Artigo de Vítor Dias
no Semanário de 1.5.1998
A modos de declaração de voto, hoje é um bom momento para nos incorporarmos na «festa do euro» que nos está garantida para estes dias, pedindo licença para que o façamos sem acrescentar qualquer novidade, uma vez que os prosélitos do euro, pelo seu lado, outra coisa não fazem do que debitar sempre a mesma conversa, aliás sem ponta de resposta séria aos argumentos contrários.
A nossa contribuição só pode ser a de, quando nos voltarem a martelar a ideia de que Portugal consegue assim estar no «centro da construção europeia», pensarmos antes que, como para a moeda única, tirando a Grécia, só não entra quem não quis, ficamos agora tão no «centro» como já estávamos, a não ser que queiramos imaginar que estamos mais no «centro» porque a Grã-Bretanha, a Suécia e a Dinamarca - esses pobres e atrasados países - vão agora sofrer as penas terríveis da maldita «periferia».
A nossa contribuição só pode ser a de lembrar que gostaríamos era de estar no pelotão da frente, não apenas de critérios financeiros, mas dos indicadores que costumam medir a riqueza das nações e o bem estar dos seus povos.
A nossa contribuição só pode ser a de lembrar que, há um ano, o apoio à moeda única no conjunto dos países da EU era o mais baixo dos últimos cinco anos (47% para 40% contra) e que se porventura essa curta distância tiver aumentado entretanto, terá sido mais pela força dos factos dados como consumados do que por evolução de convicções profundas.
A nossa contribuição só pode ser a de lembrar que este processo é tão sólido que bastaria ter havido um referendo na Alemanha e, por muitos anos, era uma vez a moeda única.
A nossa contribuição só pode ser a de lembrar que este processo é tão democrático que Portugal vai ficar vinculado a um Pacto de Estabilidade que eterniza os critérios de Maastricht e foi aprovado em mera reunião de Ministros dos Negócios Estrangeiros e que, apesar de ter consequências bem mais vastas e estruturais que o Tratado de Amesterdão, nem sequer será sujeito a ratificação pela Assembleia da República.
A nossa contribuição só pode ser a de lembrar que, depois da deserção do PP, os cerca de 30% de portugueses que, segundo diversas sondagens, se opõem ou têm reservas ao euro só podem contar agora com o PCP para dar voz às suas opiniões e preocupações.
Bem sabemos que nada disto é susceptível de ofuscar, cá dentro ou lá fora, a cintilante «festa do euro». Nem mesmo a lembrança dos 20 milhões de desempregados ou dos mais de 50 milhões de pobres a quem as instâncias desta «construção europeia», de vez em quando, costumam dedicar uns relatórios, uns seminários e uma boas e santas palavras.
Sim, nada conseguirá estragar esta magnífica «festa do euro» nestes primeiros dias de Maio de 1998.
Afinal, os grandes oficiantes desta «festa» e os grandes interesses económicos e financeiros que a comandam sabem que, se muita coisa correr para o torto, não serão nem eles, nem as suas vidas, nem o seu trabalho a sofrer as consequências. Serão tão só os do costume.
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