21 de agosto de 2012

Manifesto em defesa do serviço público de televisão


A evolução da televisão ao longo das últimas décadas, com a multiplicação da oferta de canais, a passagem ao digital, a perigosa concentração em grandes  grupos de comunicação, com o risco de promiscuidade entre política, negócios e informação, não diminuiu a legitimidade do serviço público na Europa e do 
seu insubstituível contributo para a democratização da sociedade. Pelo 
contrário, na maioria dos países europeus, o serviço público reforçou a sua 
legitimidade: multiplicou a oferta, reforçou a exigência de uma programação 
mais qualificada e atenta à inovação do que a dos seus concorrentes 
comerciais; tornou mais clara a exigência de uma informação isenta e plural; 
as preocupações com a programação cultural ou relacionada com os gostos das 
minorias e com os interesses sociais de reduzida expressão; a salvaguarda de 
programas e canais de limitado interesse comercial, mas importantes para 
toda a sociedade; a certeza de o seu capital ser nacional num quadro 
empresarial cada vez mais preenchido por multinacionais e poderosos 
operadores de telecomunicações; e o seu papel decisivo na indústria 
audiovisual.

De tal forma assim é que em nenhum outro país europeu, exceto em Portugal, o 
governo se propôs enfraquecer o serviço público de televisão, privatizando 
um dos seus canais nacionais. A prova é que a privatização de um canal de 
televisão não figura nem nas exigências da Troika, nem na agenda da União 
Europeia. O serviço público continua a ser considerado, agora mais do que 
nunca no quadro da televisão digital, um eixo estratégico de afirmação da 
língua, da cultura e da identidade de cada Estado, um instrumento da coesão 
social de cada país, através de um operador a quem todos ­ poder e opinião 
pública - reconhecem um insubstituível papel regulador do mercado, garante 
do pluralismo e promotor da diversidade e da qualidade dos conteúdos 
audiovisuais. E a quem os cidadãos sentem que podem pedir contas.

A verdade é que continuam plenamente válidos os sucessivos documentos de 
diversas instâncias europeias, apoiados num consenso de todas as famílias 
políticas da direita à esquerda, que vêm reafirmando que «um amplo acesso do 
público a várias categorias de canais e serviços constitui uma pré-condição 
necessária para o cumprimento das obrigações específicas do serviço p
úblico».

Desta forma, os signatários, provenientes dos mais variados quadrantes 
políticos e ideológicos, exprimem a sua profunda discordância face à 
anunciada privatização de um dos canais da RTP, apelando ao governo e ao 
poder político para que, tal como aconteceu com a prometida privatização da 
agência Lusa, não concretizem essa decisão, cujos contornos têm 
inclusivamente provocado legítimas suspeições sobre a sua transparência.

Entendem também que esta espécie de bomba-relógio que paira sobre a RTP, 
acompanhada do anúncio do desmembramento dos seus meios de produção,
compromete o futuro da empresa e está a prejudicar não apenas a prestação do 
serviço público, como impede o que devia ser sua a prioridade mais urgente: 
uma profunda reflexão sobre a forma de garantir o imperativo constitucional 
de independência face ao poder político e ao poder económico e a reforma a 
empreender na oferta do serviço público no quadro digital, acompanhando os 
modelos dos outros países europeus.

O governo, aliás, tem revelado uma preocupante falta de clareza e de 
coerência nas medidas anunciadas, geralmente avulsas e erráticas, pautadas 
pelo improviso e pelo desconhecimento do que está em jogo. A verdade é que, 
até hoje, o governo já falou de «alienação» e de «privatização», sem que 
ninguém percebesse porquê nem para quê, e muito menos o que se pretende «
alienar» ou «privatizar», nem em que termos.

Além do mais, neste quadro, uma eventual privatização de um canal, sobretudo 
se conjugada com o anunciado fim da publicidade comercial na RTP, não 
representaria nenhuma diminuição dos custos do serviço público, que, de 
resto e ao contrário do que tem sido frequentemente propalado, são dos mais 
baixos da Europa.

Bem pelo contrário, sobretudo no atual contexto de grave crise económica e 
financeira, a presença de um novo operador comercial, certamente com uma 
programação adequada à sua necessidade de maximizar receitas publicitárias, 
teria dramáticas consequências na viabilidade dos restantes operadores do 
sector, bem como em todas as outras empresas de comunicação social e da 
indústria audiovisual, empobrecendo drasticamente a qualidade e a 
diversidade dos media portugueses.

Por outro lado, essa privatização envolveria o fim de muitos dos atuais 
programas da RTP, quer os programas que legitimamente procuram dirigir-se a 
todos os portugueses, quer alguns dos que se destinam aos públicos 
minoritários, que não encontram conteúdos idênticos na restante oferta 
televisiva por não ser essa a vocação dos operadores comerciais - e que, por 
isso, devem ser assegurados por um canal alternativo -, conferindo
legitimidade e um importante papel regulador ao operador público.

Por todas estas razões, os signatários apelam ao bom senso dos partidos do 
governo e da oposição para que travem uma medida que carece de clareza e de 
racionalidade e que não pode em caso nenhum ser enquadrada no plano de 
privatizações, até porque a sua dimensão financeira seria despicienda e 
totalmente desproporcionada relativamente aos efeitos brutais sobre a 
indústria dos média e a qualidade e a isenção da informação, da formação e 
do entretenimento a que os portugueses têm direito.

Signatários 222 | última actualização | Segunda-feira 20.Agosto.13h00

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jornalista


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escritor

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escritor

Carlos Reis
professor universitário

Carlos T
escritor

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professora universitária

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jornalista

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sociólogo

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jornalista


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1113107

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actriz

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cineasta

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Paulo Trancoso
produtor de cinema

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Pedro Rebelo de Sousa
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Rui Ferreira e Sousa
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Rui Namorado Rosa
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(confirmar)


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Virgílio Castelo
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jornalista

Vítor Ramalho
advogado

Vítor Ribeiro
jornalista

20 de agosto de 2012

O Concerto Promenade de sexta na Festa do Avante!

Texto de Manuel Jorge Veloso


Diversa e multifacetada que é, quanto às ofertas musicais que proporciona a quem a visita, a Festa do “Avante!” tem-se tornado desde há anos, nas noites de sexta-feira e a pretexto da abertura dos espetáculos no Palco 25 de Abril, um local de encontro dos amantes da música erudita e afinal de todos os visitantes que, não o sendo por hábito, nela acabam por descobrir os insondáveis prazeres da audição da Grande Música.

A iniciativa de promover estes concertos radicou sempre, aliás, numa perspectiva político-cultural mais geral que tão-só consiste, por parte da organização da Festa, em tornar as várias modalidades e expressões da cultura e do espetáculo abertas às grandes massas de público que todos os anos frequenta a Quinta da Atalaia, segundo princípios não elitistas e com resultados claramente positivos e transversais em termos de classe, género, idade, experiência e formação profissional ou académica.
Se recordarmos, mesmo genericamente, o que têm sido os conteúdos dessas grandes noites musicais, concluiremos que, pelo Palco 25 de Abril, têm passado peças sinfónicas ou de câmara; obras orquestrais e concertos para instrumentos solistas; aberturas, intermezzi e árias de ópera; música “pura” ou música “funcional”, ou seja, composta em função de outras artes performativas; e até música “programática”, tendo portanto como móbil a inspiração provocada por um determinado acontecimento histórico ou a passagem de uma dada efeméride com peso de referência.
É assim naturalíssimo que, por maioria de razões, tenha chegado à altura de escolhermos como mote e mesmo como título para o nosso concerto anual a “chancela” dos famosos Concertos Promenade, os velhos Proms, tal como ficaram conhecidos os concertos que anualmente a BBC, serviço público de rádio e televisão britânico, organiza predominantemente no Royal Albert Hall de Londres.
Chamados de Promenade porque evocando os eventos musicais realizados ao ar livre, desde meados do século XVIII, nos grandes recintos públicos e parques citadinos, estes Concertos tornaram-se um acontecimento maior da programação da BBC a partir de 1927 e, depois de uma interrupção provocada pelos primeiros anos da II Grande Guerra, novamente a partir de 1942, agora no interior de amplas salas de concerto mas ainda e sempre proporcionando ao público um ambiente muito descontraído, quantas vezes sublinhando este com a sua espontaneidade e intervenção colectiva certas passagens de peças famosas e de conhecimento geral.
Nada que não conheçamos já, de uma outra forma, da nossa própria Festa!
É esse mesmo espírito de fruição informal mas atenta, tão próprio da vasta plateia ao ar livre frontal ao Palco 25 de Abril, que de novo caracterizará o concerto de arranque da Festa, até porque as nossas escolhas foram desta vez dirigidas para um repertório bem conhecido e de grande êxito popular. (ver caixa)
De regresso à Festa, estará a Sinfonietta de Lisboa, dirigida por Vasco Pearce de Azevedo, estando também em plano de destaque três jovens e talentosos solistas portugueses: Sérgio Pacheco (trompete), Ana Cristina Fernandes Pereira (violino) e Inês Andrade (piano).

alinhamento do espectáculo




9 de agosto de 2012

22 de maio de 2012

Em torno do conceito de produtividade


por Daniel Vaz de Carvalho,
Engenheiro electrotécnico. Gestor
no Boletim da Confederação
dos Quadros Técnicos



1
Dadas as intenções do actual governo de impor leis iníquas que configuram despedimentos arbitrários sob o
sofisma da “produtividade” pensamos ser oportuno o tratamento deste tema.
Assim, com o argumento da “produtividade” e da “competitividade”, seria causa para despedimento os “casos em que o trabalhador tenha acordado com o empregador determinados objectivos e não os cumpra”. Este texto configura por um lado má fé, por outro, indigência mental.
Trata-se de um sofisma de contornos ideológicos – reaccionários – sem qualquer base técnica como demostraremos.
Vejamos.
A primeira evidência é a seguinte: a produtividade por pessoa para o total da economia corresponde em Portugal a 77,3% da média da UE 27 (dados Eurostat – 2010). Porém, o salário nominal médio por trabalhador, também para o total da economia era 59,2% da média da UE 27 (Comissão Europeia, base de dados AMECO,2011).
As razões das falta de competitividade têm, pois de ser procuradas não nas leis laborais ou nos salários, mas em
erradas políticas e estratégias económicas dos sucessivos governos.
Acerca do cumprimento de objetivos individuais repare-se que a desigualdade de posições entre as duas partes (empregador e empregado) torna ridículo falar em acordos ou negociação. O lado empresarial poderá sempre impor com ou sem argumentos o que melhor lhe parecer.
A concorrência e a crise servem para tudo.
Além disto, basta transpor objectivos porventura irrealistas dadas as condições de trabalho, que a empresa tenha assumido com terceiros. O executante poderá então ser penalizado! Absurdo.
Ora, excetuando os casos de micro e em parte pequenas empresas, em que o contexto laboral e as próprias relações humanas são bastante diferentes, o trabalho – salvo raras exceções – é sempre trabalho de equipa.
Em termos de gestão, não faz sentido falar em objectivos individuais. Em comportamento individual, sim, mas não em objectivos.
Aliás, para que isto fique claro, podemos considerar que cada trabalhador poderá sempre argumentar que a montante não lhe foram dadas condições para cumprir os objectivos! Uma miríade de possíveis razões que veremos em parte analisadas na continuação, ao tratarmos do que é e em que consiste a produtividade. Isto, sem falar das utilizadas pelas empresas, nomeadamente para não cumprirem objectivos contratuais e não pagarem penalidades…
No passado, foi consensual que a acção sindical em muito contribuiu para o desenvolvimento económico e o progresso social dos países mais evoluídos. Pelo contrário, o que se pretende agora verter em lei mostra indisfarçável repulsa pela intervenção sindical - considerada nefasta pela actual coligação. Tudo isto são sintomas do processo de acelerada decadência económica e social que a UE atingiu.
Com uma lei desta natureza (de orientações objectivamente neofascistas) é cada vez mais relativo falar-se em democracia e em Estado de direito no nosso país. Na formal democracia vigente seria legalmente instaurada a ditadura ao nível das empresas.
2
A produtividade é um factor decisivo do desenvolvimento económico. A produtividade representa a produção em unidades físicas por trabalhador (produtividade aparente) ou por hora de trabalho (trabalho presente). Falar em “produtividade do capital” é uma deformação sem consistência teórica, do que se está a falar é de taxa de lucro ou de renda.
A produtividade é contudo uma grandeza que cuja variação se processa de forma lenta: razão para ser objecto de continuados e persistentes esforços para a sua melhoria.
Em lugar de promover políticas consistentes de aumento da produtividade, os sucessivos governos, alinhando com os dogmas neoliberais, pretendem alcançar mais competitividade prosseguido na via da deflação salarial (leis laborais retrógradas, abaixamento do salário real) em função da sujeição aos “mercados”.
Quando se fala em mercados, entenda-se que se trata dos interesses oligopolistas e transnacionais. A vida mostra que é o caminho da recessão e do desastre económico, mas nada mais encaixa naquelas cabeças.
A produtividade, duma empresa depende de um complexo de factores interligados, externos e internos à empresa.
No que diz respeito aos primeiros, salientamos a necessidade de planeamento económico a nível nacional e de apoios financeiros, tecnológicos e de gestão por parte do Estado às empresas que contribuam para o aumento da
produção nacional e cumprimento dos objectivos de um plano económico democrático, muito particularmente as PME. A criação de um ambiente propício ao aumento da produtividade implica a expansão do mercado interno, pelo aumento do nível de vida dos trabalhadores bem como políticas visando a produção de produtos importados, o que também permite o aumento quantitativo e qualitativo das exportações.
São, factores externos de improdutividade o não aproveitamento total das capacidades produtivas por redução da procura, o clima de estagnação ou recessão, seja geral seja sectorial, a redução do investimento – em particular o público alavancando o desenvolvimento económico, a falta de planeamento e coordenação económica, as dificuldades no crédito.
Os preços de monopólio das grandes empresas do sector energético, telecomunicações, etc., não estando directamente ligadas à produtividade, condicionam a competitividade, a capacidade de investimento e desenvolvimento das demais.
Constituem uma extracção da mais valia gerada nas MPME e uma captação do rendimento disponível de todos os trabalhadores ou pensionistas enquanto consumidores.
Outro aspecto que deve ser salientado é a burocracia de um aparelho de Estado alheado do incremento e defesa da produção nacional, muitas vezes mais voltado para a subordinação acrítica às regras da UE, com o complexo subserviente e acéfalo do “bom aluno”.
Serviu-lhes de muito…
Quanto aos factores internos, consideremos que o tempo de trabalho se pode decompor-se em tempo básico e tempo improdutivo. tempo básico é o tempo dispendido se o trabalho se realizasse de forma perfeita a um ritmo normal de actividade, incluindo tempos de descanso necessários à recuperação da fadiga e tempos de preparação do trabalho sem erros. É o limite que deve procurar atingir-se considerando determinados meios de trabalho. Pode portanto reduzir-se melhorando o nível tecnológico dos equipamentos disponíveis e os processos
produtivos utilizados.
O tempo improdutivo é o tempo dispendido para além do conteúdo básico do trabalho e pode resultar de excesso de trabalho ou de tempos de paragem. Do ponto de vista material o tempo improdutivo tem origem em deficiências dos materiais em deficiências do processo de trabalho.
De um ponto de vista, digamos, imaterial pode ser imputável à gestão ou imputável ao trabalhador.
A produtividade significa tecnologia e inovação, mas também organização e motivação, sem o que os primeiros não se concretizam de todo ou apenas de forma deficiente.
Se os diversos níveis de gestão e os executantes não estiverem devidamente informados e mobilizados para estas
questões ocorrem tempos improdutivos por mau planeamento; falta de coordenação e preparação do trabalho, falhas no fornecimento de material, deficiente manutenção dos equipamentos e ferramentas, enfim, ritmo mais lento que o estipulado devido à falta de preparação e controlo do trabalho, falta de segurança, ausência de objectivos quantificados e documentados. Todos estes aspectos são em última análise de responsabilidade da gestão da empresa que deve ter em conta o conjunto de variáveis e condicionantes que influem sobre a organização e a melhoria da produtividade.
Compete também à gestão proporcionar adequada formação e motivação dos trabalhadores, elementos fundamentais (condição sine qua non), do aumento de produtividade.
Numa empresa motivada para o aumento da produtividade desenvolvem-se valores comuns, estimula-se a progressão nas carreiras, estabelecem-se formas de recompensa, partilham-se os resultados obtidos. Há amizades pessoais, objectivos e projectos comuns.
O pessoal a todos os níveis tem adequada formação, está informado e motivado moral e materialmente, para os objectivos a alcançar.
No pólo oposto encontramos os factores que tornam uma empresa improdutiva.
Encontramos pessoal indeciso e frustrado, vivendo na insegurança quanto ao futuro. A motivação é feita pela negativa pelo receio do despedimento, há falta de interacção entre as necessidades pessoais e as da empresa, as responsabilidades são dissipadas no ambiente de crise e instabilidade. A gestão longe de desenvolver e aproveitar a capacidade criadora dos trabalhadores e os escutar considera-os meros executantes e seres descartáveis.
Os actuais estrategas governamentais e seus próceres consideram no entanto que os despedimentos arbitrários são um factor decisivo no aumento da produtividade – daí o que se pretende pôr em lei. Ora, mostra e experiência que a parte imputável ao trabalhador nas situações de improdutividade não ultrapassa os 10 a 15% do total. Veremos como e porquê.
3
Dizia Miguel Ângelo que fazer uma estátua era simples, bastava tirar à pedra o que estava a mais…O aumento de produtividade é tão simples quanto isto: basta eliminar os factores de improdutividade.
Mesmo em condições tecnológicas idênticas as produtividades podem ser muito diferentes de empresa para empresa, de país para país. Os aspectos organizativos e de gestão são fundamentais.
A responsabilidade do trabalhador na improdutividade pode dever-se a falta de competência ou a indisciplina. Em última análise, no entanto, a responsabilidade será sempre da gestão. No primeiro caso, cabe à gestão, proceder à formação e qualificação dos trabalhadores para os trabalhos em causa, à respectiva
avaliação de conhecimentos e selecção dos trabalhadores para as diversas tarefas. No segundo caso, indisciplina, mostra a experiência que a existência de um bom ambiente de trabalho e de motivação permite na generalidade
dos casos serem os próprios colegas a censurar e a procurar corrigir o trabalhador. Diga-se que este aspecto nunca esteve em causa na legislação pós-25 de Abril. Um gestor ou um quadro técnico que argumente desta
forma apenas demonstra incompetência e inaptidão para o lugar. Trata-se de uma questão de liderança: autoridade pela competência e pelo exemplo; exigência e rigor de procedimentos explicitados, mas tudo isto com benevolência e compreensão humana.
Quando distintos intermediários, oligopolistas ou gente que nunca passou uma hora como gestor numa empresa da economia real vem para a comunicação social perorar sobre as implicações negativas da legislação laboral na produtividade, tal só pode ser classificado como ignorância ou má fé. O Relatório da Associação Industrial Portuguesa (AIP) sobre a Competitividade (de 2010) em dez medidas de Políticas Públicas (pág.8) refere
apenas em 6º lugar “melhorar a flexibilidade laboral”. Por sua vez o Relatório da Confederação da Indústria Portuguesa (CIP) de 2010 sobre a Indústria Portuguesa em 10 recomendações para a competitividade (pág. 92 e 93) não menciona sequer a legislação laboral – e com razão.
Vários gestores estrangeiros com larga experiência profissional têm classificado os operários portugueses como dos melhores que têm conhecido pelo mundo fora: “o vosso problema é a gestão” – é afirmado.
Efectivamente, como já dissemos, a experiência mostra que não mais que 10 a 15%, do tempo improdutivo, como estimativa, podem ser directamente atribuídos a falhas do trabalhador, inevitáveis para qualquer ser humano, em qualquer país.
Os tempos improdutivos podem sempre ser reduzidos por adequadas medidas e acções da gestão.
Nos diversos níveis de gestão, são necessárias pessoas que compreendam todas as dimensões técnicas, económicas, pessoais e sociais da empresa, com formação humanista. A cultura globalmente entendida – como a entendia o grande matemático e democrata progressista Bento Jesus Caraça - é um factor decisivo na capacidade de evoluir e melhorar, necessária para organizar a participação de todos, ouvindo as pessoas, dando oportunidades, aproveitando os conhecimentos do pessoal para criar novas ideias.
A compreensão dos aspectos que influem no comportamento individual é fundamental para poder entender o funcionamento organizativo. A eficácia depende, em grande parte, da convergência que exista entre as necessidades e os objectivos pessoais ie as necessidades e objectivos da orga-nização, para que quanto maior for esta convergência, maior seja a motivação de cada trabalhador.
No nosso país em que os sucessivos governos mostram não ter capacidade de dinamizar a economia e melhorar a produtividade, culpam-se os trabalhadores, há um ambiente de suspeita, insatisfação, recalcamentos e insegurança.
Falámos em planos de melhorias, mas para isto é preciso haver mercado. O abaixamento do preço da força de trabalho, a redução do nível de vida e do PIB não oferece suficiente estímulo para introduzir novos elementos de progresso e inovação na produção. Corresponde a uma das contradições do capitalismo: o aumento da exploração opõe-se ao desenvolvimento económico. A desindustrialização e o desemprego são um exemplo desta situação com o objectivo de manter elevadas taxas de lucro. Na realidade, o capitalista só investe se previamente houver a perspectiva da existência de mercado para a produção resultante.
Há duas formas de aumentar a competitividade: reduzindo os “custos salariais” ou aumentando a produtividade.
A primeira hipótese corresponde á deflação salarial, às medidas de austeridade e flexibilidade laboral. É a via da recessão e do desastre económico. Procura-se a competitividade no abaixamento dos “custos salariais” reduzindo impostos para o capital aumentando impostos para o consumo.
O aumento da produtividade pelo desenvolvimento tecnológico e melhoria dos processos de planeamento e gestão democráticos será a via do progresso e do desenvolvimento económico e social.
Para o reformista social Robert Owen (1771- 1858) a causa da depressão económica residia na desvalorização do trabalho humano. O sistema capitalista não conseguiu ultrapassar esta questão nem tem forma de o fazer - senão na medida em que deixar de o ser.
Nota final: As afirmações produzidas nestes casos são retiradas da experiência pessoal do autor, como gestor.

Daniel Vaz de Carvalho
Engenheiro electrotécnico. Gestor

Lola Danza em "Mountain Rabbit"



11 de abril de 2012

José Tengarrinha sobre os Congressos de Aveiro

(na sessão comemorativa do 25º
aniversário do 3º Congresso
 da Oposição Democrática,
realizada em Aveiro,
 em Abril de 1998)


































25 de março de 2012

Um testemunho de Américo Nunes


NENHUMA GREVE GERAL É GERAL PORQUE TODOS OS TRABALHADORES E ORGANIZAÇÕES SINDICAIS ADEREM – ESTA ÚLTIMA FOI MAIS UMA GRANDE GREVE GERAL

SAUDAÇÃO E SOLIDARIEDADE

Por Américo Nunes[1]

Em primeiro lugar, a greve geral é geral porque uma central sindical a convoca e prepara apelando a todos os trabalhadores para participarem nela porque considera que esta forma de luta é a mais apropriada para num determinado momento, contexto social e político defender direitos, combater os despedimentos e outras políticas de rapina e espoliação dos trabalhadores e das suas famílias. No caso actual, as razões e objectivos para a realização desta forma de luta são de tal monta, tão evidentes para toda gente que nem merece a pena darmo-nos ao trabalho de as enumerar. Também não deixa de ser geral só porque a UGT ou outras organizações sindicais não participam. Pudera! A UGT assinou por baixo e de cruz o pacote de malfeitorias que a TROIKA e o governo lhe puseram à frente, e agora ia fazer greve contra as suas consequências negativas...
Como activista sindical desde 1970, dirigente do meu sindicato desde o dia 29 de Abril de 1974 até aos dias de hoje e da CGTP-IN em 1975/77 e desde 1983 até 2004, participei nas discussões, deliberações, na organização e dinamização de centenas de greves de empresa, de muitas dezenas de greves sectoriais, em todas as greves gerais realizadas em Portugal depois do 25 de Abril, até à de 10 de Dezembro de 2002.
Cada greve é completamente diferente da outra, no grau de adesão, no impacto social e político, no grau de ferocidade com que são combatidas pelos governos, patronato e os seus ajudantes encapotados, mesmo quando de forma cínica dizem que a greve é um direito dos trabalhadores.
Da minha experiência grevística, entre muitas coisas posso dizer-vos, uma é que sempre que ouvia um trabalhador ou mesmo um delegado ou dirigente sindical dizerem, às vezes com o discurso mais radical de todos “eu só faço greve se todos a fizerem” ou, eu só estou de acordo se a UGT também fizer, eu já sabia que este não queria fazer greve.

OS TEÓRICOS DA GREVE COMENTADORES E “CONTADORES” DO NUMERO DOS MANISFESTANTES E GREVISTAS DAS ACÇOES PROMOVIDAS PELA CGTP - IN

A violentíssima ofensiva em curso contra os direitos dos trabalhadores e do povo, só pode ser levada a cabo pelos seus perpetradores atacando de todas as formas e por todos os lados as organizações sociais e politicas com capacidade para se lhe oporem e resistir, a fim de as enfraquecer para conseguirem os seus objectivos. Neste momento a grande burguesia portuguesa tem toda a artilharia pesada a disparar sobre os sindicatos e a CGTP-IN, única verdadeira central sindical que temos no nosso país.
Uma das mais despudoradas linhas desse ataque nesta última greve chega-nos através da comunicação social política e economicamente controlada pelos grandes grupos financeiros, e por arrastamento também da NET.
Jornalistas e comentadores mercenários ou ingénuos convencidos que são o quarto poder e totalmente independentes e objectivos, sentados numa cadeira, quantos sem jamais terem tido a coragem de fazer uma greve e sentido na pele a repressão objectiva e subjectiva que desse acto de rebeldia, protesto e coragem quase sempre nos cai em cima, opinam sobre o que foi feito e como não deveria ter sido feito, detectam mil e um defeitos e fraquezas nos sindicatos, acusam-nos, e atacam os seus dirigentes. Destilam veneno ideológico de classe, mas poucos reparam que ao nível dos meios, a luta entre trabalho e capital é semelhante à de David e Golias. Dizem que foi uma greve apenas dos transportes porque aí via-se bem e seria escandaloso negarem-na.
As opiniões a transmitir são recolhidas nas estações, inevitavelmente a quem não está com a greve ou nem sequer se apercebeu dela, se não não estava ali, ou nos centros de saúde e urgências hospitalares, onde naturalmente qualquer doente se lamentará sobre os efeitos da greve para a sua saúde, numa linha de indução insidiosa e preconcebida contra a greve.
O caso do tiro ao alvo ao novo secretário-geral da CGTP-IN Arménio Carlos, há apenas dois meses no cargo, é exemplificativo dos métodos sujos utilizados para atacar uma grande organização de trabalhadores com centenas de milhares de trabalhadores, mais de 4 mil dirigentes e mais de 15 mil delegados sindicais. Apontam defeitos, fazem comparações estúpidas, elencam falsas fraquezas. Atacam o homem para atingirem a organização e em última instância os trabalhadores. E nalguns casos atacam-no eventualmente por despeito por estarem à espera que tivesse menos qualidades e capacidade no desempenho das funções que lhe foram atribuídas pelo Conselho Nacional no último congresso, desempenho que até agora tem sido notável num contexto político e social de grande exigência para os sindicatos e de grande complexidade organizacional, na adaptação às novas funções ao mais alto nível do movimento sindical.
O jornal Publico do senhor Belmiro de Azevedo destacou-se particularmente nesta campanha. Nos três números que saíram até ao dia em que escrevo este artigo esmeraram-se em análises, teorias, conclusões. O supra sumo do cinismo, deste trabalho sujo ou ignorante, vem sintetizado no editorai de domingo, da responsabilidade da direcção e da redacção. Verte lágrimas de crocodilo porque dois jornalistas foram agredidos pela polícia e ouve limitação da liberdade de informação. E, ao mesmo tempo que conclui pela enésima vez que a greve foi fraca, justifica: «a escassíssima minoria que são os indignados e outros movimentos precisa da violência para dizer que existe e legitimar o discurso de que não vivemos numa democracia.»
Como pareceria mal mesmo ao jornal da SONAE na sua lógica de classe não considerar o Arménio uma das figuras da semana, considera-o como tal mas coloca-lhe em título o cognome de «O desmobilizador». Mas a pérola mistificatória encontramo-la, no pequeno texto ilustrativo da fotografia. Diz: «A maior central portuguesa continua a pensar na greve geral como se ainda estivéssemos no princípio do século XX, quando o objectivo era parar a produção e privar do lucro o infame capitalista...O que a CGTP não entende é que no século XXI uma greve geral é um acto comunicacional: a sua força decorre não apenas da adesão, mas da discussão pública que a gera».
Sim senhor, que grande tirada pós-moderna não haja dúvida. Só faltou dizer que o que incomoda o capitalista não eram as greves de milhares de trabalhadores mas o acto de uma «escassíssima minoria de indignados (que há um ano tanto entusiasmaram o Publico e outros quejandos, recorde-se, e eram então centenas de milhares e os únicos verdadeiros mobilizadores de massas) a atirarem uns ovos à polícia ou a partirem umas montras de bancos ou repartições de finanças, porque precisam da violência para dizer que existem.
Nesta observação para serem melhores analistas também podiam ter escrito que precisam da capacidade mobilizadora, comunicacional e das manifestações greves promovidas pela da CGTP-IN para parecerem muitos, se colarem a elas, e inclusive provocarem os trabalhardes em luta com outros objectivos e tácticas, porque precisam disso para mostrar que existem. Eu, pessoalmente, na rua de S. Bento, vi passar por mim na manifestação, olhando-me com um sorriso sardónico de quem sabe o que está a fazer, uma menina “queque” vestida de PRADA, com um cartaz tosco e artesanal que dizia “GREVE AOS SINDICATOS”. Depois querem que tenhamos pachorra para aturar estas e outras.
Desafio aos TPCO do Público. Se como dizem, os responsáveis ideológicos destas notícias todos acreditam de facto que a greve é um acto comunicacional, e já não se destina a privar do lucro o capitalista, façam a verificação científica através da experimentação. Realizem no Publico uma greve «à moda antiga» de 10 ou 15 dias, que impeça o jornal de sair, e verifiquem depois as consequências nos resultados, reivindicações conseguidas ou não, ou o que incomodou mais o senhor Belmiro, se as perdas de lucro provocadas pela falta de produção do produto ou as causadas pela vossa arte comunicacional.
Na minha perspectiva, e assumindo que o Arménio Carlos secretário-geral personifica perante a imagem pública o grande colectivo de centenas de milhares de trabalhadores organizados sindicalmente, o maior erro de analise foi o que os levou a atribuírem-lhe o cognome de «O desmobilizador». Na verdade, se tivessem um mínimo de objectividade teriam optado pelo mais verdadeiro e merecido: «O mobilizador». E desiludam-se os que fazem fogo ao alvo humano para atingir a organização, para já palpita-me que este não é fácil de abater. Mas mesmo que o conseguissem, outros emergiriam do grande colectivo para honrar o cargo como pudemos verificar no último congresso.
Desta vez, um elemento que não é novo, o esgrimir dos números dos participantes nas manifestações e nas greves, normalmente usado pelo patronato e governo para descredibilizarem a luta apresentando números falsos, definidos politicamente, a que os sindicatos não poucas vezes respondem com a mesma arma, acrescentando números políticos na contra resposta, atingiu foros de paroxismo no ataque à CGTP-IN, até em alguns meios que se assumem como sendo politicamente de esquerda.
Houve gente que se mostrou indignada por a CGTP-IN ter avançado com o número de 300 mil manifestantes na manifestação do Terreiro do Paço. Uns fizeram comparações com manifestações anteriores no mesmo local, género concurso, a minha foi maior do que a tua, ou da auto glorificação, “a minha cara é mais bonita que a tua”. Outros, puxando dos galões de cientistas políticos ou sociais e expressando muita pena por a CGTP-IN com tais números se estar descredibilizar, tiraram medidas ao espaço, avançaram formulas matemáticas e geométricas para se calcular o número que, naturalmente vinha reduzir a dimensão da grande manifestação realizada a 11 de Fevereiro. Como diz o povo, “é se morto por ter cão e por não ter cão”. Na greve geral a CGTP-IN não avançou números, limitou-se a dizer que foi uma grande greve geral, nem sequer disse que foi a maior de sempre, caiem-lhe em cima porque está a reconhecer que foi um fracasso.
Mas o mote mais glosado para acusar a central de fazer haraquiri foi a “banalização da greve geral” e também a comparação com a Greve Geral anterior que, em balanço final conjunto realizado pelos secretários gerais da UGT e da CGTP-IN foi considerada a maior greve geral de sempre realizada em Portugal, sem que na altura pela minha parte me tenha apercebido de qualquer contestação a tal conclusão. Lembro-me ainda de memória de duas grandes manifestações em que os números avançados pela central foram de 300 mil. A 14 de Janeiro de 1975 na Praça de Londres em Lisboa e a 29 de Maio de 2010 na Avenida da Liberdade.
Claro que a questão do número é importante. E não quero dizer que não tenhamos de a ter em conta para a nossa análise e a nossa acção. É mesmo muito importante porque quanto mais formos e mais unidos estivermos no nosso agir melhores resultados obteremos e mais longe chegaremos nos nossos objectivos.
Mas o esgrimir dos números que estamos a comentar, nos termos em que está a ser feito, ao contrário do que propalam os arautos da ciência pura para a politica e  a intervenção social, não credibiliza as organizações mas ajuda o patronato e o governo a lançar o desânimo, a divisão e o descrédito sobre os trabalhadores, as suas organizações, as lutas e as formas de luta. Aos que nos apontam a necessidade de novas formas de luta e novas formas de organização, em regra sem adiantarem quais, temos que responder que continuaremos a lutar com as armas que temos nas formas em que neste momento as sabemos usar, mas que não rejeitaremos qualquer nova forma de luta, de organização nem de convergência com outras organizações que se mostre adequada às lutas que temos pela frente, em defesa dos direitos e interesses dos trabalhadores e do povo.
O que não podemos é deixar-nos paralisar ou adiarmos respostas necessárias e inadiáveis para nos lançarmos na procura de hipotéticos ou teóricos novos paradigmas de organização e acção não testados, que não emanam do decurso e desenvolvimento da luta dos trabalhadores, e que põem de lado 200 anos de experiência e evolução do movimento sindical, correndo nesse caso sim, o risco de diluição e desaparecimento de tudo o que aprendemos e construímos ao longo desses dois séculos. E já agora, se juntarmos à análise científica da situação e da correlação de forças uma boa dose de vontade e de ousadia, só fará bem à luta. Porque se apenas lutássemos quando temos a certeza de que vamos vencer nunca haveria luta.
Uma amiga minha no face-book, imbuída deste repentino zelo geral pelo rigor aritmético na lua social e política, dizia-me relativamente à manifestação. Eu sou dirigente sindical, estive lá, e não estavam lá 300 mil. Por causa destas e doutras no nosso sector deixamos de ter contadores sindicais e passámos a ter contactos permanentes com a polícia e os números que divulgamos são os que eles contam e não o dos contadores do sindicato.
No primeiro comentário registado a esta afirmação podia ler-se: está bem camarada, não foram 300 000 foram 200 001.
Santa alienação e santa ingenuidade. Respondi-lhe: Não vês que há os contadores dos patrões, os contadores do governo, a polícia, os contadores dos sindicatos, e os mais requintados de todos, os contadores cientistas sociais e políticos com fórmulas matemáticas, que na sua arrogância científica não sabem ou se esquecem que a acção política e social podendo ter algo de cientifico a dar-lhe suporte é também uma arte, praticada de forma antagónica pelos diferentes interesses de classe em confronto.
Além disso, nesta questão e nestes termos a esgrima dos números são simples jogos florais da luta ideológica e política, quiçá muito estimulantes para quem gosta de tais jogos mas longe do que é fundamental.
 Nestas lutas o fundamental não está na aritmética mas na substância. A questão de fundo é que no dia 11 de Fevereiro fizemos uma grande manifestação que se impunha em função da situação e dos objectivos definidos e teve como resultado permitir à CGTP-IN avançar para a Greve Geral de 22 de Março a partir de um patamar de mobilização e organização qualitativamente mais elevado. Foi uma grande Greve Geral e por isso, a burguesia capitalista e os seus porta-vozes arregimentados e bem pagos sentiram tanta necessidade de amplificar por todos os meus a mensagem de que foi um fracasso, que a CGTP-IN não a devia ter convocado, por isto e por aquilo, enfim catadupas de argumentos com o objectivo de lhe retirar o impacto mobilizador e dificultar a realização das novas lutas que teremos de fazer no futuro. Porque nesta guerra de guerrilha entre o trabalho e o capital a batalha final ainda está longe.
Até o dono do Grupo Jerónimo Martins que recentemente deslocou a sua sede para a Holanda, para pagar menos impostos, e segundo afirmou, por ter o sagrado direito de defender o seu património transferindo-o para outros países, e estar longe das consequências de uma eventual saída de Portugal do Euro, digo eu, teve a excelentíssima lata de em vésperas da greve vir dizer que “os actuais sindicatos estão desactualizados e já não respondem aos interesses dos trabalhadores”. Será que este tubarão quer sindicatos mais fortes e combativos? No mínimo é caso para se desconfiar.

A MINHA MAIOR GREVE GERAL DE SEMPRE FOI MENOR NO NÚMERO DE TRABALHADORES QUE NELA PARTICIPARAM DO QUE NA QUE SE LHE SEGUIU - MAS FOI MIL VEZ MAIOR NOS RESULTADOS CONCRETOS QUE OBTEVE - NA DIMENSÃO DO AFRONTAMENTO ENTRE AS FORÇAS DO CAPITAL E AS DO MUNDO DO TRABALHO - E EM NOVOS DINAMISMOS GERADOS NA SOCIEDADE.

Entro neste jogo, mas digo minha, porque seguramente para os que não participaram nela haverá outras maiores, particularmente para os muitos trabalhadores que ainda não tinham nascido naquela altura e participaram nas últimas, e naturalmente, também para os estudiosos do fenómeno conforme o peso quantitativo e qualitativo que nos seus estudos dão aos números e aos factos analisados e considerados.
Foi a Greve Geral de 12 de Fevereiro de 1982. Já escrevi isso noutro lado e passo a resumir as razões de tal conclusão: Na mira da direita e do capital estava a primeira revisão da constituição de 1976 que consagrava uma sociedade progressista avançada, a reprivatização das empresas nacionalizadas, o desmantelamento da reforma agrária, e a eliminação de direitos dos trabalhadores.
No final de 1981 o desemprego era já de 8,8%, a inflação ia em 16%, sendo as previsões do OCDE para Portugal de 25% de inflação em 1982.
O anúncio feito pelo governo de um tecto salarial de 14,75%, a fim de impedir aumentos salariais superiores a este tecto no ano seguinte, seguida da intenção de alterar as leis laborais para facilitar os despedimentos, tornou a situação explosiva no mundo do trabalho.
Em Dezembro realizam-se grandes manifestações de protesto promovidas pela CGTP-IN por todo o país. Entre 4 e 8 de Janeiro cerca de 900 mil trabalhadores, grande parte da indústria e todos os dos transportes rodoviários e ferroviários, estiveram em greve por aumentos salariais e a revisão dos seus contractos colectivos. Seguiu-se durante o mês um encadeamento de greves com elevada adesão. A quinze de Janeiro o plenário de sindicatos da CGTP-IN delibera por uma Greve Geral de 24 horas no 12 de Fevereiro de 1982.
A encimar o rol das reivindicações destacam-se a exigência do abandono do pacote laboral e a revogação do tecto salarial. O lema da greve foi: «Uma só solução – AD fora do governo». A campanha de intimidação sobre os trabalhadores foi enorme, dirigida a partir do governo de Pinto Balsemão sob a batuta do senhor Ângelo Correia, ministro da administração interna, patrão e padrinho do actual primeiro-ministro, que teve também a prestimosa ajuda da UGT e do seu secretário-geral de então que na madrugado do dia 12, integrou, juntamente com policias à paisana, piquetes anti-greve na carris destilando provocações grosseiras sobre os trabalhadores em luta. Este sim merece o cognome de «O desmobilizador».
Houve diversas cargas policias sobres os piquetes de greve, vários feridos e a repressão sobre os trabalhadores continuou após a greve assumindo foros de assassinatos no 1º de Maio do Porto desse ano onde uma companhia de policia de intervenção armada de G3, comandada politicamente pelo seráfico Ângelo Correia disparou indiscriminadamente sobre os manifestantes. Dois operários foram assassinados a tiro e foram feridos mais 58, 55 dos quais tiveram que ser tratados nos hospitais.
Os resultados deste processo de luta foram desde o inicio assinaláveis: vários processos de negociação colectiva foram desbloqueados nos dias seguinte à greve, o tecto salarial foi estilhaçado por aumentos salariais entre os 20% e 30% e a vigências das tabelas salariais que era de 18 meses passou para 12 meses.
O pacote laboral foi metido na gaveta até “melhor oportunidade” e só veio de lá a sair no governo maioritário de Cavaco Silva em 1988 provocando outra Greve Geral. Desta vez com a UGT empurrada pela luta dos trabalhadores a dizer que também a fazia.
A greve deu um grande empurrão ao isolamento social do governo que a continuação da luta por múltiplas formas levou à desagregação e ao seu derrube dez meses depois.
É por isto e muito mais que seria fastidioso enumerar que para mim esta foi a maior greve geral de sempre. Até pode não ter sido a que teve maior número de participantes, se alguém me vier dizer que em número de aderentes foi a de 28 de Março de 1988 contra o pacote laboral ressuscitado por Cavaco Silva seis anos depois de derrotado, estarei de acordo.
Mas a de 12 de Fevereiro de 1982 foi seguramente aquela em que a intensidade do confronto entre as forças em presença, entre os prós e contras, foi a mais elevada. Aquela que atingiu um maior grau de politização. E também aquela que atingiu maior profundidade e duração no seu impacto social e politico, em resultados concretos para os trabalhadores. Tire-se a prova real comparando os resultados concretos de todas as grandes greves gerais que se lhe seguiram, todas por motivos justos, com diversos graus de adesão, incluindo da maior no número, e depois discuta-se o valor e peso da forma e o valor e peso da substância.

Aroeira, 25 de Março de 2012



[1] Sindicalista