A evolução da televisão
ao longo das últimas décadas, com a multiplicação da oferta de canais, a
passagem ao digital, a perigosa concentração em grandes grupos de
comunicação, com o risco de promiscuidade entre política, negócios e
informação, não diminuiu a legitimidade do serviço público na Europa e do
seu
insubstituível contributo para a democratização da sociedade. Pelo
contrário,
na maioria dos países europeus, o serviço público reforçou a
sua
legitimidade: multiplicou a oferta, reforçou a exigência de uma
programação
mais qualificada e atenta à inovação do que a dos seus
concorrentes
comerciais; tornou mais clara a exigência de uma informação
isenta e plural;
as preocupações com a programação cultural ou relacionada
com os gostos das
minorias e com os interesses sociais de reduzida expressão;
a salvaguarda de
programas e canais de limitado interesse comercial, mas
importantes para
toda a sociedade; a certeza de o seu capital ser nacional
num quadro
empresarial cada vez mais preenchido por multinacionais e
poderosos
operadores de telecomunicações; e o seu papel decisivo na
indústria
audiovisual.
De tal forma assim é que em nenhum outro país
europeu, exceto em Portugal, o
governo se propôs enfraquecer o serviço
público de televisão, privatizando
um dos seus canais nacionais. A prova é
que a privatização de um canal de
televisão não figura nem nas exigências da
Troika, nem na agenda da União
Europeia. O serviço público continua a ser
considerado, agora mais do que
nunca no quadro da televisão digital, um eixo
estratégico de afirmação da
língua, da cultura e da identidade de cada
Estado, um instrumento da coesão
social de cada país, através de um operador
a quem todos poder e opinião
pública - reconhecem um insubstituível papel
regulador do mercado, garante
do pluralismo e promotor da diversidade e da
qualidade dos conteúdos
audiovisuais. E a quem os cidadãos sentem que podem
pedir contas.
A verdade é que continuam plenamente válidos os sucessivos
documentos de
diversas instâncias europeias, apoiados num consenso de todas
as famílias
políticas da direita à esquerda, que vêm reafirmando que «um
amplo acesso do
público a várias categorias de canais e serviços constitui
uma pré-condição
necessária para o cumprimento das obrigações específicas do
serviço p
úblico».
Desta forma, os signatários, provenientes dos mais
variados quadrantes
políticos e ideológicos, exprimem a sua profunda
discordância face à
anunciada privatização de um dos canais da RTP, apelando
ao governo e ao
poder político para que, tal como aconteceu com a prometida
privatização da
agência Lusa, não concretizem essa decisão, cujos contornos
têm
inclusivamente provocado legítimas suspeições sobre a sua
transparência.
Entendem também que esta espécie de bomba-relógio que
paira sobre a RTP,
acompanhada do anúncio do desmembramento dos seus meios de
produção,
compromete o futuro da empresa e está a prejudicar não apenas a
prestação do
serviço público, como impede o que devia ser sua a prioridade
mais urgente:
uma profunda reflexão sobre a forma de garantir o imperativo
constitucional
de independência face ao poder político e ao poder económico e
a reforma a
empreender na oferta do serviço público no quadro digital,
acompanhando os
modelos dos outros países europeus.
O governo, aliás,
tem revelado uma preocupante falta de clareza e de
coerência nas medidas
anunciadas, geralmente avulsas e erráticas, pautadas
pelo improviso e pelo
desconhecimento do que está em jogo. A verdade é que,
até hoje, o governo já
falou de «alienação» e de «privatização», sem que
ninguém percebesse porquê
nem para quê, e muito menos o que se pretende «
alienar» ou «privatizar», nem
em que termos.
Além do mais, neste quadro, uma eventual privatização de
um canal, sobretudo
se conjugada com o anunciado fim da publicidade comercial
na RTP, não
representaria nenhuma diminuição dos custos do serviço público,
que, de
resto e ao contrário do que tem sido frequentemente propalado, são
dos mais
baixos da Europa.
Bem pelo contrário, sobretudo no atual
contexto de grave crise económica e
financeira, a presença de um novo
operador comercial, certamente com uma
programação adequada à sua necessidade
de maximizar receitas publicitárias,
teria dramáticas consequências na
viabilidade dos restantes operadores do
sector, bem como em todas as outras
empresas de comunicação social e da
indústria audiovisual, empobrecendo
drasticamente a qualidade e a
diversidade dos media portugueses.
Por
outro lado, essa privatização envolveria o fim de muitos dos atuais
programas
da RTP, quer os programas que legitimamente procuram dirigir-se a
todos os
portugueses, quer alguns dos que se destinam aos públicos
minoritários, que
não encontram conteúdos idênticos na restante oferta
televisiva por não ser
essa a vocação dos operadores comerciais - e que, por
isso, devem ser
assegurados por um canal alternativo -, conferindo
legitimidade e um
importante papel regulador ao operador público.
Por todas estas razões,
os signatários apelam ao bom senso dos partidos do
governo e da oposição para
que travem uma medida que carece de clareza e de
racionalidade e que não pode
em caso nenhum ser enquadrada no plano de
privatizações, até porque a sua
dimensão financeira seria despicienda e
totalmente desproporcionada
relativamente aos efeitos brutais sobre a
indústria dos média e a qualidade e
a isenção da informação, da formação e
do entretenimento a que os portugueses
têm direito.
Abel Neves
escritor
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escritor
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escritor
Carlos Reis
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escritor
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Nicolas Fernandez
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directora de casting
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Pedro Lourtie
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Pedro Penilo
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Pedro Rebelo de Sousa
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Pedro Salgado
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advogado e vogal do C. G. da Ordem dos Advogados
Ricardo Sá Fernandes
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geóloga
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jornalista
Rui Namorado Rosa
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Rui Tavares
escritor, jornalista e deputado europeu
Rui Teives Henriques
professor universitário
Rui Teixeira Motta
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Rui Vieira Nery
(confirmar)
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cantor
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Tiago Torres da Silva
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Virgílio Amaral
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Virgílio Castelo
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Vítor Bandarra
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Vítor Ramalho
advogado
Vítor Ribeiro
jornalista
1 comentário:
Este (des)governo não é contra as PPP (parcerias público-privadas)?
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