e a proibição de acções de propaganda fora de recintos fechados, o silenciamento da oposição na televisão e na rádio.

E, como tudo isso não bastasse, a 10 dias do início da campanha eleitoral, o Governo que já tinha tentado proibir as Comissões Eleitorais no Verão publicou um decreto-lei que sujeitava a julgamento todos os candidatos e membros de comissões eleitorais que desistissem de ir às urnas ou apelassem à abstenção com a consequência da perda de direitos políticos por cinco anos.

E foi este decreto-lei que explica porque razão a oposição não concorreu em 11 distritos.Na verdade o que se passou foi que nesses distritos um conjunto de advogados que eram candidatos entenderam muito discutivelmente que aquele decreto, por via da perda de direitos politicos, podia vir a comprometer o exercicio da sua profissão.

Como é evidente, este arsenal repressivo prejudicou, com variações distritais, a campanha da oposição na farsa eleitoral de Outubro de 1973. Mas não pôde apagar a fundada convicção de que crescia no país o isolamento e descrédito do regime e se acumulavam forças dispostas a bater-se corajosamente até à conquista da liberdade.

E muito menos pôde evitar a considerável influência  quer do 3º Congresso quer da intervenção na farsa eleitoral de Outubro de 1973 no processo de consciencialização política de participantes no movimento dos capitães que viria a ter uma significativa expressão em linhas fundamentais do Programa do MFA.

5o anos é muito tempo e estas linhas mais não quiseram do que recordar quanto caminho andámos para aqui chegar.

25 de abril de 2023

Intervenção no 25 de Abril de 2023 em Vila Franca de Xira no desfile da URAP

Passaram 49 anos mas..

Em nome da URAP sejam todos bem vindos a este desfile que honra as poderosas tradições antifascistas desta nossa terra e celebra condignamente o 25 de Abril, essa data maior da nossa história como povo e como nação, esse inesquecivel acontecimento que semeou alegria e esperança no coração dos portugueses, essa revolução democrática que, graças ao corajoso impulso inicial dos militares do MFA, abriu horizontes de liberdade, paz, justiça e progresso social para a nossa então sofrida pátria.

49 anos é muito tempo e nesse tempo, bem o sabemos, cabem desilusões, derrotas, conflitos e esperanças traídas mas queremos crer que, pelo menos nos mais velhos de nós, permanece viva a memória de um tempo apaixonante de transformações e conquistas que modificaram para melhor a face do pais, que fizeram irromper nas ruas e praças de Portugal uma generosa vontade colectiva de combater as injustiças sociais, de afirmar direitos e liberdades e de assegurar a vitória sobre o atraso, a exploração desenfreada e o poder absoluto dos que tinham sido os principais apoios e sustentáculos do regime fascista.


Vivemos hoje um tempo português onde não faltam casos de corrupção, abusos de poder, negociatas e trapalhadas. Mas é justo lembrar que em 1974 e 1975 nada disso aconteceu. E não aconteceu porque viviamos então uma época em que o interesse público e o bem comum eram sagrados, em que a desonestidade e o roubo não eram tolerados, em que predominava uma moral colectiva que era intransigente em relação a todos esses fenómenos.

49 anos é muito tempo e por isso é adequado relembrar que a revolução de Abril, traduzindo magnificamente as aspirações do povo português como se viu na histórica e impressionante jornada do 1º de Maio de 1974, não nos trouxe apenas esse bem maior que é liberdade porque nos trouxe também uma patente melhoria das condições de vida ,(o salário minimo nacional nasceu aí), a generalização da segurança social e dos subsidios de férias e de natal,a liberdade sindical, a nacionalização dos grupos monopolistas, a terra a quem a trabalhareforma nos latifundios da fome nos campos do sul, as comissões de moradores e de trabalhadores, os primeiros passos para a democratização das autarquia e ainda,como conquista do mais alto valor,o fim de uma guerra colonial que já tinha ceifado a vida de dez mil jovens portugueses e de um número maior de africanos.

Como hoje voltaremos a ver logo à tarde na Avenida da Liberdade em Lisboa, o 25 de Abril continua ter um lugar incomparável na nossa memória colectiva e também nos sentimentos e imaginário das gerações mais novas. Diversos paises europeus também tiveram o seu «25 de Abril» no fim da segunda guerra mundial. Mas não houve nenhum que, passados 49 anos, ainda celebrasse, com uma expressão de massas semelhante à nossa, a sua libertação do nazi-fascismo.


É verdade que já passaram 49 anos mas não temos medo de afirmar que os grandes ideais e valores do 25 de Abril continuam a ser válidos e necessários para enfrentarmos os maiores problemas e desafios da vida nacional, do aumento do custo de vida aos salários e pensões baixos, da degradação do SNS à guerra na Europa.

E neste sentido é justo afirmar que eles são tanto mais necessários quanto é certo e sabido que há hoje em Portugal uma força política que escolheu como lema o «Deus, Pátria, Familia» do fascismo, que é financiada pelso empresários mais retrógados, que é campeã do racismo e da xenofobia, que é admiradora de Trump e de Bolsonaro e dos franquistas do Vox espanhol e que só cavalga problemas e insatisfações reais não para lhes dar solução mas para espalhar a provocação, a arruaça, o ódio, o preconceito e a intolerância.

Fascistas nunca mais !

25 de Abril sempre !