6 de setembro de 2017

vida e obra do Festival de Nancy


Une utopie en vingt actes
Théâtre
De 1963 à 1983, la ville de Nancy est, grâce à son festival mondial, au coeur de la vie culturelle de l’époque. Dans un livre aussi vivant que documenté, Jean-Pierre Thibaudat en fait la passionnante chronique posthume.
por
Anaïs Heluin



De 1963, on se rappelle surtout l’assassinat de John Kennedy. C’est aussi une année qui se révélera capitale dans l’histoire du théâtre en France. Celle de la naissance d’un rendez-vous dont le souvenir est  jourd’hui en passe de s’effacer : le Festival mondial du théâtre de Nancy (FMT), dans lequel Jean-Pierre Thibaudat voit rien de moins que « le dernier grand festival du XXe siècle ». Soit non seulement une vitrine des révolutions théâtrales de l’époque, mais aussi un laboratoire d’où sortent « de futurs grands directeurs de théâtre ou producteurs ». Un fabuleux miroir du « miracle et du mirage d’une époque », écrit le critique et écrivain, qui en fait le récit dans un beau-livre publié aux Solitaires intempestifs.
Journaliste à Libération de 1978 à 2006, Jean-Pierre Thibaudat a connu les dernières grandes éditions du FMT. Il est ensuite conseiller artistique au festival Passages, qui se tient à Nancy avant d’être déplacé à Metz.
C’est donc fort d’une importante culture lorraine qu’il reconstitue la mémoire de vingt ans de rencontres
théâtrales, en réalisant des entretiens avec de nombreux témoins et en recoupant toutes les archives auxquelles il a pu avoir accès. Résultat : une captivante chronique nourrie de sources sûres comme de souvenirs forcément transformés par le temps. L’histoire chronologique en vingt actes d’une « utopie théâtrale », sous-titre du livre.
Alors que le Théâtre des nations, à Paris, se tourne vers un art de plus en plus conventionnel, le groupe d’étudiants nancéens qui décide,en 1963, de fonder un festival se place d’emblée du côté de la nouveauté.
Des « groupes marginaux, des incisifs, des originaux ». Autant de qualificatifs que l’on ne songerait pas forcément aujourd’hui à associer au premier « animateur » du festival, dont l’édition initiale s’intitulait « Dionysies internationales du théâtre étudiant » : Jack Lang, alors étudiant à Nancy. Dans l’effervescence du théâtre universitaire de l’époque, l’événement tranche d’abord par son ambition.
Dès 1964, le festival accueille en effet vingt-sept spectacles issus de vingt pays. Le rêve commence à devenir réalité. c son écriture vive qui mêle anecdotes et informations plus officielles, Jean-Pierre Thibaudat traduit dès les premiers chapitres l’esprit subversif et contestataire pré-soixante-huitard qui nourrit le FMT. Lequel accueille en effet très tôt des artistes pour qui la révolution est aussi bien politique qu’esthétique.
Certains marqueront leur discipline. C’est le cas de la compagnie américaine Bread and Puppet Theater, qui vient pour la première fois à Nancy en 1968 avec deux spectacles dénonçant la guerre du Vietnam. Ses masques et ses marionnettes géantes deviennent les emblèmes de cette période qui constitue l’âge d’or du FMT.
L’année suivante, la révélation vient du Mexique, avec le Teatro Campesino. « Un théâtre ouvrier-paysan né d’une grève, avec un travail scénique formidablement simple, cinglant et joyeux. » Il reviendra. De même que le Polonais Jerzy Grotowski, figure importante du FMT dès ses débuts. Le festival n’a pas n’importe quelles fidélités. Et celles-ci ne naissent pas par hasard. De fait, dès les premières années, des « prospecteurs » sont envoyés à travers le monde pour repérer les talents. Une démarche rare et passionnante, à laquelle l’auteur consacre presque autant de place qu’aux spectacles programmés et à l’atmosphère électrique qui règne dans la petite ville de province. Il n’a pas besoin de souligner l’absence, dans la France actuelle, d’un festival d’une qualité artistique et humaine comparable.
Disparu avec la fin des utopies politiques qui l’ont vu naître, le FMT marque la fin d’un temps que Jean-Pierre Thibaudat a la subtilité de décrire sans nostalgie.
Pour accueillir ce qui se crée de beau aujourd’hui, ce qu’il fait sur son excellent blog « Balagan », hébergé par Mediapart. »

5 de setembro de 2017

A «reforma laboral» de 2012 vista pelo Prof. Jorge Leite



A REFORMA LABORAL EM PORTUGAL*


Por


JORGE LEITE
Professor jubilado
Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra


Revista General de Derecho del Trabajo y de la Seguridad Social 34 (2013)

A primeira cousa que me desedifica,peixes, de vós,
é que vos comeis uns aos outros.
Grande escândalo é este, mas a circunstância o faz ainda maior.
Não só vos comeis uns aos outros,
senão que os grandes comem os pequenos.
Se fora pelo contrário, era menos mal.
Se os pequenos comeram os grandes,
Bastara um grande para muitos pequenos;
mas como os grandes comem os pequenos,
não bastam cem pequenos, nem mil, para um só grande
Padre António Vieira, Sermão de S. António aos peixes,

S. Luis do Maranhão, Brasil, Junho de 1654



RESUMEN: O texto trata da reforma laboral introduzida pela Lei n.º 23/2012, na sequência do Memorando de Entendimento subscrito entre o Governo Português e a Troika (FMI, CE e BCE), uma reforma concretizada em várias medidas cujo sentido geral é o da desvalorização do trabalho, nuns casos predominantemente económica e em outros casos predominantemente pessoal. As alterações mais significativas dizem respeito à (i) duração do trabalho (redução dos dias feriados e dos dias de férias e eliminação dos descansos compensatórios), ao (ii) trabalho suplementar (redução para metade da majoração remuneratória), à (iii) organização do tempo de trabalho (com particular interesse para as figuras das adaptabilidades e dos bancos de horas), à (iv) cessação do contrato com alterações do regime do despedimento por extinção do posto e por inadaptação e à (v) redução da compensação por despedimento por motivos objetivos e por outras formas a que a lei associa idêntico efeito. Registam-se ainda as alterações introduzidas no regime das relações coletivas e nas obrigações do empregador perante as autoridades do trabalho, matéria em que se mantém a tendência para a desadministrativização do «mundo do trabalho».

PALABRAS CLAVE: Reforma laboral; medidas da desvalorização do trabalho económica e pessoal; duração do trabalho; trabalho suplementar; organização do tempo de trabalho; despedimento por extinção do posto e por inadaptação; redução da compensação por despedimento por motivos objetivos.

SUMARIO: I. Notas introdutórias.- II. Medidas de desvalorização económica.- III. Medidas de desvalorização pessoal.- IV. Outras medidas.- V. Relações coletivas.- VI. Atridas ou Sísifo?.


THE LABOUR REFORM IN PORTUGAL


ABSTRACT: The text deals with the labour reform introduced by Law 23/2012, following the Memorandum of Understanding signed between the Portuguese government and the Troika (IMF, ECB and EC). This is achieved by implementing measures whose general consequence is the devaluation of labour, either predominantly economic or predominantly personal. The most significant changes relate to: (i) working time (reduction in the number of public holidays and of the annual leave and elimination of compensatory rest), (ii) overtime work (halving the bonus remuneration), (iii) organization of working time (with particular interest in the regimes of adaptability and hour banking), (iv) termination of the contract with changes in the dismissal regime by extinction of the work post and for maladjustment, and (v) reduction of the dismissal compensation for objective reasons and other forms to which the law associates identical effect.
There are still changes made to the system of collective relations and to the obligations of the employer towards labour authorities, an issue that continues to show a trend towards an de-administrativization of the "labour world".

KEY WORDS: Labour reform; economic and personal devaluation of labour; working time; overtime work; organization of working time; dismissal regime by extinction of the work post; reduction of the dismissal compensation for objective reasons.

SUMMARY: I. Introduction.-II. Measures of economic devaluation.-III. Measures of personal devaluation.-IV. Other measures.-V. Collective relations.- VI – The Atreidae or Sisyphus?.


I. NOTAS INTRODUTÓRIAS


1. A tragédia dos Atridas

Não deixa de ser inquietante a invocação fundada de uma das muitas tragédias gregas para caracterizar a história das relações entre o mercado (as leis da concorrência) e o direito do trabalho[1]. Em «La concurrence par la réduction du coût du travail», Gérad Lyon-Caen invocava a lenda da casa dos Atridas, atravessada por uma sucessão «de crimes sempre vingados com crimes maiores» radicada numa «culpa hereditária transmitida de geração em geração», como refere Nair Soares, da Faculdade de Letras da Universidade de Coimbra[2]. "C’est une histoire –escreve Lyon-Caen– comparable à celle des Atrides: le Droit du travail est l’enfant du marché et de la libre concurrence; cependant il a très tôt éprouvé une haine envers ses parents, allant jusqu'à souhaiter les tuer. Aujourd’hui, ceux-ci veulent se venger et un infanticide menace”"[3].

Nesta invocação da casa dos Atridas, G. Lyon-Caen parece influenciado por Séneca, o poeta filósofo mais expresssivo da tragediografia romana, ele próprio trágico, ou não tivesse sido preceptor e conselheiro de Nero, acometido, com frequência, por essa espécie de delírio que é o furor (o adfectus no lugar da ratio), como lembra Nair Soares.

Vários autores têm, aliás, dedicado interessantes páginas a esta «incestuosa» (pais-filhos-irmãos…) relação conflitual, de sinais raramente convergentes e com frequência dramáticos, em especial nos casos em que, como é norma, o conflito for comandado pelas leis do mercado, cuja mão invisível, manchada de indescritíveis sofrimentos, deixa a marca indelével da sua tendência imperial. Mas Lyon-Caen sabia, por certo, que as tragédias de Séneca, o filósofo estóico, «são um grito contínuo contra a tirania, contra o mundo do arbítrio, da violência, a expressão de um ideal prático de vida política, que se configura em moldes contrários àqueles em que vive»[4].

É também por isso que, segundo Giancotti, citado por Nair Soares, «todo o corpus trágico do poeta-filósofo actualiza esta luta entre o logos a ratio e o adfectus o sentimento, a bona mens e o furor». É a tragédia da condição humana, do que é o próprio ser humano no seu agir quotidiano. Será, porventura, uma dessas tragédias que parece vivermos hoje, um drama de grandes dimensões com vítimas inocentes de que os carrascos, aparentemente sem rosto, nem sempre têm sequer consciência. São dezenas de milhões sem emprego, são ainda mais os que têm fome e há muitos outros atormentados pela dor da impotência. O mundo que assim se reproduz diariamente deve estar louco e, seguramente, não é, como deveria ser, um mundo construído à volta da vida, para recordar Ortega y Gasset.


2. O leitmotiv do texto

O leitmotiv deste texto poderia, aliás, ser identificado, penso que com alguma propriedade, com recurso à expressão a desvalorização do trabalho, ou, se o quisermos associar à lenda da casa dos Atridas, a vingança dos mercados. Desvalorização, acrescente-se, num duplo sentido que mais à frente melhor se desenvolverá: (i) em sentido económico, patrimonial, mercantil (de valor de troca), de redução da retribuição[5] e (ii) em sentido não patrimonial, mais psíquico, ou mais afectivo, ou mais moral, de desconsideração, em alguns casos de real humilhação, por vezes gratuita, da pessoa que trabalha[6].

As medidas adotadas na sequência do documento –de controversa qualificação jurídica– que ficaria conhecido por “Memorando de Entendimento”, subscrito, por um lado, pela «troika» (FMI, CE e BCE) e, por outro lado, pelo Governo português[7], são de natureza muito diversa, embora aqui as pudéssemos catalogar em três grandes categorias: (i) medidas de índole tributária, (ii) medidas de protecção social (de eliminação ou de redução do nível e/ou do âmbito de protecção) e, obviamente, (iii) medidas de natureza laboral.

As medidas que afectam o quotidiano das pessoas têm sido muitas, mas foi curto o tempo de preparação psicológica para a sua «inevitabilidade». Verdadeiramente, os defensores da estratégia da austeridade pareciam apostados em deprimir as pessoas para em seguida as comprimir e, se considerado necessário, reprimir, fazendo, paralelamente, suceder as medidas a um ritmo, ainda assim, para muitos inesperado.

Além do agravamento dos preços de vários bens e serviços, incluindo alguns de primeira necessidade, como sucedeu com o acesso aos serviços de saúde, os transportes, a água, a energia, etc., ou com o agravamento do IVA para a taxa máxima de 23% e a passagem de alguns bens da taxa mínima (6%) para a taxa máxima (energia eléctrica, gás e a própria restauração), com o OGE para 2011 e, sobretudo, para 2012 e para 2013, acumularam-se muitas medidas todas convergentes no mesmo objectivo ou no mesmo resultado: o do empobrecimento generalizado, ainda que muitas vezes desigual, das pessoas e das famílias que potenciou as dificuldades de muitas empresas com a inevitável consequência de apresentação à insolvência das mais expostas[8].
Foi a estratégia, por muitos considerada errada e até perigosa, da austeridade –um verdadeiro austericídio, para usar um neologismo importado de Espanha, a estratégia do «custe o que custar», para recorrer a uma expressão muito repetida pelo Primeiro-ministro português– cuja consequência mais visível e mais dramática terá sido a do aumento brutal do desemprego, com a inevitável alteração, desejada ou não, de funcionamento do mercado de trabalho e o consequente agravamento do desequilíbrio entre a oferta e a procura[9].


3. Breve referência aos principais tipos de medidas laborais e seus antecedentes

Com muitas e claras manifestações, em especial na Lei n.º 23/2012, de 25-6, a desvalorização –tanto no já referido sentido de empobrecimento material (de redução dos rendimentos obtidos com a mesma quantidade e qualidade do trabalho dependente)[10], como no também aludido sentido de desconsideração da pessoa do trabalhador– tem vindo a objectivar-se numa série crescente de disposições urdidas pelo legislador para um conjunto de melindrosas situações de maior exposição das suas fragilidades, parecendo abandonado pela lei à «cobiça do adversário» de ocasião precisamente quando mais necessidade teria de protecção, como sucede nas situações infra descritas (ver III) com as cláusulas que alguns civilistas designariam como «amordaçantes ou opressivas»[11].

A distinção aqui feita entre medidas de desvalorização económica e medidas de desvalorização pessoal visa apenas salientar o que é predominante em cada um dos correspondentes grupos de medidas, ou, se assim se preferir, indicar o diferente ângulo de incidência da sua análise, mas não pretende, de modo algum, insinuar sequer que as primeiras não são também medidas de desvalorização pessoal ou que as segundas não são igualmente medidas de desvalorização económica[12].

Sem prejuízo de referências meramente ocasionais às restantes, este texto ocupar-se-á, quase exclusivamente, das medidas de natureza laboral, isto é, das medidas directamente incidentes sobre o contrato ou a relação de trabalho[13], que, por razões de ordem expositiva, aqui subdividiremos ainda em 5 grupos: as medidas de desvalorização predominantemente económica [II], as medidas de desvalorização predominantemente pessoal [III], outras medidas respeitantes à relação individual de trabalho (tempo de trabalho, despedimentos) [IV], medidas relativas às relações coletivas de trabalho [V] Atridas ou Sísifo? [VI].


II. MEDIDAS DE DESVALORIZAÇÃO ECONÓMICA


1. Introdução

Fazem parte deste grupo os três tipos de medidas seguintes[14]:

– Redução dos custos salariais por alargamento do tempo de trabalho, sem qualquer correspondência económica, como sucede com a redução do período de férias, a redução do número de dias feriados e a eliminação dos descansos compensatórios por prestação de trabalho suplementar; o resultado final deste tipo de medidas é este: mais tempo de trabalho sem qualquer aumento dos custos salariais, com a consequente diminuição do valor da hora de trabalho normal, ou, numa outra perspectiva, criação da figura da prestação de trabalho não pago, uma espécie de corveia dos nossos tempos (n.º 2);

– Redução do preço anteriormente pago por determinadas prestações de trabalho [a medida referida no travessão anterior traduz-se em mais tempo de trabalho pelo mesmo preço; esta traduz-se em remuneração inferior pelo mesmo do tempo de trabalho] (n.º 3);

– Redução dos custos do despedimento e de outras formas de extinção do contrato de trabalho (n.º 4).


2. Tempo de trabalho não pago

Como vem indicado no número anterior, o trabalho não pago resulta directamente da redução do número de dias feriados (2.1), da redução do período de férias (2.2) e da eliminação dos descansos compensatórios por trabalho suplementar prestado em dia útil, em dia de descanso semanal complementar e em dia feriado (2.3).


2.1 Redução do número de dias feriados

Até à entrada em vigor de CT2, havia 2 tipos de dias feriados: eram 12 os feriados obrigatórios[15]1 de Janeiro, sexta feira santa, domingo de Páscoa, 25 de Abril, 1 de Maio, 10 de Junho, dia de Corpo de Deus, 15 de agosto, 5 de outubro, 1, 8 e 25 de dezembro– e eram 2 os feriados facultativos[16] – terça feira de carnaval e dia do município.
A Lei n.º 23/2012 reduziu o número de feriados obrigatórios de 12 para 8, tendo eliminado dois feriados religiosos, o dia de Corpo de Deus, festa móvel, e o dia 1 de novembro, dia de todos os santos, e dois civis, o dia 5 de outubro, dia da implantação da República, e o dia 1 de dezembro, dia da restauração da independência nacional. Entretanto, o CT2 havia eliminado os 2 feriados facultativos, embora tenha permitido a possibilidade da sua criação por via de acordo entre trabalhadores e empregadores.


2.2 Redução do período de férias

Uma das novidades do CT2 foi a da fragmentação do período de férias em 2 segmentos: um, de 22 dias úteis[17], correspondente às férias como direito não condicionado à assiduidade ou efetividade de serviço e o outro, de 1 a 3 dias úteis, associado à ideia do combate ao absentismo. Para que o trabalhador adquirisse o direito a esta espécie de prémio[18], seria necessário reunir duas condições respeitantes ao ano civil anterior:
a) Não ter dado uma única falta injustificada;

b) Não ter ultrapassado um dia (ou dois meios dias) de faltas justificadas, ou dois dias (4 meios dias), ou 3 dias (ou seis meios dias) para ter direito ao prémio de, respectivamente, 3, 2 ou 1 dia útil de férias[19].

A Lei 23/2012 revogou todas as normas respeitantes ao referido segmento de férias, reduzindo, deste modo, a sua duração para 22 dias úteis correspondentes ao segmento das férias como direito.


2.3 Eliminação dos descansos compensatórios

Um dos efeitos associados ao trabalho suplementar realizado em dia útil ou em dia feriado ou em dia de descanso complementar era o de um descanso compensatório correspondente a 25% das horas prestadas (art. 229.º do CT2), descanso que deveria ser gozado nos 90 dias posteriores àquele em que os descansos assim adquiridos somassem o tempo correspondente ao período normal de trabalho do trabalhador[20].Assim, se, por exemplo, um trabalhador prestasse, num ano civil, 160 horas de trabalho suplementar, teria direito a 5 dias de descanso compensatório, isto é, o equivalente a uma semana de trabalho.

A Lei 23/2012 veio revogar todas as normas que associavam um tal efeito ao trabalho suplementar que havia sido introduzido por uma lei de 1983 (Decreto-lei n.º 421/83, de 2-12), operando, deste modo, mais uma redução dos custos salariais à custa dos trabalhadores através do aumento do tempo de trabalho não pago.


3. Redução do preço pago por determinadas prestações de trabalho

Com alguns sinais nas leis do OGE para 2012 e para 2013 para os trabalhadores da Administração Pública e do sector empresarial do Estado, a redução directa dos custos salariais de determinadas prestações de trabalho viria a ser contemplada para a generalidade dos trabalhadores do sector privado na Lei n.º 23/2012 e concretizada através das medidas seguintes: redução da majoração remuneratória do trabalho suplementar prestado em dia útil, em dia de descanso semanal complementar e em dia feriado (3.1), redução do montante a pagar por trabalho (normal) prestado em dia feriado em empresa dispensada de encerrar (3.2) e redução do preço devido por isenção de horário de trabalho (3.3).


3.1 Redução das majorações do trabalho suplementar

Com a entrada em vigor da Lei 23/2012, as majorações do trabalho suplementar foram todas reduzidas para metade: as do trabalho prestado em dia útil passaram de 50% na primeira hora e de 75% nas horas subsequentes para, respetivamente, 25% e 37,5%, e as do trabalho prestado em dia de descanso complementar ou em dia feriado de 100 para 50%[21].


3.2 Redução do preço do trabalho normal prestado em dia feriado

Tratando-se de trabalho em empresa legalmente dispensada de encerrar em dia feriado, em regra empresa de laboração contínua, por isso legalmente, mas não pacificamente, qualificado como trabalho normal, deverá este ser pago, depois da entrada em vigor da Lei 23/2012, por metade do preço do trabalho normal realizado em qualquer dia útil. Trata-se, pois, de um trabalho prestado em dia festivo –de que, por isso mesmo, todos os demais trabalhadores estão dispensados– pago não apenas sem qualquer majoração com, inclusivamente, por metade do valor do trabalho prestado em dia útil. Assim, se um trabalhador, como um salário mensal de 728€, trabalhar nos 22 dias úteis de um determinado mês e, além disso, prestar trabalho em um dia feriado, neste caso, para este efeito, o 23.º dia de trabalho do mês, por ele receberá metade do que recebe pelas 8 horas de trabalho prestado em dia útil, isto é, um trabalhador com um salário mensal de 728€ e 40 horas de trabalho normal por semana, receberia pelas 8 horas de trabalho do dia feriado 16,8€, de acordo com as regras de cálculo do valor da hora normal[22]. Verdadeiramente, recebe ainda menos de metade já que o preço real de um dia de trabalho normal é bastante superior ao que resulta das referidas regras de cálculo normativamente fixadas[23].

3.3 Redução do preço da isenção de horário de trabalho

Com a redução da majoração do trabalho suplementar reduziu-se também, automaticamente, a remuneração por isenção de horário de trabalho à qual esta se encontrava, e encontra, supletivamente indexada. Sendo o horário de trabalho a determinação da hora de entrada e de saída do trabalho bem como do intervalo de descanso (art.200.º), compreende-se que a isenção de horário, em qualquer uma das suas três modalidades (art. 219.º), se traduza numa incomodidade, numa desvantagem, para o trabalhador a ela sujeito, por referência ao trabalhador não isento[24], incomodidade paga, nos termos do art. 265.º, de acordo com o que estabelecer a convenção coletiva de trabalho ou, na falta desta, por um montante não inferior à retribuição de uma hora de trabalho suplementar por dia ou de 2 horas por semana quando a modalidade de isenção for a da observância do período normal de trabalho[25].


4. Redução do custo do despedimento e de outros casos de extinção do contrato


4.1 Introdução

Nos termos da lei portuguesa, um contrato de trabalho pode terminar, recorrendo ao critério do papel da vontade do empregador e do trabalhador, por (i) decisão conjunta das partes (acordo de revogação como a designa o CT), (ii) por decisão do empregador (despedimento, segundo a terminologia mais corrente), (iii) por decisão do trabalhador (denúncia ou resolução na terminologia civilista, ou «civilizoidal», reintroduzida pelo CT1 que o CT2 manteve) e (iv) por cumprimento do contrato ou impossibilidade de cumprimento superveniente, absoluta e definitiva (caducidade como a lei designa a generalidade destas situações).

O despedimento, que é sempre causal[26], pode ter como seu fundamento um motivo inerente ou um motivo não inerente ao trabalhador[27]. Ao despedimento por motivos inerentes ao trabalhador (no caso português o motivo deverá ter sempre a natureza de uma infracção disciplinar, correntemente designada por justa causa), não associa a lei qualquer efeito indemnizatório ou compensatório[28], diferentemente do que sucede com as várias modalidades de despedimento por motivos não inerentes ao trabalhador, caso em que é sempre devida uma compensação[29].

4.2 A compensação por despedimento fundado em motivo não inerente ao trabalhador

Esta compensação é, como antes, calculada em função de dois factores, a antiguidade e a retribuição do trabalhador, mas o seu montante foi reduzido de 30 para 20 dias de salário base e diuturnidades por cada ano de antiguidade (Lei 53/2011 e Lei 23/2012).

Este último diploma não se limitou, porém, à redução de 1/3 da anterior compensação. Na verdade, introduziu outras alterações sobre esta matéria com alguma relevância. Assim:
a) Eliminou a compensação mínima antes prevista (correspondente a 3 anos de antiguidade);

b) Introduziu dois limites máximos (dois tectos) para o montante da compensação: não pode esta ultrapassar 12 vezes a retribuição base mensal e diuturnidades (neutralizando, assim, para este efeito, os anos de antiguidade posteriores), nem o montante correspondente a 240 salários mínimos (240x485€);

c) Dividiu a antiguidade dos contratos celebrados antes de 31 de outubro de 2011 em dois segmentos: a antiguidade «antiga» (a decorrida desde o início de vigência do contrato até 31 de Outubro de 2012) que continuaria a dar direito a uma compensação correspondente a um mês de retribuição por cada ano, e a antiguidade «nova» (a posterior a 31 de outubro de 2012) a que se aplicarão as novas regras de cálculo[30].

A Lei 23/2012, à semelhança da Lei 53/2011, prevê ainda a criação de um “fundo de compensação do trabalho ou mecanismo equivalente” que será responsável pelo pagamento de uma parte da compensação do trabalhador nos termos que a legislação específica (ainda não aprovada) vier a estabelecer.

Nos termos do previsto no Memorando de Entendimento, está em curso a aprovação de uma nova lei de redução destas compensações para a chamada média europeia que, segundo um estudo do governo, se situaria entre os 8 e os 12 dias por ano de antiguidade, números contestados pelas centrais sindicais.

4.3 Outros casos compensação por extinção do contrato

A lei portuguesa prevê outros casos de compensação por extinção do contrato, legalmente qualificados como casos de extinção por caducidade, pelo menos aparentemente sem grande rigor na medida em que a extinção é, afinal, um efeito de uma decisão do empregador por ele directa ou indirectamente pretendido[31], casos expressamente contemplados na secção II (arts. 343.º a 348.º), com a epígrafe caducidade, do capítulo sobre cessação do contrato de trabalho.

Os casos ali previstos são os seguintes:
a) Caducidade por morte do empregador individual se os sucessores, ou algum deles, não continuarem a actividade ou se não houver transmissão da empresa ou estabelecimento para terceiros (art. 346.º/1);

b) Caducidade por extinção de pessoa colectiva empregadora quando se não verifique transmissão da empresa ou estabelecimento (art. 346.º/2);

c) Caducidade por encerramento total e definitivo da empresa (art. 346.º/3);

d) Caducidade por encerramento de estabelecimento de empregador judicialmente declarado insolvente[32];

e) Cessação de contrato de trabalho de «trabalhador cuja colaboração não seja indispensável ao funcionamento da empresa», decidida pelo administrador da insolvência antes do encerramento definitivo do estabelecimento (art. 347.º/2).


4.4 A compensação por extinção de contrato a termo[33]

O ordenamento jurídico português permite o recurso a contratos a termo, certo ou incerto, e considera que o mesmo cessa com o decurso do prazo estabelecido ou com a verificação do evento a que as partes associaram o efeito extintivo. Esta seria, aliás, uma espécie de «morte natural» desta modalidade de contratos (o contrato extingue-se porque se cumpriu, porque se exauriu). Por razões conhecidas, ligadas, nomeadamente, ao princípio da conservação dos contratos, no nosso caso melhor se diria ao princípio da estabilidade do emprego, exige, porém, a lei, não como causa mas como condição de produção de um tal efeito dos contratos a termo certo, que o empregador comunique ao trabalhador, com determinada antecedência, a vontade de o não manter, não exigindo, porém, condição de extinção de idêntica natureza para os contratos a termo incerto.

Atribuía a lei aos trabalhadores cujo contrato a termo terminasse nas condições acabadas de referir o direito a uma compensação que de 2 ou 3 dias de retribuição por cada mês de vigência do contrato, conforme a sua duração fosse ou não superior a seis meses.

Com a entrada em vigor da Lei 23/2012, esta compensação passou a ser calculada nos termos gerais, ou seja, passou a ser de 20 dias de retribuição base e diuturnidades por cada ano completo de antiguidade ou, se for o caso, proporcional à fracção de ano. Assim, um trabalhador cujo contrato durar 15 meses terá direito a 20 dias correspondentes ao ano completo (12 meses) e a mais 3/12 de 20 dias correspondentes aos restantes 3 meses (fracção de ano), num total de 25 dias, quando, na vigência das regras anteriores, teria direito a 30 dias.


III. MEDIDAS DE DESVALORIZAÇÃO PESSOAL


1. Introdução

Como se não bastasse a desvalorização económica do trabalho acabada de referir, com as suas inevitáveis consequências na qualidade de vida do trabalhador e dos que dele dependem, em particular nos casos em que mais reduzidos são os seus rendimentos salariais, por regra os das pessoas sem ou com mais fracos recursos de outra fonte, as últimas reformas têm-se caracterizado por um conjunto de medidas que nos interpelam acerca do “grau de consideração social do ser humano no trabalho”. Sobretudo numa época e numa região do mundo em que tão invocada tem sido a dignidade da pessoa humana, em que todas as forças sociais, religiosas e políticas nela dizem encontrar uma inequívoca marca civilizacional, parece ajustada a interpelação de algumas dessas medidas para nos interrogarmos sobre as suas causas e sobre as suas consequências.

As últimas reformas laborais têm, com efeito, multiplicado a adoção de medidas susceptíveis de atingirem aspectos psíquicos ou morais das pessoas por elas atingidas, com implicações suscetíveis de se comunicarem ou de se projectarem fora da empresa[34], designadamente na vida social e, em particular, na vida familiar dos trabalhadores atingidos.

Refiro-me, em especial, àquelas normas que permitem, se é que não estimulam, situações de constrangimento psicológico ou mesmo de humilhação, ostensiva ou dissimulada, da pessoa do trabalhador surpreendido em alguns dos momentos de maior fragilidade, em particular nos momentos de acesso ao emprego ou de risco de perda do emprego conseguido. Alguns exemplos de normas desta natureza nos ajudarão a compreender melhor o sentido desta observação crítica, como serão os casos das normas sobre mobilidade geográfica (n.º2) ou sobre mobilidade funcional (n.º 3), ou ainda sobre não renovação dos contratos a termo certo (n.º 4), dos silêncios positivos dos trabalhadores (n.º 5) e de outras inferências de determinado comportamento do trabalhado (n.º 6), exemplos de normas que merecem algumas considerações finais (n.º 7).


2. As normas sobre mobilidade geográfica

O local de trabalho é um dos elementos que, expressa ou tacitamente, fazem parte do conteúdo contratual. «O trabalhador deve, em princípio, exercer a sua actividade no local contratualmente estabelecido», como o CT2 dispõe no n.º 1 do art. 193.º(ver também o art. 129.º 1-f). Para além das deslocações inerentes às funções a que está adstrito ou indispensáveis à sua formação profissional (n.º 2 do art. 193.º), o art. 194.ºdo mesmo diploma prevê, porém, os casos ou as condições em que o empregador pode, unilateralmente, transferir o trabalhador, temporária ou definitivamente, para outro local: quando houver mudança ou extinção, total ou parcial, do estabelecimento onde o trabalhador presta serviço para outro local ou quando outro motivo do interesse da empresa o exija e a transferência não implique prejuízo para o trabalhador[35]. Esta faculdade do empregador pode agora, desde a entrada em vigor do CT1, ser alargada, aparentemente sem limites, ou restringida, desde que nisso acordem as partes em cláusula contemporânea ou posterior à conclusão do contrato.

Ora, aquela que viria a ser conhecida como cláusula de mobilidade, nos termos da qual o trabalhador se obriga a desempenhar as suas funções numa dada localidade ou em qualquer outra, do continente e das regiões autónomas ou mesmo de qualquer outro Estado membro da União Europeia [ou outros] tem vindo a tornar-se uma cláusula de estilo, passando a ser incluída em elevado número de contratos com ou sem prazo, isto é, de duração indeterminada ou indeterminada.

Quer dizer, contra os seus interesses e sem qualquer compensação por uma tal incomodidade ou prejuízo que o torna um potencial desobediente sujeito às correspondentes sanções, incluída a de despedimento, o trabalhador é, deste modo, colocado na situação de ter de renunciar antecipadamente a um seu direito fundamental, pondo, inclusivamente, em risco a conciliação da sua vida profissional com a sua vida extraprofissional e, em particular, com a sua vida familiar. Para evitar, porém, o maior de todos os custos, desde logo o de continuar em situação de desemprego e, eventualmente, o de passar mesmo à situação de desemprego voluntário, não deixará de concluir o contrato com a cláusula de mobilidade, mas também, seguramente, não deixará de se sentir coagido e, porventura, silenciosamente revoltado com tão desequilibrada cláusula.


3. As normas de mobilidade funcional

Considerações de idêntico teor se poderão tecer a propósito da chamada mobilidade funcional. Também neste âmbito a lei portuguesa consagra o princípio da contratualidade da actividade a realizar (arts. 11.º, noção de contrato de trabalho, e 115.º, determinação da actividade do trabalhador) e o princípio da coincidência entre a actividade contratada e a desempenhada (art. 118.º) e também aqui prevê e regula os casos de mobilidade funcional permitida (ius variandi): o trabalhador pode ser obrigado a desempenhar temporariamente funções não compreendidas na actividade contratada, desde que não haja modificação substancial da sua posição (n.º 1 do art. 120.º), nem redução da retribuição (n.º 4 do mesmo artigo). Admite, porém, o n.º 2 desta disposição legal que, «mediante acordo, as partes podem alargar ou restringir a faculdade conferida no n.º 1». Ou seja, a lei abre as portas à inclusão de cláusulas contemporâneas ou supervenientes de alargamento, aparentemente sem limites expressos, das tarefas que o trabalhador declara aceitar realizar.

Embora com menor frequência, também uma tal cláusula se tornou numa “cláusula de estilo” que tende a ser incluída na generalidade dos contratos e, à semelhança do que vem sucedendo com a cláusula de mobilidade geográfica, também ela tem sido usada com um sentido único: o do alargamento dos poderes do empregador.


4. A cláusula de não renovação de contrato a termo certo

A extinção do contrato a termo (ou a prazo) certo depende, desde as primeiras leis gerais do trabalho, não apenas do decurso do prazo ou da verificação do evento a que as partes associaram aquele efeito jurídico, como também, certamente em homenagem ao princípio da conservação do contrato ou do emprego, da prévia comunicação escrita do empregador da vontade de o não renovar (art. 344.º). Da extinção do contrato (caducidade) operada nos termos descritos resulta para o trabalhador o direito a uma compensação a que supra se fez referência em II/4.4.

Apesar de magra, nem por isso a lei deixou de abrir a porta à possibilidade de o empregador se exonerar de uma tal obrigação, bastando, para o efeito, que faça incluir no contrato uma cláusula de não renovação, o que lhe não será difícil, alcançando, por essa via, uma dupla vantagem:

– Reduz o risco de renovação do contrato ou mesmo o da sua conversão em contrato sem prazo, uma vez que ao atraso ou à falta de comunicação, não associa a lei outro efeito que não seja o da sua extinção;

– Evita a obrigação de compensação legalmente imposta, o que, num País de alta taxa de precariedade, não deixa de ser significativo. Recorde-se, a este propósito, que a lei portuguesa, apesar da norma constitucional (art. 53.º) que a todos garante a segurança no emprego, admite, desde 1989, contratos a termo para lançamento de nova actividade ou abertura de nova empresa ou estabelecimento, e contratos a termo de trabalhadores à procura de 1.º emprego ou de desempregados de longa duração.

Como se sublinhará mais à frente, não será exigível que o trabalhador rejeite a conclusão do contrato apesar destas «maldades» estranhamente permitidas ou estimuladas pela lei.


5. Os silêncios [forçadamente] positivos do trabalhador

Porventura ainda mais estranho é o alargamento dos casos de atribuição do sentido de resposta positiva ao silêncio do trabalhador às propostas do empregador. Como se repetirá mais à frente, além de poderem ser criados por convenção colectiva, tanto a chamada “adaptabilidade do tempo de trabalho” (art. 205.º), como o designado banco de horas (art. 208.º-A) podem ser instituídos por contrato individual com observância do procedimento, praticamente igual, expressamente previsto no n.º 4 de cada um dos citados artigos: proposta escrita do empregador e falta de resposta escrita de oposição do trabalhador nos 14 dias seguintes, sob pena de o seu «silêncio escrito», mesmo quando acompanhado de oposição verbal, se entender como aceitação da proposta. Para que se considere instituído o regime de adaptabilidade individual ou o regime do banco de horas individual, a lei não exige, na verdade, uma resposta de aceitação expressa ou tácita por parte do trabalhador; a lei basta-se com um facto negativo: a falta de oposição escrita à proposta no prazo de 14 dias.

Sucede, porém, que nem mesmo a «arriscada» resposta escrita de não aceitação (de opting out) pode ser suficiente para que o trabalhador se mantenha fora do perímetro dos trabalhadores vinculados ao regime assim instituído com outros trabalhadores, já que à entidade empregadora, verificadas certas circunstâncias, é atribuído o excecional poder de o tornar obrigatório para todos os que pertençam à mesma equipa, ou à mesma secção, ou à mesma unidade económica. A este fenómeno de extensão da figura da adaptabilidade individual ou da figura do banco de horas individual a trabalhadores que expressamente a recusaram designou-o a lei por, respectivamente, adaptabilidade grupal (ar. 206.º) e banco de horas grupal (art. 208.º-B).


6. A norma sobre aceitação de compensação

Uma das condições de validade do despedimento por motivos não inerentes ao trabalhador – despedimento colectivo, despedimento por extinção do posto de trabalho e despedimento por inadaptação – é a do pagamento, até ao termo do correspondente prazo de aviso prévio, da compensação, bem como dos créditos vencidos e dos exigíveis por efeito da cessação do contrato de trabalho [n.º 5 do art. 363.º[36], n.º 4 do art. 371.º e n.º 1 do art. 379.º, conjugados com o disposto na alínea c) do art. 383.º, a alínea d) do art. 384.º e a alínea c) do art. 385.º].
Presume-se, porém, que o trabalhador aceita o despedimento quando recebe a compensação prevista no art. 366.º, isto é, a compensação por despedimento por motivos não inerentes ao trabalhador. Eis uma presunção que suscita muitas dúvidas, desde logo de ordem jurídico-constitucional, por não ter em conta, designadamente:

– Que o trabalhador, no momento em que recebe a compensação, não está em condições, nem para tanto terá preparação técnica, de saber se o despedimento (ou extinção) é ou não válido, isto é, se padece ou não de algum vício invalidante;

– Também não está em condições de recusar, ou não é exigível que recuse, a compensação, não apenas por saber que os seus rendimentos vão, com alta probabilidade, reduzir-se, mas também porque, independentemente da regularidade ou irregularidade da extinção, aquela compensação pertence-lhe pelo menos até ao momento em que, em consequência de uma eventual declaração de invalidade, o trabalhador opte por regressar à empresa;

– Além disso, por mais razão jurídica que lhe assista, quem vai garantir ao trabalhador que não aceita a compensação que a empresa ainda existe quando terminar o processo judicial de impugnação do despedimento, ou, tendo aceite a compensação, quem lhe vai garantir, à data em que promove a elisão da presunção, que o empregador está em condições de lha restituir se o tribunal lhe der razão?

– Acresce ainda que o trabalhador pode ver-se –será mesmo o caso normal– em situação de necessidade de recorrer à compensação que lhe foi paga para fazer frente às despesas do quotidiano pessoal e familiar. Que vai fazer o trabalhador nessas condições? Manter o dinheiro debaixo do colchão ou num depósito bancário para poder restituí-lo se resolver elidir a presunção quando tiver conhecimento de que, afinal, aquela extinção é nula ou anulável? Quem pensa o legislador que é a pessoa ocultada pelo trabalhador? E não constituirá uma tal condição um constrangimento inaceitável ao exercício de direitos fundamentais, designadamente, nestes casos, do direito ao trabalho e do direito de acesso aos tribunais …?


7. Considerações gerais

Desconsideração da pessoa do trabalhador é, talvez, a expressão que melhor traduz o sentido do grupo de medidas indicadas nesta parte deste trabalho. São medidas que surpreendem até pelo desconcerto que introduzem no discurso oficial dos estados democráticos ocidentais e de organizações internacionais, de âmbito regional ou universal, um discurso frequentemente engalanado de nobres invocações, designadamente aos direitos fundamentais e à sua matriz referencial da dignidade do ser humano, especialmente relevante nas situações de maior vulnerabilidade.

Esta desconsideração que promove, subliminarmente, a identificação do trabalhador com os descartáveis (fungíveis), os de magros recursos, os de reduzido património social, os de baixa escolaridade, os que não sabem falar, os que não têm voz, os de carácter corroído pelas sucessivas amarguras da vida, afinal os descendentes do antigo servo, herdeiro, por sua vez, do escravo, o precário, talvez mesmo o ZÉ que NINGUÉM quer ser, de que falava Wilhelm Reich, ou, sabe-se lá, os «preguiçosos ou as cigarras do sul».

A prática legislativa que fixa determinadas condições de trabalho para, logo depois, permitir o seu afastamento ou a sua substituição por piores condições desde que nisso acorde o trabalhador ou desde que às correspondentes propostas do empregador se não oponha expressamente (e, em alguns casos, por escrito) é, no mínimo, uma prática não neutra, uma prática colorida de hipocrisia, já que o legislador sabe, ou não deve desconhecer, que a margem de liberdade ou, para usar uma expressão de que tanto gostam os neoliberais, a liberdade de escolha, é excessivamente estreita para esperar, na esmagadora maioria dos casos, uma resposta de oposição à proposta do empregador.

Estas cedências da lei laboral ao dogma da soberania da vontade, de que o direito do trabalho havia sido, aliás, uma das primeiras manifestações de ruptura[37], com o sacrifício da liberdade real, fazem recordar as críticas que muitos autores fizeram aos códigos oitocentistas que, para citar F. Wieacker, renunciaram a uma ética material dos contratos (…) e não colocaram o problema da ameaça da liberdade social pela liberdade contratual[38], fazendo mesmo lembrar, em muitos casos, uma velha expressão popular, devidamente adaptada, em particular quando confrontado com o atual direito dos consumo: «direito civil volta, estás perdoado!».

Verdadeiramente, estas normas vêm permitir uma espécie de reserva do empregador de modificação unilateral das condições de trabalho, ou, de uma outra perspectiva, uma espécie de renúncia antecipada do trabalhador aos seus direitos, em especial, ao seu direito ao trabalho e a uma certa estabilidade das condições de trabalho. Num dos acórdãos em que o TC se referiu aos dois direitos acabados de citar, pode ler-se o seguinte (acórdão 581/95):

«A Constituição, no artigo 53.º, garante aos trabalhadores “a segurança no emprego, sendo proibidos os despedimentos sem justa causa ou por motivos políticos ou ideológicos”. Esta garantia constitui uma manifestação essencial da fundamentalidade do direito ao trabalho e da ideia conformadora de dignidade que lhe vai ligada. Por via dela se afirma em modo paradigmático a influência jus-fundamental nas relações entre privados, que não é aí apenas uma influência de irradiação objectiva, mas uma influência de ordenação directa das relações contratuais do trabalho.

E é também o valor da autonomia que se realiza no programa da norma constitucional do artigo 53.º. A Constituição deixa claro o reconhecimento de que as relações do trabalho subordinado não se configuram como verdadeiras relações entre iguais, ao jeito das que se estabelecem no sistema civilístico dos contratos. A relevância constitucional do ‘direito ao lugar’ do trabalhador envolve um desvio claro da autonomia contratual clássica e do ‘equilíbrio de liberdades’ que a caracteriza. É que as normas sobre direitos fundamentais detêm, no plano das relações de trabalho, uma eficácia de protecção da autonomia dos menos autónomos. Aqui é evidente o desiderato constitucional de ligação da liberdade fáctica e da liberdade jurídica. A Constituição faz depender a validade dos contratos não apenas do consentimento das partes no caso particular, mas também do facto de que esse consentimento ‘se haja dado dentro de um marco jurídico-normativo que assegure que a autonomia de um dos indivíduos não está subordinada à do outro’ (C. S. Nino, Ética y Derechos Humanos, Buenos Aires, 1984, pág. 178)».

Como seria de esperar e já atrás se referiu, não há conhecimento de trabalhador que recuse o emprego (recuse assinar o contrato) por causa da inclusão de alguma das cláusulas que vêm sendo referidas, tudo contribuindo para o esmagamento, praticamente gratuito, da sua ‘alma’, para usar uma expressão seguramente controversa mas também sugestiva, e para realçar a hipocrisia do legislador que «dá» com uma mão o que com a outra se apressa a permitir retirar. É preciso, além de ser justo, ajudar Sísifo. A lei não pode limitar-se a pretender garantir o consentimento das partes; deve preocupar-se também em garantir a sua qualidade.


IV. OUTRAS MEDIDAS

1. A precariedade

A precariedade tem sido uma marca quase sempre presente nas sucessivas reformas das leis do trabalho dos últimos anos, traduzida em especial nas alterações ao regime dos contratos temporários (1.1), ao aumento e consequente diversificação da oferta de «produtos laborais» (1.2) e ao recurso cada vez mais frequente aos expedientes do direito dos negócios (1.3).


1.1 O regime dos contratos a prazo

O ordenamento jurídico português é relativamente «generoso» no tratamento que dispensa a esta modalidade de contratos. Generoso, desde logo:

a) No que respeita à previsão dos tipos de situações que legitimam o recurso a esta modalidade de contrato de trabalho, permitindo, designadamente, o seu uso para satisfação de necessidades permanentes da empresa, como sucede, a título de exemplo, com o disposto no n.º 4 do art. 140.º do CT2, nos termos do qual «além das situações previstas no n.º 1[39], pode ser celebrado contrato de trabalho a termo certo para: a) Lançamento de nova actividade de duração incerta, bem como início de laboração de empresa ou de estabelecimento pertencente a empresa com menos de 750 trabalhadores; b) Contratação de trabalhador à procura de primeiro emprego, em situação de desemprego de longa duração ou noutra prevista em legislação especial de política de emprego». Estas são medidas que se poderiam entender como medidas de carácter conjuntural de política de emprego incluídas em outro tipo de normas diferentes daquelas em que vêm inseridas, suscetíveis, por isso mesmo, de censura jurídico-constitucional;

b) O mesmo se diga do limite máximo de duração dos contratos em causa: até seis anos a dos contratos a termo incerto e, nos contratos a termo certo, até 18 meses nos casos de contratos de trabalhadores à procura de primeiro emprego, ou 24 meses nos casos de contratos para lançamento de atividade nova ou de início de laboração ou de trabalhador desempregado de longa duração, ou até 3 anos, prazo máximo normal, para os demais casos, sucedendo agora que, estes, verificadas certas circunstâncias, poderão renovar-se extraordinariamente mais duas vezes até mais 3 anos, nos termos previstos na Lei n.º 3/2012, de 10-1;

c) No tratamento mais flexível dos designados contratos de muito curta duração (até 15 dias), dispensando os que a eles recorrerem de algumas exigências aplicáveis aos restantes, como é o caso da forma.


1.2 O aumento da oferta dos «produtos laborais» tipificados

Na secção IX do capítulo I do título I da parte I, o CT2 tipifica 6 modalidades de contrato, a saber: (i) a termo certo e a termo incerto, (ii) a tempo parcial, (iii) intermitente, (iv) em regime de comissão de serviço, (v) de teletrabalho e (vi) temporário (os contratos celebrados com uma empresa de trabalho temporário). Esta panóplia de modalidades de contrato alarga, naturalmente, o espaço de opção da entidade empregadora, uma vez que, na hora de novas admissões, aumenta o seu leque de opções, facilitando-lhe o recurso à que lhe parecer mais ajustada aos seus interesses.
Embora não venha incluída na referida secção IX ou dificilmente possa ser considerada uma variante da modalidade de trabalho a tempo parcial, deve ter-se em conta o disposto no n.º 2 do art.203.º sobre período normal de trabalho daqueles que prestem trabalho exclusivamente em dias de descanso semanal da generalidade dos demais trabalhadores da empresa ou estabelecimento, e o disposto no art. 209.º que permite a concentração do período normal de trabalho em 4 dias ou mesmo em apenas 3 dias.


1.3 Recurso a figuras do direito dos negócios ou a ‘produtos comerciais’

Uma das vias de flexibilização do uso da força de trabalho tem sido a do recurso, cada vez mais frequente, a figuras do direito dos negócios. Depois do trabalho autónomo, fraudulento ou não, e do trabalho temporário[40], as entidades que mais têm contribuído para a deslaboralização do trabalho (a fuga para o direito dos negócios), são agora as empresas prestadoras de serviços, em particular as que preferem a designação de empresas de outsourcing[41].

Muito ativas em certos setores, designadamente no da saúde, estas empresas usam a figura do outsourcing, ainda rodeada de alguma nebulosidade conceitual, como biombo atrás do qual escondem, com frequência, meras cedências ilícitas de trabalhadores, contribuindo para desestruturar o mercado normal de emprego e, consequentemente, para desvalorizar o trabalho, tanto do ponto de vista económico, como do ponto de vista pessoal.


2. Flexibilização da gestão do tempo de trabalho

Já atrás se fez referência à importância das últimas alterações respeitantes ao tempo de trabalho e, em particular, às regras relativas ao seu uso ou à sua gestão, designadamente no ponto 2 da parte II e nos pontos 3 e 5 da parte III. Restará acrescentar agora as principais medidas que alargam os poderes do empregador de gestão do tempo de trabalho, em especial as medidas concretizadas em duas figuras relativamente recentes no ordenamento jurídico português: a figura da adaptabilidade (2.1) e a figura do banco de horas (2.2)[42].


2.1 A figura da adaptabilidade

Adaptabilidade é o nome dado ao poder de fixar o tempo de trabalho normal em termos médios, ou, se assim se preferir, ao poder de redistribuição do tempo de trabalho normal em fases de maior e de menor densidade laboral para proporcionar ao empregador que comprou por certo preço uma dada quantidade do tempo do trabalhador um uso mais ajustado às suas necessidades sem agravamento dos custos salariais. Desta forma, a lei contorna, pelos vistos com sucesso jurídico, os limites impostos à duração do trabalho diário e/ou semanal pelo direito internacional e pelo direito constitucional[43]. Se um trabalhador estiver contratualmente obrigado a trabalhar 8 horas por dia e 40 por semana, o seu empregador não viola estes limites se, por exemplo, redistribuir as 400 horas de 10 semanas em dois períodos deslocando 80 horas das últimas 5 semanas para as 5 primeiras. O trabalhador irá trabalhar 56 horas em cada uma das semanas de maior densidade laboral, mas, com o recurso a uma espécie de alquimia de fácil compreensão, «respeitar-se-á» a regra das 40 horas por semana e das 8 horas por dia: basta que se pense em termos de período de referência –uma nova unidade de medida– para tudo ficar sanado deste ponto de vista. A matemática não engana, sendo que, com efeito, 5x56h+5x24h=400 horas cujo resultado, dividido por 10 semanas, é de 40 horas e, dividido pelos 50 dias úteis do período de referência, é de 8 horas.

A adaptabilidade pode ser instituída por convenção coletiva ou mesmo por contrato individual de trabalho ou, verificadas certas condições, por extensão do empregador da adaptabilidade coletiva ou da adaptabilidade individual.

a) A “adaptabilidade coletiva”, a que é instituída por convenção coletiva, deverá respeitar os limites seguintes:

– 12 horas diárias (o limite das 8 horas pode ser aumentado até 4 horas);

– 60 horas por semana, contando, para este efeito, todo o trabalho realizado, normal ou não, com exceção do trabalho suplementar prestado por motivo de força maior;

– 50 horas em média num período de 2 meses.

Como se pode ver, o exemplo acima figurado observaria todos os limites estabelecidos no art. 204.º, pelo que não mereceria qualquer censura jurídica;

b) A “adaptabilidade individual” (expressão usada na epígrafe do art. 205.º) tem como sua fonte instituidora o acordo concluído entre o empregador e o trabalhador, acordo que, como já atrás se referiu, obedece a um procedimento curioso: (i) proposta escrita do empregador (pensa-se que com indicação concretizada dos elementos que a seguir se referem) e (ii) falta de oposição escrita do trabalhadores nos 14 dias seguintes ao conhecimento da proposta. Esta modalidade deverá respeitar os limites seguintes:

– 2 horas de aumento do período normal diário;

– 50 horas como limite do trabalho semanal, também com exclusão do trabalho suplementar prestado por motivo de força maior;

– Nas semanas de menor densidade laboral, a redução do tempo de trabalho pode atingir duas horas diárias ou ser definida em dias ou meios dias, mas, em qualquer caso, sem prejuízo do direito ao subsídio de refeição.

c) A instituição da “adaptabilidade grupal”, ou seja, a extensão, por decisão do empregador, do regime da adaptabilidade coletiva ou individual a trabalhadores da mesma equipa, secção ou unidade económica, obedece a diferentes requisitos conforme a espécie de que se tratar: (i) a adaptabilidade grupal por extensão de convenção coletiva deve estar prevista na respetiva convenção e ser aplicável a, pelo menos, 60% dos trabalhadores da equipa, da secção ou da unidade económica por força da sua filiação sindical ou por escolha do trabalhador; (ii) a adaptabilidade grupal por extensão de acordo individual de trabalho deverá ser aplicável a, pelo menos, 75% dos trabalhadores da equipa, da secção ou da unidade económica.


2.2 A figura do banco de horas

A figura do banco de horas obedece a uma lógica um pouco diferente. Com efeito, agora já se não trata de redistribuir o tempo de trabalho contratado, mas o de o aumentar o número de horas de trabalho normal por ano. Recorda-se que “período normal de trabalho” é um conceito normativo, mais precisamente, nos termos do art. 198.º, denomina-se período normal de trabalho «o tempo de trabalho que o trabalhador se obriga a prestar, medido em número de horas por dia e por semana». A figura do banco de horas vem introduzir um elemento de perturbação na definição do citado art. 198.º na medida em que este se traduz num alargamento do período normal de trabalho[44].

À semelhança do que se disse sobre adaptabilidade, também o banco de horas pode ser instituído por convenção coletiva, por acordo individual ou, verificadas certas condições, por decisão do empregador.

a) No caso de “banco de horas coletivo” (art. 208.º), o período normal de trabalho pode ser aumentado até 4 horas por dia e atingir 60 horas por semana, mas não pode ultrapassar 200 horas por ano, salvo quando convenção o preveja e a utilização do tempo tiver por objetivo evitar a redução do número de trabalhadores;

b) O regime do “banco de horas individual” (art. 208.º-A) deverá ser instituído através de um procedimento idêntico ao da adaptabilidade individual e respeitar os limites seguintes: 2 horas diárias e as horas que, somadas ao período normal aplicável, não ultrapassem 50 horas semanais.

c) O “banco de horas grupal” resulta de uma decisão do empregador mas o seu regime é diferente conforme a fonte instituidora do banco a estender for a convenção coletiva ou o acordo individual (art. 208.º-B).


3. Facilitação do despedimento

Além das alterações atrás referidas (cfr. supra 4.4), a Lei n.º 23/2012 introduziu significativas modificações em duas das modalidades de despedimento por motivos não inerentes ao trabalhador: o despedimento por extinção do posto de trabalho e o despedimento por inadaptação, em ambos os casos com o sentido de facilitar a decisão do empregador em relação ao que anteriormente se encontrava estabelecido. Assim:

a) No que respeita ao despedimento por extinção do posto de trabalho, o anterior critério da antiguidade do trabalhador na determinação do ou dos postos a extinguir, é agora substituído, para o caso de haver mais postos de conteúdo funcional idêntico do que o número de postos a reduzir, por critérios a definir pelo empregador que sejam relevantes e não discriminatórios face aos objetivos subjacentes à extinção do posto de trabalho. Além disso, a Lei n.º 23/2012 eliminou a anterior obrigação do empregador de oferecer ao trabalhador posto de trabalho compatível com a sua categoria profissional, mesmo que dele disponha[45].

b) Também o recurso ao despedimento por inadaptação se tornou mais fácil com a entrada em vigor da Lei n.º 23/2012. Na verdade, diferentemente do que antes sucedia, esta modalidade de despedimento passou a ser permitida mesmo que não tenha ocorrido qualquer alteração das condições técnicas do posto de trabalho. Era corrente, e correto, distinguir entre inaptidão e inadaptação, entendendo-se que ambas se traduziam numa incapacidade profissional para as funções para que o trabalhador havia sido contratado. Só que, na inaptidão, a incapacidade originária significava que o trabalhador não tinha, à data da admissão, as aptidões esperadas e a superveniente significava que o trabalhador, por qualquer motivo, perdeu, posteriormente à admissão, as aptidões de que fora portador. Ao contrário, na inadaptação, o trabalhador mantém as aptidões para as funções para que foi contratado, mas, apesar disso, deixa de poder continuar no exercício do cargo porque não tem as aptidões requeridas pelas novas condições técnicas em que deverá trabalhar e não quis ou não foi capaz de as adquirir.

Verdadeiramente, neste último caso, tudo se passa como se o despedimento tivesse sido determinado pela extinção do posto de trabalho originário seguida da subsequente incapacidade ou recusa de aquisição das novas aptidões reclamadas pelas modificações introduzidas no posto. Com a nova lei o trabalhador pode ser despedido mesmo que não tenha havido qualquer alteração das condições técnicas do posto, ou seja, pode ser despedido por inadaptação em sentido próprio ou por inaptidão superveniente, agora também designada por «inadaptação», assim dando razão aos que advertem para o cuidado a ter com os nomes, na medida em que o nome pode alterar a natureza da coisa nomeada. Além disso, também nesta modalidade de despedimento o empregador fica desonerado da obrigação de oferecer ao trabalhador outro posto de trabalho compatível com a sua categoria profissional e se reduz, nos termos anteriormente referidos, a compensação pecuniária correspondente.


4. A tendência para a desadministrativização da relação de trabalho

A saída das autoridades públicas do mundo do trabalho tem sido uma das mais constantes tendências das últimas décadas. Seria necessário recuar a 1989 para indicar um dos mais claros sinais desta desadministrativização, ano em que uma importante lei sobre cessação do contrato e celebração de contratos a prazo alterou o regime do despedimento coletivo, em particular no que respeitava ao seu procedimento, eliminando o papel antes atribuído ao ministério do trabalho sobre esta matéria.

Às medidas de sentido idêntico que entretanto foram sendo aprovadas, juntam-se agora as seguintes previstas na Lei 23/2012:

– Eliminação da obrigação de envio à Autoridade para as Condições de Trabalho do Regulamento Interno;

– Simplificação das comunicações de início de atividade da empresa ou de alteração de atividade;

– Deferimento tácito de requerimento de redução ou de exclusão do intervalo de descanso;

– Eliminação da obrigação de envio de mapa de horário de trabalho;

– Eliminação da obrigação de envio de acordo de isenção de horário.

Na exposição de motivos junta à Proposta de Lei n.º 46/XII[46] que daria origem à Lei 23/2012, o Governo justificava estas medidas com a necessidade de desburocratização, de racionalização da atividade da inspeção geral do trabalho e simplificação da legislação laboral, «através, acrescenta, de maior clareza das suas normas e da diminuição da burocracia e do excesso de procedimentos …».

Verdadeiramente, porém, nem sempre é este o sentido ou o resultado das medidas desta índole, significando, com frequência, uma espécie de (re)privatização de espaço de domínio privado, de (re)feudalização da empresa, de ampliação dos poderes fácticos do empregador. A inspeção do trabalho, convém não esquecer, é uma instituição pública de tutela de direitos fundamentais. Subtrair-lhe competências ou mecanismos de controlo, é reduzir a protecção de bens jurídicos fundamentais, é (re)privatizar um espaço de poder de entidades privadas, cujos riscos se tornam tanto mais perigosos quanto mais dependente o contexto tornar o trabalhador.





V.RELAÇÕES COLETIVAS

1. Introdução

O sistema português de ralações laborais é, por várias razões que não é oportuno abordar aqui[47], bastante complexo, caracterizando-se, designadamente, por um grande número tanto de associações representativas de trabalhadores, como de associações representativas de empregadores (pulverização sindical), pela ausência de critérios de representatividade e de maior representatividade, por um quadro normativo com muitas omissões, pela consequente rede convenções existentes de malha relativamente estreita e com frequentes fenómenos de concorrência e de paralelismo[48], por uma cultura de unidade de ação muito frágil ao nível confederal, etc.

Curiosamente, a questão da representatividade sindical foi incluída no Memorando com a finalidade de resolver o problema das portarias de extensão – nome dado aos atos, de natureza controversa, de um ou dois ministros de extensão de uma convenção a trabalhadores e a empregadores por ela originariamente não abrangidos –mas não teve qualquer projeção na Lei n.º 23/2012, na sequência do acordo de concertação social subscrito por todos os «parceiros» com assento na Comissão de Concertação Social, com exceção da CGTP– Confederação Geral dos Trabalhadores Portugueses.

Diga-se, aliás, que as últimas reformas têm sido objeto de prévio acordo de concertação social, sem a adesão da CGTP, mas com a participação da UGT, incluindo o que esteve na origem do CT1, e do qual constavam, entre outras relevantes alterações, a da modificação da clássica regra relativa à relação entre a lei e a convenção coletiva: da clássica regra segundo a qual as normas da lei só podiam ser alteradas por convenção coletiva em sentido mais favorável aos trabalhadores passou-se à regra segundo a qual todas as normas de lei podiam ser afastadas ou substituídas por convenção coletiva, mesmo em sentido menos favorável aos trabalhadores. Quer dizer, embora com várias exceções, a lei perdeu, assim, a sua característica de norma mínima, tornando-se, por via de regra, em norma «coletivamente, mas não individualmente, dispositiva».


2. As novidades da Lei 23/2012

O direito das convenções coletivas sofreu poucas alterações mas com algum significado. Uma delas é uma medida de descentralização negocial e a outra de delegação de competências de negociação em outras estruturas de representação de trabalhadores.

Embora sem qualquer tradição de negociação colectiva (formalmente) articulada, havendo mesmo fundadas dúvidas de que alguma convenção fosse dotada de autoridade bastante que lhe permitisse subtrair matérias a outras convenções ou condicionar a alteração do regime nela previsto por convenção posterior, certo é também que nenhuma norma veda a possibilidade de uma convenção colectiva de maior âmbito estabelecer uma cláusula de observância obrigatória por convenções de âmbito inferior se, e só se, os sujeitos desta forem os sujeitos daquela ou, porventura, nos casos em que neles se encontrem filiados. Previa, porém, o CT1 (art.º 536.º/2) a possibilidade de inclusão de “cláusulas de articulação” entre convenções colectivas de diferente nível, mas apenas enquanto expediente susceptível de afastar alguns critérios de preferência nos casos de concorrência de convenções, norma que o CT2 manteve (n.º 5 do art. 482.º) e que o agora a Lei 23/2012 alterou, passando a prever que uma convenção contemple a possibilidade de determinadas matérias –a mobilidade geográfica, a mobilidade funcional, a organização do tempo de trabalho e a retribuição– serem também reguladas por convenção de âmbito inferior, criando, assim, uma espécie de convenções articuladas.

A outra alteração prevê a possibilidade de as associações sindicais conferirem a outras estruturas de representação coletiva de trabalhadores na empresa poderes para celebrarem convenções coletivas se o número de trabalhadores for igual ou superior 150 (n.º 3 do art. 491.º).


3. Autonomia coletiva e autonomia individual e o art 7.º da Lei 23/2012

Na sequência de uma prática de que o legislador português é reincidente, o art. 7.º da Lei n.º 23/2012 (i) anula (sic) as normas de ccts concluídas antes de 1 de agosto de 2012 sobre compensações por despedimento coletivo e por outras formas de extinção do contrato a que se ligue idêntico efeito compensatório (n.º 1), (ii) anula as normas de ccts e as cláusulas de contrato individual sobre descansos compensatórios por trabalho suplementar prestado em dia útil, em dia de descanso semanal complementar ou em dia feriado (n.º 2), (iii) reduz, até 3 dias, as majorações ao período anual de férias estabelecidas, entre 1-12-2003 e 31-7-2012, em cct ou em contrato individual (n.º 3) e (iv) suspende durante dois anos (entre 1-8-2012 e 31-7-2014) as normas de cct e as cláusulas de contrato individual que disponham sobre acréscimos de pagamento de trabalho suplementar superiores ao previsto no CT2 (na redação da Lei 23/2012) e sobre retribuição e/ou descanso compensatório por trabalho em dia feriado em empresa não obrigada a suspender o seu funcionamento nesse dia (n.º 4)[49].

Apesar de constitucionalmente consagrados, tanto o princípio da autonomia coletiva, como o princípio da autonomia individual, o legislador dispõe, como se vê, do que, validamente, havia sido estabelecido em cct ou em contrato individual, revogando, ou suspendendo e alterando, as normas da convenção e as cláusulas de contrato individual sobre as matérias referidas no citado art. 7.º Como exuberantemente o vem mostrando a crise atual, o governo não exibe tão tranquilamente o seu ius imperii em relação a muitos outros negócios jurídicos, mesmo quando eticamente duvidosos. Os swaps, um produto financeiro de que ultimamente muito se tem escrito e falado, são disso mesmo inequívoco exemplo.

Zeus não espera que Sísifo atinja o cume da montanha, não hesitando em empurrá-lo pela encosta abaixo sempre que sinta ameaçada a sua posição ou bloqueadas as suas aspirações. As medidas desta natureza, e muitas outras de sentido idêntico, são uma espécie de ajuda da mãozinha de deus na «erosão do poder contratual coletivo dos trabalhadores» a que se refere Palomeque Lopez em «El desplaziamento del equilíbrio del modelo (Consideraciones sobre la reforma laboral de 2012)»[50].


VI. ATRIDAS OU SÍSIFO?

Há várias razões que me levariam a preferir a invocação de Sísifo, essa outra lenda também muito lembrada pelos juristas do trabalho, à de Atreu, ou dos seus ascendentes Tântalo ou Pélopes, todos, afinal, descendentes de Zeus e todos eles elos de uma cadeia de sucessivas vinganças familiares.

Por um lado, porque é menos sangrenta, menos bárbara… Embora também cruel, a condenação de Sísifo não tem o odor do sangue que tão compulsiva e fatalmente perseguia os Atridas[51].

Depois porque Sísifo, ao contrário de Tântalo ou de Atreu ou de outros que lhes sucederam nesta cadeia de trágicas vinganças familiares, não teve a arrogância de desafiar a omnisciência dos deuses.

Ainda e, talvez, sobretudo porque as razões da sua condenação tornam o seu carrasco merecedor do castigo a que Sísifo deveria ter sido poupado: afinal, Sísifo foi apenas leal e solidário com um amigo, desafiando, é certo, a ira de Zeus quando contou a Asopo que a sua bela filha Egina havia sido raptada por Zeus disfarçado de uma poderosa águia que ele mesmo vira a sobrevoar a cidade.

Além disso, porque a recompensa que Sísifo reclamou nem sequer respeitava a um bem pessoal, mas a um bem da comunidade: ele só solicitou uma fonte de água para a sua cidade, que viria a receber com o nome de Pirene.

Finalmente porque Sísifo ajudado, como sugere U. Romagnoli, ou não, sempre deixa a esperança de um dia ser capaz de cortar as amarras que o acorrentam à rocha.

Foi, porém, a condenação, e não propriamente os seus fundamentos ou a sua história, que tornou conhecida a lenda de Sísifo: a da subida de uma montanha, acorrentado a uma grande rocha, que, chegado ao cume, o faria rolar, inelutavelmente, pela encosta abaixo, repetindo Sísifo esta ingrata tarefa por toda a eternidade. Ingrata até porque inútil…

Ajudemos então Sísifo a cortar as correntes e a libertar-se de uma condenação tão ingrata quanto inútil.

Da reforma do RDL. 3/2012, de 10 de febrero, escreveu Palomeque-Lopez, que «se inscribe decididamente dentro de la serie de políticas laborales de “flexibilización” o “adaptación” del ordenamiento jurídico de las relaciones de trabajo a la situación general de la economía que han acaparado de modo intermitente las tres décadas de nuestro desarrollo constitucional. Buen escaparate ofrecen, sin duda, la economía y sus crisis cíclicas, con ser la que ahora padecemos de una gravedad inusitada, para la observación del modo como el Derecho del trabajo cumple su función fisiológica de facilitación de las relaciones de producción, al propio tiempo que, de modo inescindible y mediante el equilibrio buscado del conjunto, de legitimación política y social del sistema económico de referencia, a través de un ordenamiento de compensación parcial de las desigualdades instaladas en las relaciones económicas. Es el caso, así pues, de las transformaciones normativas experimentadas por nuestro ordenamiento laboral de la mano de lo que he venido llamando desde hace tiempo la “reforma laboral permanente”[52][53].

O mesmo se poderá dizer da Lei 23/2012, inequivocamente inscrita num itinerário de idêntico sentido, o que, pensa-se, explica, ou até justifica, as reservas e oposições que suscita, sobretudo se não esquecermos, como salienta De La Villa, que «o núcleo verdadeiro do Direito do trabalho, o centro de imputação da totalidade dos seus conceitos, instituições e normas, se encontra na figura do trabalhador, essa pessoa física que trabalha para um empregador voluntária e retribuidamente em condições de alienidade e dependência …»[54].

É a consideração devida a essa figura que, acrescente-se, vive do rendimento da «única propriedade de que é titular», a «esse ser peregrino» em permanente procura da felicidade, que ajudará, espera-se, a melhor compreender o desacordo com o itinerário que tem vindo a ser percorrido com esse conjunto de medidas que não só o empobrecem materialmente como o desqualificam social e humanamente. E, contudo, na pessoa que ele é reside a dignidade a dignidade que todos gostam de invocar.

Ajudemos então Sísifo a libertar-se das grilhetas dessa função –a que ultimamente foi injustamente condenado e que vem executando– de frio instrumento de gestão empresarial.



*Lista de siglas usadas: ACT, Autoridade para as Condições de Trabalho; BCE, Banco Central Europeu; CCT, convenção coletiva de trabalho; CE, Comissão Europeia; CT1, Código do Trabalho, aprovado pela Lei n.º 99/2003, de 27-8; CT2, Código do Trabalho, aprovado pela Lei n.º 7/2009, de12-2; FMI, Fundo Monetário Internacional; IVA, imposto de valor acrescentado, OGE, Orçamento Geral do Estado; TC, Tribunal Constitucional.

[1] Inquietante não é apenas a invocação de uma tragédia, grega ou outra; é também, ou sobretudo, o género da tragédia invocada, tornando inevitável uma das mais angustiantes e dramáticas questões da modernidade: como articular o mercado com o trabalho? Sujeitando este último às exigências daquele? Regulando aquele tendo em conta necessidades deste?.

[2] Nair de Nazaré Castro Soares, «O drama dos Atridas. A tragédia Thyestes de Séneca», Ágora. Estudos Clássicos em Debate,6 (2004).

[3] Droit ouvrier, 2003, p. 261.

[4] Nair Soares, ob. e loc. cit., p. 53.

[5] De redução da contrapartida da obrigação de trabalho, traduzindo-se, consequentemente, numa degradação dos termos da troca operada pelo contrato de trabalho.

[6] Degradação das condições de uso da disponibilidade da «força de trabalho».

[7] O referido documento foi também subscrito pelos três partidos do «arco do poder», expressão com que se pretendem abranger os três partidos (Partido Socialista, Partido Social-Democrata e Centro Democrático e Social) que têm feito parte dos governos constitucionais –governos formados após a entrada em vigor da Constituição de 1976– de que o atual é o XIX.

[8]Agravamento da taxa do IRS (imposto sobre o rendimento social), incidente sobre os rendimentos do trabalho por conta de outrem e por conta própria; alteração, em alguns casos incluiu a eliminação, das condições de atribuição de apoios sociais, designadamente o abono de família e outros; eliminação ou redução dos chamados benefícios sociais e das deduções fiscais; agravamento dos preços de vários bens, alguns de primeira necessidade, em especial pela via do aumento do IVA (imposto sobre o valor acrescentado), cuja taxa máxima normal é de 23%, tendo sucedido que alguns bens passaram da taxa mínima de 6% para a máxima, como sucedeu com a energia eléctrica e a restauração); agravamento dos custos de bens e serviços de necessidades elementares, como sucedeu com as chamadas taxas moderadoras no âmbito do Serviço Nacional de Saúde, dos transportes, da água, da energia eléctrica e do gás…; os trabalhadores com emprego público e, ultimamente, os reformados e pensionistas têm sido das categorias sociais mais sacrificadas.

[9] Veja-se, com interesse, António Casimiro Ferreira, Sociedade da austeridade e direito do trabalho da exceção, 2012, Porto, Vida Económica.

[10] Outras vias de empobrecimento: (i) pelo sacrifício que vem sendo exigido aos trabalhadores (em especial) da Administração Pública e do sector empresarial do Estado) na contribuição para a redução da dívida; (ii) pela via da redução do nível e do âmbito de protecção social, designadamente de índole material, das eventualidades cobertas pela segurança social, a maior parte ou mesmo a totalidade delas financiadas pelos próprios trabalhadores (a história da taxa social única) – subsídio de desemprego, subsídio de doença, reformas e pensões, etc.

[11] Desde os últimos anos do século XX: da alteração da lei dos despedimentos e da lei do contrato a prazo 1989, à lei da redução do tempo de trabalho de 44 para as 40 horas e da polivalência de 1996); aprovação do Código do trabalho de 2003 (CT1) e suas leis complementares; alteração de 2006; aprovação do Código do trabalho de 2009 (CT2) e das suas leis complementares e posteriores alterações anteriores ao Memorando da troika; as alterações posteriores à assinatura do Memorando: a Lei n.º 53/2011, de 14.10; a Lei nº 3/2012, de 10.1; a Lei n.º 23/2012, de 25.6; a Lei n.º 11//2013, de 28-1, e a lei em fase final de procedimento legislativo a sobre redução das compensações por fim de contrato para a média da União Europeia. Ver ainda, com interesse, as medidas inscritas nas sucessivas leis do Orçamento Geral do Estado (OGE) para 2011 (Lei n.º 55-A/2010, de 31.12), para 2012 (Lei 64-B/2011, de 30-12) e para 2013 (Lei n.º 66-B/2012, de 31.12).

[12] Desconsiderando aqui –mas sem a esquecer– aquela que é, porventura, a mais decisiva de todas: a do agravamento, no caso brutal, do desequilíbrio do «mercado de trabalho» traduzido no aumento da sua oferta e na redução da sua procura, ou, visto de um outro ângulo, no aumento da procura e na redução da oferta do emprego.

[13] Também se não incluirão mais do que breves referências às medidas que têm afetado o emprego público (…).

[14] Das medidas que chegaram a ser anunciadas pelo Governo mas que acabariam por ser abandonadas merecem referência a do aumento do horário de trabalho de 30 minutos por dia e, mais tarde, a do aumento da taxa social única a cargo dos trabalhadores de 11 para 18/% e a da redução da taxa paga pelos empregadores de 23,75% para 18% e que esteve na origem de um dos maiores protestos populares em 15 de Setembro de 2012.

[15] Feriados obrigatórios no sentido de que deverão ser gozados no dia indicado, não podendo ser substituídos qualquer outro dia (com exceção da sexta feira santa que poderá ser celebrado em outro dia com idêntico significado local (n.º 2 do art. 234.º).

[16] Feriados facultativos no sentido de que poderiam ser substituídos por qualquer outro dia em que acordassem empregador e trabalhador (n.º 2 do art. 235.º). Com a entrada em vigor do CT de 2009 a terça feira de carnaval e o «feriado» municipal da localidade só são considerados feriados se assim o estabelecer a conveção coletiva de trabalho aplicável ou o contrato individual de trabalho, continuando a permitir a lei que, em sua substituição, possa ser observado outro dia em que acordem empregador e trabalhador.

[17] Para este efeito apenas 5 dias por semana são considerados úteis, mais precisamente, os dias de segunda a sexta, todos com exclusão do sábado e do domingo ou, se for o caso, com exclusão dos dias correspondentes de descanso semanal, além, naturalmente, dos dias feriados (n.º 1, 2 e 3 do art. 238.º).

[18] Este segmento do período de férias parecia, em muitas situações, assemelhar-se mais a um castigo do que a um prémio, havendo casos de perda do prémio resultante do exercício de um direito, como sucedia, por exemplo, com os casos de ausência por luto ou por casamento, ou mesmo, segundo alguns autores, por exercício do direito de greve, o que lhe mereceu, justamente, o epíteto de prémio anti-greve.

[19] Para este efeito, só não contavam (só eram neutralizadas) algumas das faltas justificadas por razões conexas com a parentalidade, mais precisamente as dadas em alguma das situações previstas nas alíneas a) a e) do n.º 1 do art. 35.º do CT. A todas as demais se associava o efeito de redução ou de denegação do prémio de férias, desde as faltas por razões de morte de parente próximo, às do casamento ou outras, incluídas as faltas por exercício do direito à greve, o que levou alguns autores a qualificar tal prémio como prémio anti-greve.

[20] Supondo que o período normal de trabalho era de 8 horas por dia, o trabalhador completava o direito a um dia de descanso logo que completasse a 32.ª hora de trabalho suplementar.

[21] Manteve-se apenas a majoração (100%) do trabalho prestado em dia de descanso semanal obrigatório.

[22] Rmx12meses:52semanasx40h de trabalho por semana; veja a nota seguinte.

[23] O valor da hora normal é calculado segundo a fórmula seguinte: dividindo a suposta retribuição anual (RMx12) pelo suposto n.º de horas de trabalho normal por ano (52 semanas x n, n.º de horas de trabalho por semana). Como será fácil de ver, o valor da hora de trabalho normal está duplamente subavaliado: através da redução do dividendo (RMx14 e não x12) e do aumento do n.º de horas de trabalho por ano (cerca de 46,5 semanas de trabalho por ano e não 52).

[24] Embora, erradamente, se associe, com frequência, ao trabalho suplementar a ideia contrária, de vantagem ou mesmo de privilégio a esta forma particular de gestão do tempo de trabalho.

[25] O art. 219.º prevê as 3 modalidades de isenção de horário de trabalho.

[26] Cfr. também, sobre esta matéria, a Convenção 158 da OIT, o art.24.º da Carta Social Europeia revista em 1996 e o art. 30.º da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia.

[27] O ordenamento jurídico português, na linha, aliás, do disposto na Convenção 158 da OIT, na Carta Social Europeia revista em 1996 e agora também na Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia, não permite os chamados despedimentos livres ou ad nutum, devendo estes ser sempre causais no sentido de que todos eles deverão ter sempre um fundamento ou ser determinados por uma causa, um motivo (o caso de despedimento de trabalhador com contrato em regime de comissão de serviço é uma exceção, aliás de duvidosa constitucionalidade, diferente, diga-se, do caso do despedimento durante o período de experiência), podendo o motivo ser, nos termos de uma classificação sugerida pelas sucessivas directivas da União Europeia sobre despedimentos colectivos, inerente ou não inerente ao trabalhador, ou, para recorrer a uma terminologia também bastante divulgada, subjectivo ou objectivo.

[28] Se, porém, o despedimento padecer de algum vício invalidante e como tal for declarado pelo tribunal competente, terá o trabalhador direito a uma indemnização se, em substituição do seu regresso à empresa, por ela optar tempestivamente.

[29] Sobre os casos especiais de despedimento no período de experiência cfr. art. 114.º e sobre o despedimento de trabalhador em regime de comissão de serviço vejam-se os arts. 163.º e 164.º

[30] A compensação dos trabalhadores mais antigos fica, porém, sujeita aos dois limites contemplados nos n.ºs 3 e 4 do art. 6.º da Lei 23/2012.

[31] Casos dificilmente compatíveis com o direito comunitário, como, aliás, concluiu o acórdão de 12 de Outubro de 2004, do TJUE, Proc. C-55/02, acórdão que o legislador português parece ter interpretado no sentido de que apenas estaria obrigado a prever a observância das regras da directiva sobre informação e consulta das estruturas representativas dos trabalhadores. Do mesmo modo, a maior parte destas normas dificilmente se poderão considerar compatíveis com a norma do art. 53.º da Constituição portuguesa na medida em que através de um tal expediente poderia ultrapassar os condicionamentos resultantes da garantia constitucional de segurança no emprego e da proibição de despedimentos sem justa causa.

[32] Ver também o caso de cessação de contrato por decisão do administrador da insolvência de trabalhadores cuja colaboração não seja indispensável ao funcionamento da empresa (já declarada insolvente) (art. 347.º/2).

[33] Até à entrada em vigor do CT1 a expressão preferida do legislador português era a de contratos a prazo certo ou incerto. Ainda que a terminologia atual possa parecer tecnicamente mais correta, certo é que a anterior era mais próxima da dos seus destinatários, o que deveria ser bastante para ser a preferida.

[34] Refira-se que, em contrapartida, também se tem assistido ao movimento de sentido inverso em alguns, raros, institutos jurídicos, como é o caso dos chamados direitos da personalidade incluídos no CT1 e o da proteção da parentalidade contemplada no CT2.

[35] A chamada cláusula de mobilidade geográfica foi uma inovação do CT1 que, no n.º 3 do seu art. 315.º incluído no capítulo VII, com a epígrafe vicissitudes contratuais– previa, precisamente, a faculdade de as partes, por estipulação contratual, alargarem ou restringirem a faculdade conferida nos números anteriores desse mesmo artigo.
[36] Salvo, como dispõe a parte final da citada norma, se a empresa se encontrar em situação de insolvência ou em situação regulada por lei especial sobre recuperação de empresas e reestruturação de sectores económicos.
[37] «Diz-se que o Direito do Trabalho desconfia do contrato individual» como se pode ler em Arbeitsrecht, Frankfurt, 1988, p.ág. 30/2, Hanau/Adomeit, para quem o Direito do Trabalho pode mesmo ser considerado um vasto sistema de controlo da liberdade contratual, citado por João Leal Amado, Protecção do salário, Coimbra, Coimbra Editora, 1993, pág 9, nota 9;

[38] História do Direito Privado Moderno, tradução portuguesa de António Hespanha, Edição da Fundação Calouste Gulbenkian, 1980, p. 552.
[39] «Situações de necessidade temporária da empresa» (n.º 1), considerando como tais as que, a título de exemplo, descreve nas 8 alíneas do n.º 2.
[40] O trabalho realizado através de empresas cuja principal atividade social é a do recrutamento de trabalhadores (contrato de trabalho temporário) para os ceder, onerosamente e com intuitos lucrativos, por períodos mais longos ou mais s curtos, a terceiros (contratos de utilização de trabalho temporário).

[41] Segundo tem sido divulgado pelos próprios responsáveis da Associação Portugal Outsourcing – APO, esta atividade tem conseguido um «crescente reconhecimento pelo mercado enquanto opção estratégica que através dos seus diferentes modelos permite a transformação dos processos e dos negócios, racionalizando recursos e gerando eficiências …»

[42] Sobre tempo de trabalho na recente literatura jurídica portuguesa pode consultar-se Francisco Liberal Fernandes, O Tempo de Trabalho, Comentário aos Artigos 197º a 236º do Código do Trabalho [Revisto pela Lei Nº23/2012, de 25 Junho], 2012, Coimbra Editora, Catarina de Carvalho «A desarticulação do regime legal do tempo de trabalho», em AA.VV, Direito do Trabalho+Crise=Crise do Direito do Trabalho?, Actas do Congresso de Direito do Trabalho, 2011, Coimbra Editora, A. Nunes de Carvalho, «Notas sobre o art. 206.º do Código do Trabalho (Adaptabilidade Grupal)», em AA.VV, Direito do Trabalho+Crise=Crise do Direito do Trabalho?, Actas do Congresso de Direito do Trabalho, 2011, Coimbra Editora, Joana Nunes Vicente, «O novo regime do tempo de trabalho», em AA.VV., Memorando da Troika e as empresas, Almedina, 2012.

[43] A Constituição portuguesa, por exemplo, consagra o direito fundamental dos trabalhadores a um limite máximo da jornada de trabalho (n. 1 do art. 59.º), não parecendo, consequentemente, deslocada a dúvida acerca da sua conformidade ou desconformidade constitucional.
[44] Passaria a haver duas espécies de período normal de trabalho: o propriamente dito, isto é, o que resulta do que fora contratualizado, e o impropriamente dito, quer por resultar, em uma das suas modalidades, de fonte diferente do contrato, quer por não ser igual o regime a que fica sujeito.

[45] Ver ainda o que atrás se disse quanto à redução da compensação a pagar ao trabalhador abrangido por esta medida.
[46] Publicada em Diário da Assembleia da República, II, n.º 119, de 11-2-2012.

[47] Pode ver-se sobre esta questão João Reis, «Troika e alterações no Direito laboral coletivo», em AA.VV., O Memorando da ‘Troika’ e as empresas, 2012, Almedina, IDET, p. 133 e ss; Júlio Gomes, Novos estudos de Direito do Trabalho, 2010, Coimbra Editora, p. 161 e ss, em que o autor se ocupa do tema «O Código do Trabalho de 2009 e a promoção da desfiliação sindical», e Jorge Leite, «O sistema português de negociação colectiva», em AA.VV., Temas Laborais Luso-Brasileiros, 2007, Coimbra Editora, p. 150 e ss;

[48] Fala-se de concorrência quando duas ou mais CCTs se aplicam à mesma relação e de paralelismo nos casos em que duas ou mais convenções se aplicam a diferentes conjuntos de relações diferenciados em função da filiação sindical, mas todos pertencentes a um mesmo universo ou universo homogéneo. Se, v. g., num mesmo setor de atividade cada um dos 3 sindicatos subscrever uma diferente convenção com a mesma associação ou entidade patronal (o exemplo não é uma invenção), as três convenções aplicam-se ao mesmo universo de trabalhadores, mas, tendo em conta o princípio da filiação, a nenhum trabalhador será aplicável mais do que uma convenção.
[49] No caso de, entretanto, não serem alteradas as normas suspensa, os montantes nelas previstos são reduzidos a metade ou aos previstos no CT2 se aqueles forem inferiores (n.º 5).

[50] Publicado eEl Cronista, de marzo de 2012.

[51] Um episódio que Camões cita, a propósito da conhecida tragédia de Inês de Castro, (Lusíadas, III, 133):

«Bem puderas, ó Sol, da vista destes,
Teus raios apartar aquele dia,
Como da seva mesa de Tiestes
Quando os filhos por mão de Atreu comia.»

[52] «El desplazamiento del equilíbrio del modelo (consideraciones sobre la reforma laboral de 2012)», El Cronista del Estado Social y Democrático de Derecho, de marzo de 2012.

[53] Sobre o tema veja também o recente artigo de Consuelo Ferreira, «El recuperado protagonismo del contrato de trabajo», Questões Laborais, n.º 40, págs. 145 a 163, em especial pág. 156 e ss sobre «El control del contrato de trabajo».

[54] Em comentário ao livro de Antonio Ojeda Avilez, La Desconstrucción del Derecho Trabajo, La Ley, 2010, uma obra de leitura inadiável e que De La Villa considera um poemário e ao autor um criador.